Memórias
em Super-8,
de Emir Kusturica
Super-8 Stories, Alemanha/Itália,
2000
O que mais impressiona
na carreira de Emir Kusturica não é que ele seja um diretor
que ganhou duas vezes a Palma de Ouro em Cannes (fato raríssimo),
além de um prêmio de direção no mesmo Festival,
que ganhe um Leão de Ouro e um de Prata em Veneza, e um Urso de
Prata em Berlim, com uma produção de exatamente 6 longas
para cinema. Ou seja, todos os seus filmes desde a estréia até
Gata Preta, Gato Branco (1998) ganharam um dos principais prêmios
nos 3 maiores festivais de cinema no mundo. Após tamanho reconhecimento
(se merecido ou não, é discussão que não cabe
aqui), o que impressiona mesmo é que o diretor de uma certa forma
se retire do cinema (sua decepção com as críticas
a Underground como pró-sérvios explica boa parte
disso), e vá se dedicar principalmente a tocar na sua banda de
"rock cigano", a The No Smoking Orchestra. Banda inclusive que, é
bom destacar, existia antes da chegada de Kusturica, mas que certamente
ganhou notoriedade internacional após a entrada dele. Trata-se
claramente de um projeto que inspira Kusturica (tanto que de certa forma
o fez filmar o filme de 1998), e que acima de tudo o diverte imensamente,
daí a produção deste filme.
Filme que, num primeiro
olhar, nada mais é do que um "making of" de uma turnê da
banda pela Europa, com todas as características de alguns programas
que vemos na MTV: entrevistas com cada membro, um mini-perfil deles, cenas
de bastidores, dos shows, etc. Mais uma vez é isso que impressiona
no filme: sua despretensão, vindo de um dos diretores de currículo
mais invejável nos anos 80-90. Que Kusturica esteja disposto a
assinar tal filme neste momento de sua carreira é um testemunho
da paixão pelo projeto musical.
Porém, é
bom que se diga, embora o filme pareça um musical da MTV, na verdade
está longe de sê-lo. Talvez este filme só devesse
ser exibido em eventos como a Mostra de SP, onde foi possível assistir
ao show da banda na abertura. Pois é um complemento perfeito ao
que vimos no palco, o que empresta novo sentido a suas imagens e sons.
Porque o que diferencia de fato o filme de seus similares é ser
feito por um dos membros da banda. Portanto, o nível de intimidade
com cada imagem e com cada som é impressionante. Parece de fato
um daqueles filmes feitos por e para amigos (aliás seu iminente
lançamento no circuito comercial é um mistério, dado
o quase completo desconhecimento sobre a banda). E o que cada imagem destas
passa é um pouco da alma da banda: anárquica, festiva, brincalhona,
inteligente. Seja nas cenas de entrevistas na van, seja nos bastidores
de um show (com uma briga clássica dos irmãos Kusturica),
seja numa sessão de fotos, o que passa do filme mais do que tudo
é uma energia extremamente positiva que este projeto injeta em
cada um dos membros.
Há imagens,
aliás, raras e divertidíssimas, como a tentativa de arqueologia
de cada um dos membros em imagens caseiras. Ou ainda um mini-clipe que
abriu o show em algumas cidades, e que lembra muito o cinema de Kusturica
como um todo. Mas nenhuma destas imagens é mais interessante do
que o que o conjunto delas neste formato nos revela. Principalmente, fica
a certeza de que a banda, como os filmes de Kusturica, são projetos
muito caros a ele. E, neste sentido, ver um show ou este filme é
entender um pouco a obra do diretor.
Eduardo Valente
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