Terra
de Ninguém,
de Danis Tanovic
No man's land, Eslovênia/França/Itália/Inglaterra,
2001
A guerra da Bósnia,
como qualquer outra guerra, é verdade, tem se mostrado tema inesgotável
de filmes nas abordagens mais diferentes. O que os filmes mais interessantes
sobre este conflito têm feito força para destacar sempre
é a questão da guerra entre irmãos, do fato que o
inimigo de hoje era o vizinho de ontem, o compadre, muitas vezes o melhor
dos amigos. O filme de Tanovic não deixa de tomar esta linha mais
uma vez. Mas, sua grande sacada (a qual não faz nem um pouco despropositado
o prêmio de melhor roteiro vencido em Cannes) é a de usar
o microcosmo do microcosmo (uma trincheira, dois personagens), no meio
da batalha, para falar do conflito como um todo.
Claro, os mais diferentes
approachs são possíveis, e nenhum deles necessariamente
melhor ou pior por si mesmo. Sem buscar uma genealogia do assunto no cinema,
poderíamos citar o próprio Bela Aldeia, Belas Chamas
como um outro exemplo de microcosmo (no caso, um túnel), mas a
linguagem lá se parecia muito mais com a ópera ensandecida
de um Kusturica em Underground. Aqui, a encenação
é essencialmente realista, deixando que tudo que transpire de suprareal
venha dos acontecimentos em si.
De fato, o filme baseia
seu impacto num encaminhamento narrativo que surpreende pela aparente
simplicidade que esconde uma teia bastante complexa de observações
que vão se somando e completando. Logo no início temos a
única cena de efetiva batalha que assistiremos. Ela é forte
sem a necessidade de ser exploratória. A partir daí temos
rapidamente a situação básica: dois homens, dos lados
contrários, presos numa trincheira. Lá, se reconhecerão
como "ex-vizinhos", ferirão um ao outro, batalharão pelo
controle do poder sobre o espaço. Um terceiro homem, numa situação
peculiar que não vale contar, será o estopim de toda a trama.
Nesta longa parte inicial, o filme parece que vai se estruturar neste
formato, que mais parece um bélico Esperando Godot. Quando
não esperamos mais do que isso em termos de observação,
o filme dá uma virada e ganha vida nova.
Entram em cena dois
agentes importantes do conflito, raramente retratados nos filmes sobre
o conflito com o grau de ambigüidade que vemos aqui: a ONU e a mídia
jornalística. É fato que já tivemos filmes só
sobre isso (como Território Comanche), mas não é
fácil tentar fazer um painel quase completo do xadrez das relações,
o que só dá certo aqui pela inteligência na aparente
despretensão do retrato. Mas, o fato de se embarcar no conflito
como um todo não garantiria um bom filme. O que o diretor-roteirista
tem a inteligência de perceber é que nenhuma destas instituições
representa nunca apenas um papel. Assim, a mídia é no filme
a instituição que força a tentativa de uma solução
para o impasse, mas também é a que depois luta para que
o impasse possa ser sugado até a última gota. A ONU parece
no início uma instituição covarde e aproveitadora,
mas que depois tem sua posição contextualizada pela real
dificuldade que representa uma tomada de posições.
Mas, o que realmente
diferencia um olhar local, ainda mais com o humor sempre cáustico
e absurdo como o tipicamente iugoslavo, é o final nem um pouco
conciliador, feliz, tranquilizador, como poderíamos supor que seria
num filme tipicamente "ocidental", onde mesmo que fosse mostrada a guerra
como algo de difícil solução, o microcosmo criado
encontraria uma saída a contendo. Aqui não. No final, nem
mídia nem ONU sabem mais o que fazer, e a relação
entre os dois lados não deu um passo na sua melhoria. O oficial
da ONU que representa os "melhores sentimentos" de tentativa de intervenção,
tomada de posição, ajuda humanitária, é o
personagem que termina o filme mais perdido.
De fato, o que pode
ser a grande mensagem do filme, especialmente neste momento vivido entre
israelenses e palestinos, é que os dois lados podem até
reconhecer-se como irmãos, como vizinhos. Mas, ao contrário
do que insinuam alguns outros filmes, isso não é o suficiente
para apagar atos e mais atos de violência e descaso que estão
entranhados no imaginário de cada um. Isto o filme nos diz muito
claramente, e que a lição sirva neste momento: não
é simplesmente pregando a ignorância da guerra e a necessidade
do amor entre as pessoas que se vai encerrar um conflito de sangue como
este. Tanovic faz um belíssimo filme para nos mostrar isso.
Eduardo Valente
|
|