Cinema?
É a maior sacanagem
sobre pornografia
e a obra de Nilo Machado


Lua de Mel,
Sem Começo... Sem Fim
de Nilo Machado (1975)
Já vi Ivan
Cardoso falando que o espectador preferido dele é o que entra no
cinema pra se masturbar durante o filme. Parece provocação,
mas a "função onanista" da "sétima arte" foi pouco
estudada por nossos especialistas.
Quando eu tava no
colégio, a molecada delirava com as pornochanchadas que passavam
na "Sala Especial". Mistura de "Sexta Sexy" com "Cinema Brasil", era o
que havia de mais avançado em matéria de sacanagem na TV
– no início dos anos 80 – e só perdia pras transmissões
de baile de carnaval.
Hoje o strip-tease
rola na madrugada direto e faz uma dobradinha satânica com o diabólico
tele-sexo. O tempo e o Sílvio Santos trocaram o "Domingo no Parque"
pelo programa da Carla Perez e não importa se é "Malhação",
novela, minissérie ou "reality-show", tudo é pornochanchada.
Na vanguarda do sexo, Tiazinha e Feiticeira tomam banho juntas no chuveiro
da "Casa dos Artistas" e a VJ Tati, da MTV, ensina suas "táticas"
de paquera na praia.
Mas essas conquistas
são recentes. Nos anos 50, por exemplo, a chanchada era massacrada
pelos críticos, que chamavam de pornografia, os trocadilhos e duplos
sentidos que fizeram do gênero um clássico. Um título
malicioso, tipo Pra Lá de Boa ou Tira a Mão Daí,
era tudo que um sujeito recalcado, metido a defensor da moral, dos bons
costumes e da "sétima arte", odiava ver escrito no letreiro do
cinema. Já o público não reclamava e prestigiava
a "fita", respondendo rápido ao apelo dos "baixos instintos".
Poderoso-chefão
do entretenimento no Rio de Janeiro do final do século XIX e primeiro
grande empresário do ramo de exibição de filmes no
Brasil, o italiano Paschoal Segreto também trouxe pra cá
o filme de sacanagem. Metido com a contravenção até
o pescoço, Segreto puxava o saco dos politicos e do chefe de polícia
da época chamando o alto escalão do Distrito Federal pras
sessões de filmes "alegres" – primeira denominação
do filme erótico entre nós – que organizava só pra
convidados. Isso começou em 1898. Em 1907, Paschoal inaugurou o
Cinema Alegre, na Praça Tiradentes. Na tela, só filmes de
sacanagem. Na platéia, só cavalheiros. Era a "lei". Cinemas
desse tipo funcionaram no Rio até o final da década de 10,
quando a igreja decidiu acabar com a brincadeira.
Aí os filmes
de sacanagem foram pra clandestinidade. Fica difícil identificar
realizadores e até mesmo dizer a nacionalidade de um filme muito
antigo que tenha sobrevivido. Ouvi dizer que até o Alexandre Wulfes
– que dirigiu documentários pra igreja católica – fez filmes
de sexo explícito durante os anos 40 ou 50.
O erotismo se reinfiltrou
no cinema brasileiro comercial pelo melodrama. A história da mocinha
ingênua do interior que vira vagabunda na cidade grande era uma
das favoritas do tempo da manivela. Só não valia apelar.
Depois que o "filme alegre" foi banido, a censura não deu mais
mole. Durante muitas décadas não houve espaço pra
sacanagem no filme brasileiro. (Mas nem por isso o cinema brasileiro deixou
de ser uma sacanagem com o público)
O nu nos filmes era
rápido, ocasional e incompleto. A moda do naturismo, que começou
nos anos 30, despejou no mercado revistas que exploravam o nudismo com
a desculpa de promover a saúde e a higiene. O incrível dessas
revistas era que as xerecas ficavam "camufladas", retocadas por uma tinta
cor da pele! Depois, finalmente, chegaram as revistinhas suecas, na linha
hardcore. Não podiam ser vendidas legalmente, mas qualquer garoto
podia comprar uma no jornaleiro mais próximo. No fim dos anos 50,
teve início a grande era dos quadrinhos de sexo explícito
desenhados por Carlos Zéfiro e seus imitadores/seguidores. Essas
revistinhas de sacanagem, que sobrevivem até hoje, foram uma revolução
sexual e cultural. Não é à toa que elas se popularizaram
com o nome de "Catecismo".
O Cineac-Trianon,
inaugurado no final dos anos 30, era um cinema que ficava no Centro e
que trouxe pra cidade um conceito de programação do caralho.
Não passava longa-metragem. As sessões eram contínuas
e misturavam cinejornais, documentários, trailers e desenhos animados.
"Cinema-passatempo", como era chamado. Diversão e informação
barata e rápida, sem hora pra começar ou acabar. O Cineac
fez sucesso durante a Segunda Guerra, alimentando o público com
notícias dos dois lados do "front", quando o brasileiro ainda nem
sonhava que ia ver – em tempo real, pela TV – terroristas muçulmanos
jogando um avião contra o maior arranha-céu de Nova York.
Nem precisou ir tão longe. Bastou acabar a Guerra pra frequência
do Cineac despencar como o WTC. Foi o grande Osíris Parcifal de
Figueroa que reanimou a sala, exibindo filmes picantes, de produtores
picaretas que exploravam o corpo feminino de todas as formas permitidas
por lei. O filme "Europa à Noite", exibido em 59, serviu pra desencadear
a onda do strip-tease entre os brasileiros.
Enxertar strip-tease
em filme virou mania. Era uma boa forma de fisgar o espectador. Primeiro,
os filmes – valia até do Bergman – recebiam strips remanejados
de outros filmes estrangeiros. Depois o pessoal viu que era mais fácil
produzir os strip-teases aqui mesmo. Não demorou tinha filme brasileiro
com strip-tease. Quem inaugurou o recurso no cinema nacional foi
a chanchada Comendo de Colher (1959), no número musical
de Luz del Fuego. A dançarina Luz era famosa por defender o naturismo.
Tinha uma ilha de nudismo particular e se apresentava nua, com uma cobra
enrolada no corpo. Uma vez, tirou a roupa em plena praia de Copacabana
e subiu num carrinho de sorvete. O documentário Nativa Solitária
mostra Del Fuego em sua ilha, nos anos 50.
A certeza do dinheiro
fácil trouxe pro strip-tease certos elementos que eram vistos como
a escória da classe cinematográfica – foi isso que excluiu
essa gente da história oficial do cinema brasileiro. Esse era o
caso do diretor de Comendo de Colher, o carioca Al Ghiu. O Al era
de Alcebíades. Ghiu vendeu pra Nilo Machado, distribuidor independente
em ascensão no final dos anos 50, uma tentativa de filme de ficção
que o documentarista Jurandyr Noronha não levou a diante. Se chamaria
Almas em Tumulto. Nilo era um nordestino grosso e ignorante, mas
sabia ganhar dinheiro com cinema. Começou como lanterninha e bilheteiro
e já era dono de sua própria empresa, a Rio Mar. Uma pequena
distribuidora que programava o mesmo tipo de filme vagabundo que passava
no Cineac num circuito de poeiras do suburbio – a base do sucesso de Nilo
por quase três décadas. Nilo remendou o filme de Jurandyr
com strip-teases e lançou como se fosse seu, com o título
de Terra da Perdição. Fez a mesma coisa com o filme
de um grego, também inacabado, lançando com o nome de Terra
dos Amores.
Terminar produções
problemáticas enxertando strip-teases virou uma alternativa lucrativa
ao fracasso e a vergonha de um filme inacabado. Vidas Nuas, estréia
de Ody Fraga na direção, foi comprado por A. P. Galante
e Alfredo Palácios incompleto e concluído assim. Lançado
5 anos depois de iniciadas as primeiras filmagens, o filme levou um milhão
e meio de tarados ao cinema no ano de 1967. Mesmo com os upgrades
em matéria de nudismo da concorrência – até o Cinema
Novo investiu no nu frontal – o strip-tease aguentou firme toda a década
de 60. O espectador pagava o ingresso certo de que a mulherada ia tirar
a roupa – com a ajuda dos enxertos – do primeiro ao ultimo rolo. O gênero
acabou junto com Cineac, em 73.
Participei algumas
vezes, junto com Hernani Heffner, do tradicional almoço de sábado
que Nilo Machado oferecia em seu estúdio de Ricardo de Albuquerque,
reunindo amigos, colaboradores e todo o tipo de gente querendo trabalhar
em cinema. Chegamos lá em 1993, poucos anos antes dele falecer.
Nilo não fazia mais nada há muito tempo, mas os amigos não
deixavam de visitar. Nós eramos fãs. E ele fazia questão
de revelar todos os trambiques, picaretagens e falcatruas do mundo do
cinema que havia presenciado – e/ou participado – pra gente. Sabia que
essa era a verdadeira história do cinema brasileiro. Tinha certo
orgulho de tudo isso e achava que o cinema era mesmo a arte de enganar
os outros.
Nilo Machado tinha
feito a transição para o filme de sexo explícito
sem problemas. Achava legal. Mas ainda gostava de dizer que era o "Rei
do Strip-tease". Não tinha pretensão artística nenhuma,
pra ele o negócio era arrancar um dinheiro de quem passasse na
porta do cinema e tivesse disposição de ver seu filme. Quando
perguntei porque tinha começado a fazer os próprios filmes,
foi direto. Filmar os strip-teases era moleza, fazer o filme todo não
podia ser difícil. Nilo reivindicava o título de precursor
da técnica do enxerto de strip-tease no Brasil. Em 1957 teria "batizado"
com planos alienígenas de mulheres se despindo uma fita "família"
com Brigitte Bardot e feito dinheiro. Já era um craque na arte
da aplicação de strip-teases em filmes alheios quando dirigiu
seu primeiro filme de verdade, uma fita de matinê, no estilo dos
seriados de aventura na selva.
Tuxauá,
o Maldito surpreende pela maneira, porca e original, como Nilo incorpora
pedaços de outros filmes ao próprio material. No começo
de Tuxauá aparecem imagens de cinejornal e manchetes sobre
os desabamentos no bairro de Santa Tereza, durante as enchentes de 1966,
no Rio de Janeiro. Depois vemos uma jornalista subir a favela pra fazer
uma matéria sobre a tragédia. Ao entrar num barraco semi-destruido,
vê um preto velho debaixo dos escombros, com uma estranha estátua
na mão. Ele explica pra repórter que o motivo de tanta desgraça
é a maldição do ídolo africano, arrancado
da tribo dos Tuxauá. A jornalista desce o morro determinada a devolver
o ídolo a tribo, acabar com a maldição de Tuxauá
e escrever a melhor matéria da sua vida. O resto do filme é
a expedição da moça na África. Um grupo com
roupas de safari pra lá e pra cá num matagal de Jacarepaguá
e planos de animais selvagens, roubados de algum filme estrangeiro, intercalados
com closes dos atores fazendo careta ou falando "olha lá!". O filme
é dedicado ao cão-ator Príncipe, vira-lata da filha
do diretor, atropelado durante as filmagens.. Não foi mal de bilheteria,
apesar dos comentários da crítica, perplexa diante de tanta
cara de pau.
Os dois filmes que
Nilo dirigiu a seguir renderam relativa fama e fortuna ao diretor e fizeram
dele uma referência – não exatamente positiva – do cinema
brasileiro erótico.
A Psicose do Laurindo
(1967) é conhecer Paris e se esbaldar na terra do strip-tease.
Nilo juntou o melhor do acervo da Rio-Mar e fez essa chanchada surreal
sobre um bancário que enlouquece da noite pro dia com a idéia
fixa de conhecer Paris. Laurindo passa o filme todo delirando com as mulheres
nuas que vai ver quando estiver na capital francesa. A sequência
final é maravilhosa, com os strp-teases sobrepostos a imagem de
Laurindo se retorcendo na cama durante um sonho/pesadelo. Agitado, Laurindo
acorda. Enfia o pé no pinico que está no pé da cama
e toma um banho de mijo.
Os primeiros comentários
que ouvi sobre Aconteceu no Maracanã faziam crer que o filme
era uma comédia. Depois que eu entendi que se tratava de um drama.
O filme chamou atenção porque misturava os strip-teases
com imagens da Copa de 50, que sabe lá Deus como Nilo arrumou.
Essas cenas se tornaram raras, e o cineasta passou o resto da vida recopiando
e vendendo o que não era seu. Fez isso até destruir o "original".
Nilo ainda conseguiu
emplacar vários filmes nos anos 70. A maioria pornodramas hiper-moralistas.
Playboy Maldito é o meu preferido e conta a história
de um rapaz do interior, de família rica, que vem pro Rio de Janeiro
dizendo que vai estudar. Mas não é isso que ele faz quando
chega em Copacanaba. Nilo disse que o filme era baseado em fatos reais
– a "maldição do samba" – e que havia encontrado o "playboy
maldito" em um botequim do "Beco da Fome", a "Boca do Lixo" carioca.
Mas apesar de toda
essa sacanagem, diferente do que acontece na pornochanchada padrão,
no cinema de Nilo Machado o sexo condena. Nilo avacalha o brasileiro típico
que faz do bar e da boate a "segunda" casa. Os personagens se fodem o
tempo todo e, com frequência, o nu não passa de uma miragem.
O cineasta se vinga da humanidade escrota e ainda faz dinheiro mostrando
pro público o que ele tem de pior. Tipo o "teste de fidelidade",
do João Kleber
Remier Lion
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