Filmes
brasileiros considerados perdidos ou prestes a sê-lo
A filmografia brasileira tem milhares de
títulos considerados desaparecidos desde 1898, ano zero da produção
cinematográfica no país. Não se tem esperança
de encontrar qualquer material para a maior parte deles. Mesmo assim,
vez por outra, acontece a rara e agradável surpresa do aparecimento
de fragmentos ou até o conjunto completo de obras há muito
tidas como definitivamente perdidas. As mais lamentadas ausências
giram quase sempre em torno de obras ficcionais tidas como importantes
histórica ou esteticamente. Dessa forma integram tais listas títulos
como Paz e Amor (1910), de José do Patrocínio Filho,
Barro Humano (1929), de Adhemar Gonzaga, Favela do Meus Amores
(1936), de Humberto Mauro, Moleque Tião (1943), de José
Carlos Burle, Destino em Apuros (1953), de, Cruz na Praça
(1959), de Glauber Rocha, e Surucucu Catiripapo (1973), de Neville
D’Almeida. Mas o conhecimento do passado cinematográfico brasileiro
tem que avançar para além dos marcos e penetrar no terreno
não desbravado da produção corrente perdida. A história
do cinema pode ser trabalhada indiretamente, sem a presença do
material fílmico, se houver interesse suficiente pelo que era a
regra e não a exceção em determinada época.
Assim, ressaltando que qualquer fotograma relativo ao período 1898-1909
será imensamente bem vindo, pois nada restou dessa época,
podemos também nos concentrar na busca de filmes como:
O Kaiser (1917), de Seth – primeiro
ensaio de animação mais longo feito no país; satirizava
o mandatário alemão e perfilava junto aos nacionalistas
brasileuiros que pregavam o alistamento militar obrigatório.
A Esposa do Solteiro (1926), de Carlo
Campogalliani – uma das primeira co-produções internacionais
do cinema brasileiro e provavelmente o primeiro filme espetáculo
feito no país, com a seqüência final se desenrolando
no bondinho do Pão-de-Açúcar sem a ajuda de dublês.
A Sinfonia de Cataguases (1929), de
Humberto Mauro – institucional feito para a Cia. Força e Luz de
Cataguases e inspirado, segundo depoimento do diretor, no Berlim, Sinfonia
de uma Metrópole, de Walter Rutmann.
Fazendo Fita (1935), de Vittorio Capellaro
– sátira ao modo de produção cinematográfico
brasileiro conhecido como cavação, com sua escassez de recursos,
pequenos golpes e bom humor.
Sambruk (1945), ? – primeiro western
brasileiro de fato e obra inaugural do trash brasileiro, o filme
permaneceu inacabado.
24 anos de luta (1946), de Ruy Santos – famoso
documentário sobre a história do Partido Comunista Brasileiro,
utilizado também com um instrumento na campanha de Luís
Carlos Prestes ao Congresso Constituinte
Não é Nada Disso (1950),
coletânea – primeira antologia cinematográfica brasileira,
reunia cenas de arquivo da produção chanchadesca da Atlântida
de 1943 a 1949.
Marimbas (1962), de Wladmir Herzog
– famoso curta metragem realizado no curso ministrado pelo cineasta sueco
Arne Sucksdorff à primeira geração cinemanovista.
Garota de Ipanema (1967), de Leon
Hirzsman – mítico ensaio cinematográfico anti desbunde,
cujos negativos teriam seido remetidos para os Estados Unidos e retidos
lá por falta de pagamento de armazenagem; paradeiro atual desconhecido.
Uma outra lista pode ainda ser feita para
que não ingressemos nesse campo nebuloso da dúvida que atormenta
– será que existe ainda alguma coisa? -, a dos títulos em
vias de desaparecimento. São obras cujos materiais chegaram ao
limite da deterioração e correm risco de não suportarem
sequer uma duplicação. Nesta situação estão
obras como:
As Aventuras de Lulu (1943), de Anélio
Latini – primeira animação moderna feita no país.
Loucos por Música (1945), de
Adhemar Gonzaga – comédia de ocasião com universo musical
diverso do carnaval
Um Pinguinho de Gente (1947), de Gilda
Abreu – o filme mais caro já feito no Brasil em valores corrigidos
Terra Violenta (1948), de Eddie Bernoudy
– primeira adaptação de Jorge Amado para o cinema, com resultados
parecidos aos de um bom bangue-bangue.
Leonora dos Sete Mares (1956), de
Carlos Hugo Christensen – uma das primeiras incursões pela cor
de Christensen e um de seus filmes mais elogiados
O Desafio (1965), de Paulo Cesar Saraceni
– obra inaugural do Cinema Novo em sua reflexão sobre o golpe de
1964
Menino de Engenho (1965), de Walter
Lima Júnior – incursão pela obra de José Lins do
Rego unindo comunicabilidade, cinema clássico e reflexão
política
Paralelos Trágicos (1966),
de Abud Lahdo – filmado no Mato Grosso em chave completamente independente,
representa a primeira incursão da comunidade árabe brasileira
pelo cinema.
Carnaval na Lama (1970), Rogério
Sganzerla – título da mítica Belair, cuja única matriz
em bom estado foi levada para a França no início da década
de 90.
Manôushe (1990), de Luís
Carlos Begazzo – melodrama passado na comunidade cigana, teve seus originais
e cópias levados pelo diretor para os Estados Unidos. (Hernani
Heffner)
* * *
Dois acréscimos:
A Sombra da Outra, de Watson Macedo.
Quando se fala o nome de Watson Macedo, nosso automatismo cultural remete
especificamente para um gênero, a chanchada, ou para um filme, Aviso
aos Navegantes (1950), um dos últimos que fez na Atlántida. Só que
Watson Macedo fez 21 filmes, e passou por três dos estúdios mais importantes
do cinema brasileiro (Atlântida, Cinedistri e Brasil Vita), até criar
sua própria companhia de produção. Fez carreira na comédia musical (não
necessariamente carnavalesca, caso de Rio, Verão e Amor), mas seu
filme mais querido, aquele pelo qual Macedo tinha mais carinho, é A
Sombra da Outra, um drama sobre dupla personalidade. Hoje, de A
Sombra da Outra só existem alguns poucos artigos escritos, à época
de sua exibição comercial, e negativos encolhidos em estado periclitante,
necessitando urgentemente de recuperação. A outra opção é a (rápida) deterioração
e a conseqüente morte. O encolhimento encarece a restauração, exigindo
um trabalho fotograma por fotograma. Mas é ou isso ou nada.
Nilo Machado. Pergunte como você pode assistir
a qualquer coisa de Nilo Machado. Se você não ouvir um "Quem?" (porque
são raros os que sabem inclusive que ele existe), você ouvirá um "Não
há como." Ou então, com muita sorte e perguntando às pessoas certas,
conseguirão para você uma rara fita com alguns de seus trêileres.
E os filmes? Bom, os filmes só têm o que se chama de cópia de preservação.
Ou seja: como cada passagem de fotograma por um projetor danifica o material
fílmico e como só há um exemplar existente para cada filme (cópia ou negativo),
a obra de Nilo Machado permanece invisível à espera de que alguém financie
uma recuperação. Realizador sui generis no cinema brasileiro, Machado
tem uma importância vital por sua posição diferenciada no panorama de
nosso cinema: suburbano, fazia filmes para serem explorados em circuitos
de cinema de bairro e nas periferias das grandes cidades. Entre seus títulos,
os mitológicos A Psicose do Laurindo, Playboy Maldito e
Tuxaua, esse último passado na África, com trechos picotados de
outro filme e enxertados no seu. Fez mais de 20 filmes, entre policiais,
comédias eróticas (soft porn) e por fim fitas pornográficas. Dos
poucos que restaram, nenhum pode ser visto hoje e, sem um trabalho rápido,
em breve não haverá mais nada para restaurar. E nenhum registro para contar
história. (Ruy Gardnier)
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