A Cidade dos amaldiçoados, de John Carpenter

Village of the damned, EUA, 1995


John Carpenter é um diretor que volta e meia dirige remakes, imprimindo sua visão e estilo pessoais, sempre criando fitas com identidades diversas de seus originais. Foi assim com O enigma de outro mundo e Memórias de um homem invisível. A cidade dos amaldiçoados, de 1995, é a refilmagem de A aldeia dos amaldiçoados, uma produção inglesa de 1960, dirigida por um certo Wolf Rilla, e que tinha por base o romance The Midwich cuckoos de John Wyndhan. Não se trata de um projeto pessoal de Carpenter, que trabalhou sobre um roteiro já pronto.

Mesmo assim, a história de uma cidade isolada nos EUA onde, após um inexplicável incidente, todas as mulheres em idade fértil aparecem grávidas gerando crianças dotadas de extrema inteligência e poderes sobrenaturais caiu como uma luva para o estilo do diretor. Apesar de ser a refilmagem mais fiel dirigida por John Carpenter, o filme consegue superar o original, preso a alguns clichês característicos de produções do período da guerra fria.

É lógico que alguns signos óbvios, como as crianças louras e de olhos claros, e imbuidas a qualquer custo na preservação de sua espécie superior, não disfarçam a metáfora de uma supremacia racial e do nazismo. Porém o filme manifesta uma visão muito mais sombria, uma vez que a figura do governo, representada pela personagem de Kirstie Alley, parece ser tão nefasta e ameaçadora quanto a das crianças. Também uma boa parte dos moradores da cidade demonstra uma natureza igualmente violenta.

Vale a pena lembrar que A cidade dos amaldiçoados é uma produção de meados da década de 90, quando os filmes de ficção científica estavam mais voltados em mostrar a destruição da terra por tragédias de dimensões monumentais. O mais emblemático destes, Independence day, mostra alienígenas perversos destruindo o planeta por explosões gigantescas e um retrato heróico do governo (é o presidente americano que salva o mundo). Entretanto, o filme de Carpenter retrata uma possível aniquilação da raça humana de maneira infinitamente mais assustadora, por que esta pode partir de nós mesmos, sem explosões, correrias, heroísmo e ufanismo.

Consideramos o cinema discreto e com poucos recursos técnicos executado por Carpenter em A cidade mais amaldiçoados, herdeiro dos filmes B em preto e branco, mais adequado ao gênero, por cativar o espectador através da construção de climas, sem distraí-lo por uma utilização espetaculosa dos efeitos visuais. Filmes de suspense e terror terão sempre o seu lugar, uma vez que os medos e paranóias da platéia serão sempre os mesmos. Entretanto, diretores talentosos como John Carpenter, que conseguem explorar estes medos e paranóias de forma inteligente, são cada vez mais raros.

Gilberto Silva Jr.