O
Voto É Secreto,
de Babak Payami
Raye Makhfi, Irã/Itália/Canadá/Suíça,
2001
Basta olharmos para a linha que identifica
a nacionalidade deste projeto para começarmos a entender de onde
vêm seus maiores problemas. Uma co-produção multinacional,
o filme de Payami em inúmeros momentos não nos deixa esquecer
que trata-se de um filme sob o signo do que seja este recente cinema iraniano
que conquistou o mundo, mas do qual fica uma impressão de um produto
for export. Ou seja, dá para se perceber nele todos os mais
comuns elementos deste cinema, mas com um sabor de exotismo, de tentar
agradar previamente estes investidores. Uma outra forma de entender os
problemas do filme seria a partir da informação dele surgir
de "uma idéia de Mohsen Makhmalbaf". É fato notório
que Makhmalbaf é um dos três diretores iranianos mais reconhecidos
no exterior (junto com Kiarostami, e talvez num nível um pouco
menor mas não muito, Jafar Panahi), e também é fato
que sua "benção" tem conseguido lançar vários
de seus ex-assistentes de direção e roteiristas como diretores,
além da sua filha, Samira. A parte italiana desta co-produção,
inclusive, vem da Fabrica, capitaneada por Marco Muller, e responsável
pelos filmes de Samira. Assim, não é difícil de imaginar
que esta assinatura de Makhmalbaf tenha sido crucial na aprovação
do projeto. No entanto, se Makhmalbaf é um diretor menos regular
que um Kiarostami, seu talento é inegável. E neste filme
aqui, falta ao diretor conseguir pegar esta idéia (em si ótima),
e filmá-la a contendo.
E qual é esta idéia? Uma urna
eleitoral cai do céu (literalmente) em pleno litoral pouco habitado
do Irã. Logo chega de barco uma agente eleitoral, que pede ao soldado
que guarda o local que a acompanhe naquele dia enquanto ela tenta coletar
votos naquela paisagem inóspita (tanto geográfica quanto
humanamente). As primeiras imagens, quase absurdas, da urna caindo de
pára-quedas para os soldados isolados, já contém
em si aquilo que o filme vai tentar provar: quão absurdo parece
o tradicional "processo democrático" em um local daqueles. Uma
idéia riquíssima, sem dúvida.
Seu principal defeito na realização,
porém, é que uma vez que a aceitamos (e já nestas
primeiras imagens conseguimos fazê-lo), o diretor apenas se repetirá
num crescendo absurdo, sobre o mesmo tema. Isso por si só não
é defeito absoluto, filmes em torno da mesma nota eventualmente
resultam interessantes. No entanto, o principal problema acaba sendo a
falta de segurança demonstrada em cada uma das sequências
(trata-se do segundo longa do diretor, é verdade), porque todas
elas duram mais do que devem. O espectador já conseguiu retirar
a "mensagem" (na falta de termo melhor) de cada uma delas, mas o diretor
insiste ao ponto de colocar suas idéias e discussões em
palavras na boca dos mais inesperados personagens. Ao invés da
sutileza de assumir na própria incomunicabilidade um valor, ele
faz questão das palavras. Como dito acima, parece "cinema iraniano
para iniciantes", ou seja, se você ainda não entendeu, eu
vou explicar...
Isto não impede que o filme tenha uma série de qualidades,
talvez a maior dela seja que ao final o espectador não consegue
decidir se ele mesmo, ou o diretor, acreditam mais no absurdo da situação
eleitoral naqueles rincões, ou na necessidade de que se insista
como a agente faz, para que com o tempo aquela estrutura se não
de todo mude (impossível, mr. Bush), pelo menos se adapte a novos
tempos. Mas, não é só isso de bom que existe no filme.
Ele consegue retomar um dos mais caros temas de Kiarostami, com grande
sensibilidade: a presença da estrada como símbolo para o
conhecimento, a odisséia, a aproximação. Basta lembrar
principalmente de Gosto da Cereja, mas porque não de O
Vento nos Levará ou A Vida e Nada Mais ou Onde Fica
a Casa do Meu Amigo?, para citar alguns. A estrada é presença
constante neste filme, e é nela que percebemos mais do que em qualquer
lugar o absurdo mas também a beleza da jornada humana em busca
da troca e do conhecimento. Outro ponto positivo é o uso do tempo
dilatado dos planos, especialmente no início e no fim, o que dá
uma urgência grande aos movimentos mínimos.
Como se pode ver, não se trata de
forma alguma de um filme desprezível. Mas, se parece importante
questioná-lo é por conta deste risco do cinema iraniano
tornar-se pouco mais do que uma fórmula que assegura co-produções
e participações em festivais. Nada demais com estes objetivos,
mas não custa pedir um pouco mais. E se percebemos aqui um diretor
que erra a mão na falta de sutileza (o final é o melhor
exemplo), de um trabalho mais cuidadoso de roteiro, e acima de tudo, que
usa uma certa preguiça didática na sua realização,
ele tem momentos o suficiente para acreditarmos que seus próximos
filmes possam reverter o quadro. Basta que ele veja que o cinema pode
ser a arte do risco e não apenas do garantido, que é o que
o filme, ao seu final, nos parece.
Eduardo Valente
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