Não era a primeira vez que eu assistia a um filme de Brian De Palma no cinema (dois anos antes, na mesma sala, havia visto Missão: Impossível), nem foi necessariamente uma "sessão histórica", quero dizer, destas que costumamos narrar como experiências únicas nas nossas vidas... Mas foi a primeira vez, e na grande tela (mesmo que não necessariamente numa boa sala: os cinemas de Florianópolis são, sem exceção, deploráveis, não apenas em termos de instalação como também de projeção), que um filme realmente conseguiu ilustrar para este que vos escreve uma frase de Orson Welles sobre o cinema que durante muito tempo lhe intrigou: "A verdade através da mentira". Até aquela época - eu devia estar entre os 14 e 15 anos - os filmes de Brian De Palma não haviam me impressionado muito (com a notável exceção de Um Tiro na Noite, que ainda hoje considero a obra-prima do cineasta); eu não conseguia entender a razão por detrás de seus longos e lentos movimentos de câmera, e também não conseguia me envolver pelas reviravoltas nas narrativas de seus filmes ou pelas atribulações de seus personagens, a meu ver muito ingênuos ou muito preocupados com paranóias políticas ou dilemas éticos que não me pareciam de maior interesse (a adolescência geralmente se revela ou bastante cínica ou apenas cretina, e acho que a minha tendeu bastante à segunda alternativa). Mas a partir de Missão: Impossível, um filme que havia me impressionado bastante não apenas pelo caráter ambíguo de toda a sua segunda parte mas também por fugir do já mais que antiquado estereotipo dos filmes de espionagem (leia-se 007), passei a cogitar uma reavaliação não apenas dos talentos de sr. De Palma como encenador mas também de toda a sua obra, tentar observar algumas características ou temas recorrentes; enfim, tentar buscar uma amostra do talento exibido em Missão: Impossível nos seus filmes anteriores. Mas para que tal revisão acontecesse, foram necessários dois anos e a estréia de Olhos de Serpente. É realmente muito difícil explicar o efeito que o filme teve (e ainda tem) sobre mim, e quando tento pensá-lo não consigo escapar de algumas palavras perigosas como "revelação" ou "revolução". O que posso sinceramente dizer é que, pela primeira vez, um filme me fazia perceber que a imagem não detém qualquer coisa que possamos chamar simplesmente de verdade ou mentira; que o cinema trabalha justamente a linha tênue que existe entre as duas; e que é função do cineasta nos fazer questionar tudo aquilo que se põe como verdade ou tudo aquilo que a imagem transforma em verdade, pois sua área de trabalho não se limita às velhas noções de realidade ou ficção mas sim de artifícios e representações, de uma ruiva provocante que acaba se revelando uma agente do governo (e por sinal loira, não ruiva), de uma femme fatale loira que descobriremos ser uma programadora de computadores (e por sinal morena, não loira), de um policial corrupto que será transformado em herói nacional e de um herói nacional que descobriremos ser um oficial corrupto... De Palma subverte e desmonta, perverte e remonta toda e qualquer imagem que o espectador possa transformar num "apoio": jamais sabemos se o que vimos há pouco ou o que estamos vendo agora não passa de um grande engodo, de uma grande "ilusão" que não apenas oculta mas que também, a seu modo, revela muito do que parece ser o ideário cinematográfico de De Palma: a busca incessante por essa imagem ambígua que não corresponde nem a uma idéia de falso e muito menos a uma idéia de real, e que é no entanto o suporte deste confuso credo de De Palma em tudo aquilo que é cinema. Lembro-me que saí da projeção (e se bem me lembro era a terceira sala dos cinemas do Beiramar Shopping) desgastado, atordoado, não muito bem sabendo o que fazer com o filme. Revi-o várias vezes após esta minha "primeira vez", e a cada vez que o revejo percebo mais coisas acerca desta confusa sensação de depender da imagem mesmo quando ela parece estar lhe enganando... O amigo leitor já deve estar se perguntando, "mas qual o desenlace disso tudo"? Eu diria que talvez a descoberta da condição de cinéfilo. Bruno Andrade
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