A Maldição
do Demônio, de Mario Bava
La Maschera del Demonio, Itália,1960
A Maldição do Demônio,
de Mario Bava
O filme é sobre bruxaria e se
leva bastante a sério. Portanto, há um certo feitiço narrativo - no caso,
absolutamente cinematográfico - cuja vivência é essencial para se entender
e para se curtir A Maldição do Demônio. É uma lógica específica
do conto assustador, que se apresenta envolvente e misterioso, tendo uma
narração que cativa e mexe com medos primários, básicos. Esse cinema místico
- que neste caso parece ser uma verdadeira carta de apresentação do seu
diretor, então assinando seu primeiro filme - lida então, aqui, com maldições
seculares, bruxaria, satanismo, vampirismo, jovens virgens, testemunhas
infantis. Linda, enfim, com um gênero de símbolos já tradicionais na época,
sendo filhote direto dos contos de horror de Poe e de vários autores europeus
- como Maupassant ou o russo Gogól, escritor do conto que inspira o filme
-, e também da literatura e quadrinhos de gênero que já há anos faziam
sucesso na Itália e dos filmes americanos de horror dos anos trinta (como
A Múmia, do grande Karl Freund), sendo até um pouco aparentado
com os filmes que Corman começava a rodar inspirados em Poe. Este cinema
místico, inclusive, é também território adequado para jogos de luzes e
sombras, grafismos e efeitos visuais - o que, se decerto não é a única
razão, é um atrativo a mais para os realizadores que começaram cuidando
das imagens se interessarem pelo gênero, como é o caso de Bava e também
do já citado Freund.
Há um prólogo, se passando ainda
no século XVII das fogueiras da inquisição, em que a princesa Asa Wajda,
bruxa confessa, roga uma praga sobre sua família antes de ser violentamente
morta, através de uma máscara pontiaguda que lhe é martelada na cara para
simbolizar seu pacto satânico. O prólogo termina e há então um salto de
duzentos anos para que surjam os novos personagens da trama, que se passa
portanto no século dezenove - sem dúvida uma época adequada para filmes
de horror, por conta de seus figurinos e ambientes, trilhas sonoras românticas
e personagens pós-revolução francesa, pós-kantianos (testemunhas e participantes
do desabamento do mundo teocêntrico - mas vamos nos alongar sobre isso
mais à frente). Temos então a história da maldição que paira sobre a família
Wajda (não descobri se são ou não parentes do cineasta), que começa a
se concretizar a partir da passagem de dois médicos pela região.
O enredo surpreende pelo seu
catolicismo, até um certo clericarismo, bastante distante de muitos filmes
de horror feitos em seguida na Itália, de Fulci e do próprio Bava - talvez
por conseqüência de não crer na possibilidade de um mundo totalmente decifrado
pela razão, assim como tantos contos de horror. Mas A Maldição do Demônio
é até divertidamente religioso. Vejamos só: o doutor mais velho, Kruvajan,
chega e, cheio de si, logo vai se metendo com maldições e com mundos que
não conhece. O mundo estava mudando, para conhecê-lo com método já não
bastava a palavra divina, era preciso perceber, descobrir, definir. Então
ele entra num túmulo maldito, tira do cadáver da bruxa a máscara, pega
para si o documento que representa a condenação divina e ainda deixa cair
gotas do seu sangue. O que sabia ele daquele mundo para invadi-lo assim?
Nada, mas era preciso conhecer - e é nessa oportunidade que ressurge a
maldição. E como ela terminará? Se o doutor Kruvajan, que invadiu o mundo
desconhecido sem respeito e sem pudor, perde sua alma para Satã, o jovem
doutor Andrej Gorobe poderá salvar sua princesa virgem amada (idêntica
à antiga bruxa) da maldição, através da crença na cruz e no que diz o
sábio padre, além do que lhe contam e fazem os vampiros, claro. Aqui,
então, fica evidente mais uma vez o que já se disse algumas vezes sobre
vampiros, que eram mitos pagãos que acabaram sendo incorporados pelos
católicos - se vampiro é mau, então tem medo de cruz. No entanto, não
é a ajuda divina que irá proteger nossos heróis, o que os salva é o apoio
coletivo, baseado na fé e no medo.
Se o filme realmente é assustador,
isso seria a se pôr em dúvida - talvez em situações específicas até assuste
bastante sim. Mas é a própria encenação (esse tom perfeito de horror gótico)
que fascina, seduz, absolutamente classicista e atmosférica, romântica
e sombria, com alguns requintes de bom-humor narrativo que caracterizam
Bava - como algumas bruscas oscilações de atmosfera (de romântica para
tensa, ou vice-versa) através de mudanças de clima numa trilha sonora
grandiloqüente. É nesse tom que se define um cinema místico, que enfeitiça
com suas imagens em preto e branco - na ressurreição das entranhas da
terra do vampiro Javuvich, na bruxa que dorme em sua tumba ou na linda
princesa que só se vê salva por uma pequena cruz que carrega no pescoço,
sendo protegida apenas por ela e por sua vestimenta íntima.
Daniel Caetano
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