Texto originalmente publicado no Jornal do Brasil de 20 de fevereiro de 1970, na seção O filme em questão, junto com críticas de Alex Viany, José Carlos Avellar, José Wolf, Sérgio Augusto e Valério Andrade. Feliz ou infelizmente, A Mulher de Todos é mais inteligente do que os críticos. Esse pecado ninguém perdoa. No entanto, é tão fácil fazer filmes mais inteligentes do que as opiniões da crítica. Compreendo perfeitamente que vocês não entendam. Ninguém precisa concordar comigo. Faz parte do jogo: eu proclamo o óbvio e poucos o percebem. Disso, sou o primeiro a saber, evidentemente. A culpa não é minha nem dos piedosos críticos sul-americanos, mas simplesmente dos preconceitos culturalistas que esta década se encarregará de destruir. Até lá, a burrice é gratuita. Meus próximos filmecos serão exatamente como A Mulher de Todos, nem piores nem melhores, atendendo ao consumo interno do subdesenvolvimento. Tentarei, daqui por diante, chupar cada fotograma da minha própria obra, porque agora não me interessa o pasticho: quero o auto pasticho. Continuo sendo o maior macaco de auditório da Rádio Nacional e da Mayrink Veiga. Jamais transmitirei idéias limpas, discursos eloqüentes ou imagens plásticas diante do lixo — apenas revelarei, através do som livre e do ritmo fúnebre, nossa condição de colonizados mal comportados. Dentro do lixo, é preciso ser radical. Daí o amor pelo cinema brasileiro tal como ele é: mal feito, pretensioso e sem pretensões e ilusões estéticas. Esmagad e explorado, o colonizado só pode inventar seu próprio sufocamento: o grito do protesto vem da mise en scène abortada. Ninguém pensa de forma limpa e estética de barriga vazia. Continuo realizando um cinema subdesenvolvido por condição e vocação, bárbaro e nosso, anticulturaltsta, buscando aquilo que o povo brasileiro espera de nós desde o tempo da chanchada: fazer do cinema brasileiro o pior cinema do mundo! Ah, como isso seria maravilhoso e sensato! Faz parte do jogo inglório: a critica brasileira repudia toda criação marginal (Júlio Bressane, Neville d’Almeida, um filme como Viagem ao Fim do Mundo, de Fernando Campos), promovendo as manifestações oficiais do cinema novo e do expressionismo caipira. Principalmente dessa velha escola preocupada em falsificar nossa realidade com academicismos medíocres e orçamentos astronômicos. Enfim, meus filmes são antes de tudo óbvias autocrítlcas que os intelectuais jamais poderão entender: meus filmes são seus próprios defeitos: meus filmes são aquilo que a produção não conseguiu: meus filmes são exata e concretamente aquilo que nunca poderei filmar porque, como todo o mundo sabe, o cinema brasileiro é o máximo porque é o impossível. ROGÉRIO SGANZERLA
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