Jogos e trapaças e Quando homens são homens, de Robert Altman

McCabe & Mrs, Miller, EUA,1971

Quando os Homens são Homens talvez seja o único entre os faroestes revisionistas do início da década de 70 a não deixar nada a dever aos filmes de um Anthony Mann ou Howard Hawks. Robert Altman vinha do sucesso de M.A.S.H. quando decidiu retornar ao gênero em que tinha trabalhado com freqüência na TV. Aqui a revisão é menos voltada para alguma figura histórica ou evento especifico (Pequeno Grande Homem ou Oeste Selvagem do próprio Altman), em vez disso o roteiro de Altman e Brian McKay se centra na descrição de uma pequena comunidade no oeste americano que se agita após a chegada de um jogador ambicioso (Warren Beatty) que monta um saloon e um puteiro no local.

Descrever o dia a dia de pequenos universos isolados sempre foi o ponto forte de Altman e.como o olhar que o filme propõe sobre a conquista do oeste consiste em mostrar de forma desglamourizada a vida na cidade de Presbitherian Church, Quando os Homens são Homens acaba dando bastante espaço para o cineasta trabalhar.Muito do que fica do filme são justamente pequenos momentos como a cena em que a mulher (Shelley Duvall) de um mineiro recém falecido e abordada para se tornar uma prostituta ou os as cenas entre Beatty e seu rival de negócios René Auberjonois.

O olhar de Altman como não poderia deixar de ser é bastante crítico mas o que se destaca é que aqui esta crítica é desprovida do tom maldoso que por vezes prejudica mesmo alguns de seus melhores filmes. No lugar dela entra um ar de melancolia e tristeza que permeia todo o filme (reforçada pela trilha de Leonard Cohen). McCabe é mais ambicioso do que inteligente, não para de se gabar de façanhas que o público sabe que ele não cometeu, mas nunca é reduzido a uma caricatura ou é tratado com o tipo de ironia condenscente que Altman costuma reservar para seus personagens. McCabe permanece como uma figura triste ao longo do filme, mas nunca digna de pena, que parece só encontrar alguma serenidade diante da morte eminente. Não surpreende que o encontro de McCabe com o advogado (William Devane), o único momento no filme em que Altman se aproxima de seu tom habitual, seja a cena mais fraca do filme.

O cineasta sempre se interessou na pesquisa de gênero e parece se divertir muito manipulando os clichês que tinha que obedecer quando trabalhava para a televisão. A trama de Quando os Homens são Homens é tão batida que quando McCabe surge pela primeira vez na tela, o público já prevê a ascensão e queda que se seguirão. Se o percurso é conhecido, os detalhes e as ênfases mudam. Personagens não fazem o que deles se espera (a senhora Miller segue cobrando para transar com McCabe, até mesmo depois de ele começar a ser pressionado pelos pistoleiros), o anti-herói se recusa a se redimir, o cenário segue desolado e coberto de neve, McCabe nunca deixa de ser apenas uma figura no meio do universo de personagens menores que seguem com seus próprios problemas.

O filme todo converge rumo ao final onde McCabe é perseguido por um grupo de pistoleiros enquanto o resto da população tenta salvar a igreja em chamas. Altman filma a perseguição em planos gerais ou médios enquanto as cenas da igreja predomina planos americanos e closes, o que acaba intensificando o isolamento de McCabe. Este é o único momento do filme em que McCabe age como um herói de faroeste (e o faz surpreendentemente melhor do que a esta altura se esperava dele), ele consegue pegar todos os perseguidores mas não sem antes ser baleado e deixado para morrer sozinho enquanto o resto da cidade comemora. Há um estranhamento muito grande nestas ultimas cenas um misto de tristeza e serenidade que intriga. Pode se dizer que é um dos finais mais positivos que Altman filmou. Quando os Homens são Homens não é tão famoso quanto M.A.S.H. ou Nashville mas não deixa nada a dever a estes ou qualquer outro dos filmes mais bem sucedidos do diretor.

Filipe Furtado