A Mulher no Cangaço, de Hermano Penna
Brasil, 1976

Segunda experiência da Blimp Filmes no gênero de documentários baseados em reconstituições, A mulher no cangaço funciona em dois eixos básicos: de um lado as entrevistas com gente como Dadá, Cida, cangaceiro Balão; de outro as imagens de memória (p&b) filmadas em planos longos e contemplativos, sempre silenciosos, como que em continuidade com os clássicos registros de cangaceiros realizados por Benjamin Abraão.

O cangaço da liberdade, da explosão da contracultura, do movimento de resistência e renovação cultural. Hermano Penna mistura as contemporâneas questões da liberação sexual e feminina, com o arquétipo de força feminina contemplada na figura da mulher sertaneja.

A narração tenta dar conta do perfil dessas mulheres, dos motivos de sua entrada no grupo e na força de suas participações no cangaço. "Aventura, amor e juventude" são palavras associadas ao cangaço e as mulheres cangaceiras de Penna são as responsáveis por um movimento de "humanização" do cangaço.

Com narração de Sérgio Chapellin, o programa se encaminha como um apinhado não esquemático de imagens de batalha e de longas caminhadas. As passagens mais importantes da vida do cangaço são romanceadas com um olhar de admiração sobre aqueles "bravos guerreiros".

Em certos momentos, a voz taxativa de Chapellin e o texto rebuscado tornam-se de uma poesia um tanto óbvia, ou de conclusões mal explicadas: "a religião nordestina era de uma opressão quase medieval naquela época..."

Mesmo que esse caráter reducionista da voz off de Chapellin enfraqueça o filme em certas passagens, o clima épico das imagens, o tom mítico das vastidões do sertão e o aspecto de memória visualizada dos depoimentos dados (chegam a fazer com que os atores dublem partes dos depoimentos contando os diálogos da época...), alcançam a poesia situada entre a informação direta e o mito da memória.

Clima, tom de luz, poesia de cinema. As reconstituições de Hermano Penna não são meras objetivações visuais da história, mas a expressão imagética de um imaginário ainda vivo, na voz de seus personagens. A cena final, com Dadá narrando sua última batalha e a morte de Corisco é o resultado mais feliz dessa arriscada proposta de documentário. Mas que alcança com Penna uma bela representação.


Felipe Bragança