Um Casamento à Indiana,
de Mira Nair


Monsoon Wedding, Índia, 2001

O que esperar quando Mira Nair está à frente de um projeto chamado Casamento à Indiana, ou, mais literalmente, um casamento das monções? Nada além de um cinema que se aproveita de um exotismo fantasiado, de um comercialismo frouxo, de sentimentos piegas, entretanto muito bem assegurados por uma certa eficácia na feitura, mesmo sem nenhum talento particular de realização. Uma boa notícia: o filme é algo mais do que isso, mesmo que apenas um pouco mais. Centrado em alguns dias do ritual de celebração de um casamento tradicional (dentre as muitas tradições indianas), Um Casamento à Indiana se quer um inventário das mudanças de costumes do povo indiano em relação às novas tecnologias (presença constante dos telefones celulares), à liberalização da mulher, às transformações dos indianos que vão trabalhar nos Estados Unidos...

Ao pretender realizar esse projeto tão grandioso, essa "pesquisa" tão vasta sobre o moderno mundo indiano, Um Casamento à Indiana só consegue ser um emaranhado de lugares-comuns, de personagens tristemente reduzidos a caricaturas, as situações dramáticas transformadas em artifícios banais para fazer a história fluir. Assim, uma moça intelectual e recatada cairá no triste estereótipo da "pobre menina que não se deixa levar pelo amor porque teve um trauma no passado". Ou uma discussão séria sobre infidelidade será logo transformada em questão de polidez ou grosseria (conduzida, vê-se pelas entrelinhas, por uma espécie de feminismo desajeitado da parte da realizadora). Mesmo os personagens mais instigantes – o chefe da família na Índia, os dois apaixonados de castas mais baixas (o organizador das festas e a empregada) – parecem sub-aproveitados por uma cineasta que quer falar de tudo e esquece de falar verdadeiramente de qualquer coisa.

Mas Um Casamento à Indiana não é um equívoco total. Afora alguns momentos interessantes, o filme é conduzido com um dinamismo inesperado em se tratando de Mira Nair. A câmera não pára de se mover, de se jogar de um lado para outro, dando ao filme a sensação vertiginosa que um atribulado relato de tantos personagens de fato pede. Assim, com um lado Festa de Família – a referência não é à toa, ver-se-á –, esse Casamento pode ter seduzido o júri de Veneza (onde o filme ganhou o prêmio principal) justamente por essa tentativa de conjugação do cinema "de arte" – em que o filme certamente atinge com menos força seus objetivos – com o lado mais comercial, tanto pela acessibilidade da história quanto pelo lado exótico – muitas cores, rituais inesperados, um certo sentimento "cor-de-rosa" ao fim. Claro, essa tour-de-force Mira Nair não consegue conduzir suficientemente, deixando no ar uma impressão de jamais tocar em algum ponto que já não tenha sido mais do que repisado pelo cinema de hoje. O maior exemplo disso é a mais que desnecessária recorrência à pedofilia, tornada mal principal do novo século e muleta de todo cinema mediano que se quer sério ma non troppo. Ficando a meio caminho de todas as suas ambições, Um Casamento à Indiana dá a desagradável sensação de ser macumba cult pra europeu. E pra brasileiro também, por que não?

Ruy Gardnier