Teodorico, o Imperador do Sertão, de Eduardo Coutinho

Brasil, 1978

Primeira obra-prima de Eduardo Coutinho, filme seminal de seu modo de fazer cinema, influenciando para sempre a história do documentário brasileiro.

Teodorico é um coronel, dono de uma vasta fazenda e de muitas pessoas. O olhar de Coutinho sobre aquele homem é o olhar de um documentarista nato descobrindo seus métodos: "Queria fazer um filme sem narração off ", diz Coutinho. E fez.

Influenciado pelas possibilidades do som direto em escapar melhor da malha fina dos censores, Coutinho consegue extrair de um coronel nordestino tudo aquilo que não poderia ser dito por outra voz:

Todo narrado pelo próprio coronel Teodorico Bezerra, o filme é uma espécie de auto retrato da elite nordestina, com seus cacoetes ingênuos de poder e suas manias de grandeza (a cena do desfile da fazenda é antológica!). Coutinho se cala diante daquela realidade e se resume a observar... a ouvir com atenção todos os detalhes daquela figura mítica que se descortina.

Aos poucos, o coronel Teodorico Bezerra conta suas manias, seus jogos de poder, seus modos de controle. Mostra, orgulhoso, as frases pintadas nas paredes de todas as casas de suas terras onde estão escritos seus mandamentos: "Não é permitido beber, não é permitido jogar baralho, não é permitido fingir-se doente para não trabalhar..."

Autoritário, Teodorico mostra com orgulho suas ferramentas de controle econômico e político, disserta sobre a importância do voto de cabresto, revela jogadas políticas para melhorar as condições de suas terras. O filme todo é esse observar cuidadoso de uma figura complexa e apaixonada pelo seu modo de vida, que se abre às perguntas simples de Coutinho e se deixa capturar pela imagem.

Nas poucas entrevistas com trabalhadores rurais, a presença do coronel se faz marcante e Coutinho permite que essa opressão se realize diante da câmera. O coronel pergunta: "Você acha que existe lugar melhor para se viver do que aqui?...", o empregado responde, "Não, claro que não".

Essa capacidade de Coutinho em descobrir os traços da realidade na própria maneira com que a pessoa constrói seu imaginário para a câmera é o que faz do filme uma das obras documentais mais importantes do país. Registro histórico e atemporal de um homem ícone, Teodorico é um raro filme de observação do imaginário de poder arcaico dos coronéis nordestinos.

As fotos de viagem pelo mundo, a coleção de fotos de mulheres nuas, a fila de crianças que respondem prontamente que só o que sabem fazer é trabalhar... são fragmentos de uma personalidade que se entrega na própria franqueza orgulhosa:

Em certo momento diz que seus funcionários são como escravos, defende a inferioridade do nordestino em relação aos homens do sul, revela não pagar estudos para as crianças para que elas não "fujam da fazenda para a cidade grande..."

Coutinho já disse certa vez que por vezes se arrepende de tê-lo deixado falar demais...Discordo. É nesse excesso de liberdade narrativa que Teodorico se desvenda para o filme.

O diretor pergunta pouco, é verdade, mas é preciso em suas perguntas: numa das poucas vezes em que ouvimos sua voz, Coutinho vai direto na ferida: "O senhor não se sente muito sozinho?" Silêncio. Coutinho quase põe Teodorico às lágrimas...Mas ele logo se recompõe...e apruma o corpo.

Um genial retrato do imaginário de um homem poderoso do nordeste, colocado de forma crua como nunca antes e nunca depois. Sem o uso de interpretações pré ou pós-filme, Coutinho descobre na voz do outro uma brecha especial na criação de imagens livres.

Um filme único e inaugural, de um dos cinemas mais vigorosos da atual cinematografia brasileira.

Obrigatório.

Felipe Bragança