Fuga de Los Angeles, de John Carpenter

Escape from LA, EUA, 1996


Fuga de Los Angeles é, talvez, o filme mais exagerado da obra de John Carpenter; com certeza é aquele em que o diretor ataca de maneira mais contundente seu alvo preferido: a sociedade americana. O filme abre com um pseudo-documentário que dá conta do que se passou desde Fuga de Nova Iorque (Escape from New York, 1981), ou seja, do que houve entre 1997 e 2013. E o que aconteceu é algo espetacular: um político tem, em 1998, uma visão: Los Angeles estaria dentro em pouco se separando do resto do continente em decorrência de um terremoto – justamente Los Angeles, a terra da extravagância e de Hollywood – em uma demonstração divina de justiça para com os pecadores que não conheciam limites. O fato é que, dali a dois anos, em 2000, acontece o tal terremoto e a cidade é realmente como que desligada do continente, passando a ser uma ilha. A conseqüência disso é que o tal político, um conservador radical, é eleito presidente vitalício dos Estados Unidos, passando o país então a viver sob o domínio de um tipo de politicamente correto cristão levado a suas últimas conseqüências: é proibido beber, fumar, fazer sexo antes do casamento, ser ateu etc., sob pena da perda da cidadania e da extradição para Los Angeles, agora uma ilha-prisão. Acontece que as coisas começam a sair um pouco dos eixos quando a filha do presidente se apaixona pelo líder terrorista inimigo número 1 da América, um sujeito chamado Cuervo Jones, que vive em L.A., e foge para lá levando para seu querido um dispositivo capaz de ativar pulsos eletromagnéticos, o que simplesmente desligaria toda a aparelhagem elétrica/eletrônica do lugar para onde fosse apontada a descarga, sem possibilidade de retorno. Ou seja, uma arma capaz de deixar todo um país sem absolutamente nenhuma tecnologia; é preciso, portanto, deter o malfeitor. Os EUA, já sofrendo ataques de países do terceiro mundo nas suas fronteiras, não podem permitir que um oponente seu tenha uma arma assim tão poderosa. E é aí que entra Snake Plissken (Kurt Russell), a personagem outsider epítome do cinema de Carpenter. Snake é avesso a quaisquer ordens que se lhe dê, mas de uma eficiência brilhante. Ele é então "recrutado" pelo governo para a missão, isto é, é preso, enquadrado em algum crime moral contra o Estado e inoculado com um vírus que o matará em 8 horas. Tem, portanto, esse período de tempo para completar a tarefa que lhe é dada e voltar à fronteira da ilha, onde receberá o antídoto que o salvará da morte. Ele parte, e a sua motivação é a preservação de sua própria vida, a regra de conduta que irá pautar a sua ação a partir daí é exatamente essa: que se faça de tudo, mas não se morra.

O plot de Fuga de Los Angeles, é, como se percebe, idêntico ao de Fuga de Nova Iorque; e como no primeiro, a série de aventuras vividas por Snake Plissken, talvez mais neste do que naquele, serve para Carpenter destilar todo o seu veneno; Los Angeles é de fato a sociedade dos excluídos, mas acontece que esses que agora são excluídos representam justamente aqueles que levaram o sonho americano ao seu limite: é necessário que se tenha sempre em mente de que agora se trata da cidade do entretenimento, de Hollywood. É lá que se abrigam aqueles cujas cirurgias plásticas, feitas em demasia, acabaram por torná-los deformidades, é o lugar para onde uma mocinha cheia de sonhos – a filha do presidente – vai apenas para se desiludir, já que seu namorado terrorista tem sonhos de megalomania e assassínio talvez tão fortes quanto seu pai. Snake passa por todo tipo de gente, e é como se toda a sociedade americana vivesse baseada em uma enorme vontade de liberdade: de um lado, os extravagantes de L.A. e a sua interpretação de liberdade como ausência de regras e submissão aos desejos e, por outro, seu extremo oposto, os habitantes da terra firme, para quem a noção de ser livre reside em uma regulação total daquilo que se faz. A munição de Carpenter não poupa ninguém, e pode ser que tenha sido esse mesmo o motivo da falta de recursos de Fuga de Los Angeles: produzido por Kurt Russel e Debra Hill, o filme conta com efeitos especiais um tanto toscos, mas que não comprometem em nada a sua qualidade, sendo inclusive possível que se pense essa precariedade como positiva, já que a indústria do sonho, Hollywood, capaz de produzir filmes cujas imagens parecem mais reais que a própria realidade, está ali também em jogo.

Emblemático e lapidar é o final de Fuga...: Snake Plissken, após ter resgatado a filha do presidente e trazido o dispositivo de volta, não o entrega simplesmente às autoridades, já que essas quebram o acordo que haviam feito. Aos berros do chefe da segurança, que lhe implora a devolução do item, alegando que ele não deveria – o poder estava em suas mãos – apertar o código que simplesmente desativaria o mundo inteiro, fazendo com que todos retornassem à estaca zero da civilização; aos gritos do sujeito que dizia: "Você não pode fazer isso. Teríamos que começar tudo de novo.", Snake digita o código. O mundo é então desligado e toda a tecnologia, destruída. O anti-herói então se abaixa, na total escuridão, e encontra um maço de cigarros que se chama American Spirit; acende um deles e mal tem tempo para dizer, enquanto a tela escurece: "Bem-vindos à raça humana".

Para Carpenter, teríamos todos que recomeçar.

Juliana Fausto