Vou para Casa,
de Manoel de Oliveira


Vou para casa, Portugal/França, 2001

Que risco corre o pobre crítico ao tentar dar conta deste filme de Manoel de Oliveira no afã da urgência do dia a dia de uma Mostra de Cinema, precisando cobrir uma enormidade de exibições, uma quantidade de filmes e tendências, de acontecimentos? Quais são as chances de ser parcial, de não fazer jus ao que se viu, de não se poder ir a fundo no que o filme nos apresenta? Totais. É, realmente, um fato dado previamente: não se pode dar conta de um filme como este, talvez não se possa nunca. O cinema supera a crítica, ainda bem.

Porém, o que há de mais interessante neste filme é que justamente o que desconcerta nele é a simplicidade. Pois o que fascina não é uma amálgama de citações, de referências, de objetivos, de utilização deslumbrante da técnica, ou desconcertante da narrativa e sua estrutura. Pelo contrário, o que maravilha neste novo trabalho do mais jovem diretor de 93 anos da história do cinema é o abraço carinhoso ao que há de mais básico no cinema: uma história, um personagem, um ator. Pronto. Aí está a magia que só os grandes possuem, de nos reensinar a olhar ao mesmo que sempre vemos, mas de vê-lo de outro jeito.

Claro que dizer isso é dizer pouco. É não citar a genialidade no uso do som fora de quadro, no jogo dos olhares que ultrapassam os limites do filmado. É não falar dos enquadramentos que sempre fogem ao esperado, que flagram um monólogo pela nuca do ator, que nos deixam minutos a fio a observar um sapato, talvez o sapato mais dramático da História do cinema. É não falar do trabalho de atores como John Malkovich, Leonor Silveira, mas acima de todos, Michel Piccoli (num filme que é todo dele). É não falar do fascínio de Oliveira pelo teatro, que transparece aqui numa utilização dramática perfeita do texto teatral em uníssono com o cinema. E é preciso que se fale disso tudo, disso e muito mais.

Mas, se fôssemos aprender com o mestre a lição de contenção, de nos atermos ao que é essencial, falaríamos somente da construção sutilíssima de um universo em desencontro. De um retrato da perda de controle da vida, do dia a dia. Da tentativa de simular que tudo vai bem, quando é óbvio que a vida saiu dos eixos. Do estado de teatro da vida nossa de cada dia, e dos limites que esta e qualquer outra atuação possui, de quando fingir e ser um outro não mais dá conta da realidade. De como só os olhos infantis conseguem ler isso com a clareza que nós não mais possuímos.

Pois é isso, principalmente, que faz Vou para Casa a enormidade de filme que é. De tratar do que é mais humano pela via da recriação. De nos mostrar como um balé de câmera e atores entrando e saindo de um café parisiense pode ser um retrato sublime da vida e sua maravilhosa capacidade de nos escapar ao controle. Simples e profundo, como só os mais sábios podem ser. Revitalizando o cinema com o que ele possui de mais antigo, o mestre das contradições, o garoto de 93 anos, desafia mais uma vez os críticos a eles também reconhecerem seus limites, e irem para casa.

Eduardo Valente