O dragão do untza untza contra o Xangô
engravatado

17/10, 22hs.
Está por começar oficialmente a 25ª Mostra BR de Cinema (nome que conseguiu
ficar bem mais feio do que o Festival do Rio BR), no DirecTV Music Hall
(que para os que não saibam, também já se chamou Palace, ai ai, onde vão
parar os nomes dos nossos eventos, casas de espetáculos, etc). O acontecimento:
um show da banda No Smoking Orchestra, que tem entre seus membros o cineasta
Emir Kusturica, um dos homenageados da Mostra neste ano.
Era inevitável,
sentado ali naquele momento, pensar no que diferencia a abertura da Mostra
de SP do que vimos há algumas semanas no Festival do Rio, e mais do que
isso, no que isso nos conta de cada um dos eventos. Ao abrir com um evento
que não é nem um filme, muito menos um filme brasileiro, que foi um ponto
de honra importante no Festival do Rio deste ano, entendemos o que podia
ficar claro também se olhássemos em volta na platéia: ao invés dos famosos,
dos importantes e dos visíveis engravatados e de vestidos longos que se
esbaldaram na abertura carioca, era dia de muitas calças jeans, camisetas
coloridas, cabelos pintados. Enquanto no Rio José Wilker e Zezé Motta
a caráter apresentaram a cerimônia, em SP coube ao próprio Leon Cakoff
e esposa fazerem as honras da casa, de forma rapidíssima e informal, abrindo
espaço para Mr. Kusturica e sua trupe. A maior diferença entre São Paulo
e Rio hoje é esta: por paradoxal que pareça, em SP parece valer tudo pela
diversão, pelo lúdico do cinema, enquanto o Festival do Rio está cada
vez mais sério. Ao contrário do que possa parecer, isso não é um elogio
nem uma crítica a nenhum dos lados, de forma alguma. O importante é que
cada festival encontre seu nicho, se reforce em determinadas áreas e,
acima de tudo, se complementem.
Assim, no
Rio, além da abertura de black-tie, tínhamos seminários, tínhamos
uma idéia de fechar negócios, tínhamos sessões de galas de filmes nacionais
em competição, tínhamos uma preocupação de política de cinema constante,
seja nos nomes presentes nos eventos, seja principalmente nos discursos.
Não por acaso o cineasta homenageado principal foi Francesco Rosi. É verdade
que, por outro lado, tínhamos Troma, Edgard Navarro, Mundo Gay, Show do
Gongo. Mas, nos momentos oficiais, digamos assim, a preocupação com a
imagem e com a seriedade e profissionalismo do evento imperam. Isso é
importante, pois o Rio continua sendo a capital onde está boa parte da
classe artística brasileira, para onde migram políticos, etc. O Festival
se dispõe a cumprir papel importante no cenário do cinema brasileiro,
portanto.
Já em São
Paulo, isso não é percebido. O foco são os filmes, o hoje, o agora, a
simples exibição dos mesmos. Que de simples não tem nada, e ao educar
olhares e mentes, possui um outro papel fundamental. Mas, a falta de preocupação
em exibir na abertura qualquer coisa brasileira, em ter uma competição
de filmes nacionais (seria até ridículo, mais uma), em sequer ter um filme
na abertura da mostra, marcam um evento cuja força motriz ainda é a paixão
incontrolável pelo cinema. O cinéfilo é a marca de SP. Faz parte de um
evento que tem raízes há 25 anos formando platéias, faz parte de uma cidade
onde os cinemas vivem constantemente lotados, onde a venda de permanentes
(que neste ano nem existiram no Rio) chega todo ano a quase 500 compradores
fanáticos. E quem estava lá na abertura de quarta sentia que, fora poucas
exceções de artistas e afins, o público já na abertura era eminentemente
o mesmo dos cinemas: os jovens, os cinéfilos, os desconhecidos.
Foi inclusive
um anticlímax a decisão de deixar as mesas na pista da casa de shows,
porque o som da No Smoking pedia muita dança, festa, zona. Estava mais
de acordo com a Mostra do que a organização do DirecTV Hall. As mesas
só serviram para o ensandecido vocalista da banda repetir o protagonista
de Hair e sair dançando em cima delas. Puxando pessoas para o palco,
jogando água na platéia, e dançando o tempo todo a insana untza untza
music que é um apanhado da música cigana com influências de todos
os lados (jazz, rock, latinos, africanos, etc), que faz todo sentido com
os filmes do diretor iugoslavo, sempre exagerados, esfuziantes, cheios
de energia, dor e paixão. Algumas músicas ultrapassaram os 20 minutos,
o vocalista carregava mulheres da platéia para o palco, houve umas 10
apresentações de cada músico a platéia, entre outras cenas inusitadas,
em nada diferentes dos filmes de Kusturica. O show podia ser até incluído
como parte da retrospectiva, pois explica tanto sobre o diretor quanto
qualquer um dos filmes. Foi um show que, se não chegou a ser memorável,
mostrou uma banda das mais competentes e que deu o tom para a Mostra que
vem aí. Serão 20 dias de muita correria entre salas, animação, dor (de
coluna, principalmente), paixão, e energia.
Ah, sim,
e o tal do cinema, ponto que une estes dois eventos acima de tudo e os
faz maravilhosos.
Eduardo Valente
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