Um
Enigma no Divã,
de Jean-Jacques Beineix
Mortel transfert, França/Alemanha,
2001
Existe uma imagem
perto do final desta volta de Beineix ao cinema após mais de 8
anos afastado que explica o que pode tê-lo tirado desta semi-aposentadoria.
É uma vista mais aberta de Paris, na qual aparece a Torre Eiffel
pré-ano 2000, com todos os enfeites luminosos que foram colocados
para a "passagem do milênio". Beineix, o principal nome do neón-realismo
francês dos anos 80 (que teve reflexos no Brasil), deve ter pensado
ao passar por ela: "Meu Deus, eu estava certo o tempo todo! O mundo finalmente
se transmutou num filme meu! Preciso filmar isto!"
Brincadeiras à
parte, o fato é que este novo filme nos apresenta todos os velhos
vícios de Beineix, mostrando que vinho nem tão bom assim
piora com o tempo. Trata-se de uma pretensa trama de suspense, mas que
na verdade funciona muito mais no registro cômico. Falou-se em Hitchcock
(pobre Alfred...), mas só se justificaria o Hitchcock mais engraçado
de um O Terceiro Tiro ou Trama Macabra. Ainda assim vão
quilômetros entre a ironia e o humor fino destes filmes de final
de carreira do mestre, para o quase pastelão que toma conta de
Um Enigma no Divã em vários momentos. E o pior é
que são os melhores momentos, dada a interpretação
claramente clownesca de Jean-Hughes Anglade. Porque a trama em
si chega a ser irritante em sua insignificância. Não é
caso de perguntar-se whodunnit, e sim who cares? Porque
na sua obsessão pela imagem rica, pelo movimento de câmera
preciso, pela luz bela, o diretor consegue passar períodos de até
quase 40 minutos no seu filme sem que nenhum informação
realmente relevante apareça. É tudo um grande pastel de
vento. Tanto que, quando no final, revela-se a trama, o fato dela ser
absurda nem incomoda tanto quanto o fato de que ela demora tanto para
acabar. Há um certo momento no filme em que o espectador pensa
que está sentado naquela cadeira há 12 horas, tantas são
as reviravoltas desinteressantes, personagens idem.
E nem é o caso
de pedir verossimilhança nem construção psicológica
(embora para um filme todo construído em torno da psicanálise,
talvez devêssemos sim exigir), como se fossem bens definitivos ao
cinema. Quantos filmes investem no onírico, no poder de imagem
e sons, e são fantásticos. O problema de Beineix é
que seu investimento nestes valores audiovisuais é de duas caras.
Ele não crê neles ao ponto de basear todo seu filme nisso,
deixando para segundo plano a trama e os personagens. Ele apenas gosta
que seus filmes extremamente clássicos sejam "bonitos". E com um
conceito de beleza uno e redutor. Em suma, 20 anos se passaram de Diva
até Um Enigma no Divã, e seu diretor continua
o mesmo malabarista vazio de luzes e cores.
Eduardo Valente
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