Névoas, sombras e estranhamento - as phantasmagorias sob a óptica do romantismo

Parte I
Robertson e Philidor

Em 1799, a Revolução Francesa estava em seus estertores. A memória das trincheiras espalhada pelas ruas de Paris não impedia que um grupo excitado de pessoas se aglomerasse em frente a um antigo convento, onde estava sendo realizado um espetáculo cuja atenção os parisienses, há alguns anos, vinham dividindo com o fantasma da guilhotina. Les Fantasmagories eram a garantia de um calafrio científico, ingênuo, sem maiores conseqüências sobre o destino da humanidade - "Não sou padre, nem mágico; não quero decepcioná-los, mas sei como assustar vocês", dizia o inventor Paul Philidor, antes das projeções.

Para chegar no claustro de exibição, além de desembolsar alguns francos, o público deveria atravessar corredores úmidos decorados com esqueletos de monges, com pinturas exóticas, iluminados por tochas; entravam em catacumbas, até chegarem à capela construída ao fundo do convento, na qual as macabras figuras fariam sua aparição: as Fantasmagorias, de Robertson e Philidor.

Estas experiências públicas com projetores eram uma inovação no ramo do entretenimento, que até então já havia acolhido o teatro de sombras, as lanterna mágicas, que de uma certa forma adiantavam, em separado, aspectos do que seria um projetor completo das alegorias de fantasmas. O grau de sofisticação do aparato fantasmagórico, entretanto, potencializava as sensações do público, levava-as ao conseqüente limiar entre o fantástico e o real, pois, nunca imagens de fantasmas foram tão perfeitas, tão medonhas em sua forma, porém tão artificiais em sua origem.

Antes de entrar no Ramo do entretenimento, seu inventor, o belga Etienne Gaspar Robert, autodenominado Robertson, dedicava-se exclusivamente a pesquisas. O Aparato das Fantasmagorias nada mais era que o resultado de uma série de descobertas científicas deixadas pelo mundo e aperfeiçoadas por ele e por Paul Philidor, amigo e colaborador. Na verdade, o maior mérito de Robertson e Philidor para a criação do Fantascópio foi o de terem acrescido rodas à lanterna mágica, projetor rudimentar existente desde o século XVII. Com esta simples adaptação pôde-se movimentar as assombrações, tornando-as mais vivas e aterradoras.

Um espetáculo de Fantasmagorias utilizava-se de vários Fantascópios, cujas projeções, ora atrás de telas, ora na superfície vaporosa de gazes comburentes, cresciam e diminuíam conforme a proximidade do projetor, recheado de fantasmas e criaturas malignas. Tudo movimentava-se, avolumando-se, sumindo-se no ambiente sombrio da sala. Os seis assistentes contratados, além de cuidarem da coreografia das várias projeções, eram incumbidos de sonorizar o espetáculo- esvaziar baldes, para produzir som de chuva; sacudir sinos, para a chegada da Meia-Noite- dando maior dramaticidade à atmosfera fantasmagórica.

Para Robertson e Philidor, todo esse ambiente cuidadosamente ensaiado era, primordialmente, uma experiência que objetivava expor um invento à sociedade, sem maiores pretensões artísticas. Antes de homens bem sucedidos no nascente show-business europeu, eram inventores medíocres, com pouca credibilidade, porém detentores de um discurso íntimo do ideário Iluminista. A explicação do funcionamento de um fantascópio, a desmistificação de seu interior mecânico, óptico, tornava-se matéria indispensável, sem a qual os fantasmas não poderiam ser exibidos.

Robertson e Phillidor obedeciam aos preceitos de Athanase Kircher ("Phantasmagorical Wonder: the Magic Lantern Ghost Show in Nineteenth Century America")célebre jesuíta alemão que criou uma cartilha para a apresentação de Lanternas mágicas. Desejava educar o povo, libertá-lo das "maléficas" influências das visões profanas, das simpatias, dos feitiços. Para os iluministas, herdeiros da razão, bruxas, fadas e fantasmas deviam muito da sua existência à ignorância humana e, no mundo ditado pela ciência, as crendices populares vinham da fonte da mais arraigada ignorância, aquela que o fogo e a guilhotina já haviam tentado falivelmente pulverizar e decepar. A aula dada, certamente fundamentada no conhecimento básico da época, entretanto, surtia um efeito mínimo se o compararmos à curiosidade que o fantástico provocava nos espectadores, se é que podemos chamá-los assim, sobretudo nas crianças, e as sensações que aquelas imagens, depois de projetadas, deixavam no ambiente. Ainda que estivessem sob o aparente jugo cientificista, não raro encontraremos muito da passagem das fantasmagorias em depoimentos maravilhados, envoltos em emoções profanas, que alguém, após as sessões, deixava escapar num comentário anotado, cheio de trêmula excitação, ou em versos escritos sob a luz de velas, memórias vivas produzidas na torpeza que o conhaque ou o haxixe deixavam.

Logo após o sucesso provocado pelas Fantasmagorias de Robertson em Paris, estes projetores espalharam-se pelo mundo com rapidez, proporcionando espetáculos com maior ou menor grau de sofisticação, o que não diminuía em nada o impacto de suas imagens. Em 1803, chegou em Nova York; em meados do século XIX, tem-se notícia dele na cidade do Rio de Janeiro, trazido por um Espanhol foragido e instalado junto com um Cosmorama, na Rua do Ouvidor .

Guilherme Sarmiento

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1. GUNNING, Tom. "Fotografias Animadas: Contos do Esquecido Futuro do Cinema". In: Xavier, Ismail (org). O Cinema no Século.. RJ: Imago Ed. 1996.pp.21.42

2. TERRY,Borton . "Fantasmagoria: La história de La Linterna Mágica". In: Ópera Mundi. Revista Digital.N14, México. 1 de abril de 2001. pp 1-2

3. MORALES DE LOS RIOS,Adolfo. "Rio de Janeiro Imperial". Ed. Top Books. RJ.2000 p365 "Das coisas que provocaram grande curiosidade devem ser citadas o Cosmorama da Rua do Ouvidor, canto das ruas dos Latoeiros, de propriedade de um espanhol exilado político. Essa casa de ilusionismo obteve, durante mais de 3 lustros o mais retumbante êxito." Por sua vez, as fantasmagorias de Robertson, ou seja, o planetário instalado na mesma rua, de número 123, divertia a população das sete as nove horas da noite, com eclipses, o sistema Solar, os planetas as fases da lua e, também, com objetos medonhos que cresciam e diminuíam produzindo estranhas sensações."