Histórias
Proibidas,
de Todd Solondz
Storytelling, EUA, 2001
"Existe algo de profundamente incômodo para o espectador mais sensível
que for assistir Histórias Proibidas." Pelo que temos lido
das declarações de seu diretor, esta frase, se dita sobre
o filme, seria o reconhecimento do sucesso dos intentos dele, uma vez
que seguidamente afirma querer chocar, incomodar. Infelizmente para ele,
nem o incômodo está no que ele deseja que esteja, nem a palavra
sensível foi usada acima como sinônimo de pessoa frágil,
moralista ou pudica. Com tudo isso, o filme é de fato a falência
completa das intenções de seu realizador. E, paradoxo dos
paradoxos, é esta falência que lhe dá todo o interesse
que, inegavelmente, possui. Histórias Proibidas é
um filme esquizofrênico, no qual o discurso não está
de acordo com as palavras, onde intenção, objetivo e realização
variam completamente. Vamos tentar explicar isso tudo do começo.
Solondz, embora dirigindo
aqui seu terceiro longa, já possui assinatura, isso é claro.
É o diretor, até agora, dos pequenos dramas cotidianos da
vida do cidadão comum de classe média americana dos "suburbs",
que os observa com um olhar altamente crítico. Mas, mais do que
isso, com um olhar que os torna quase objetos de estudo científico,
exemplos num "freak show" moderno no qual diretor e espectador se dão
as mãos, acima de toda aquela estranha gente, e riem deles. É
um cinema de retaliação, um cinema ressentido, um cinema
típico do "nerd" que acha uma forma de se vingar dos que o fizeram
mal. Assim sendo, é um cinema que só atinge os que se reconheçam
no estereótipo que pinta. E, ao pintá-lo com cores tão
fortes, impede que qualquer um se reconheça. É, portanto,
um cinema sempre sobre "outros", sobre gente que "é assim mesmo",
mas que nunca são o espectador em si. É um cinema acusatório
até, disfarçado de revelador, um cinema da catarse ressentida,
do veterano que dá trote no calouro que depois dará trote
no outro. Conhecendo-se a figura do diretor, ele próprio um daqueles
estereótipos vivos que fazem os clichês terem sentido, é
fácil entender porque faz estes filmes. Até aí, tudo
bem. Difícil mesmo é aceitar a pecha de "cronista" do americano
comum. Não é. E muito menos é fácil entender
a polêmica que seus filmes anteriores causaram, o que só
mesmo o moralismo reinante em crítica e espectadores pode explicar.
Com isso tudo, quando
começa este novo filme, parece que estamos em terreno familiar.
Solondz parece ir "ticando" uma a uma suas prioridades de choque: cenas
de sexo quase explícitas, racismo, piadas com aleijados, com imigrantes,
com desemprego, com homossexualismo. Não sobra um. E, todos os
que têm menos de 12 anos (seja etários, seja espirituais
ou ideológicos) vão ficando chocadíssimos. Enquanto
os outros se entediam com o que parece ser um completo retrocesso numa
obra que, independente de agradar ou não, parecia desenvolver sua
idéia. Agora, aparentemente, vemos uma repetição
quase automática e menos potente do filme anterior.
Mas, aí é
que entra a tal sensibilidade do espectador citada lá no primeiro
parágrafo. Cabe a ele fugir da primeira e fácil impressão,
e perceber o que a obra vai deixando cada vez mais claro: ao invés
de uma repetição, Histórias Proibidas representa
a crise completa de um modelo, de um autor. E, de repente, ao invés
de frio, distanciado e ressentido, o cineasta começa a aparecer
na obra que faz, começa a nos tocar pela fragilidade que reconhece
em seu próprio discurso. E, nem tanto para nossa surpresa mas talvez
muito para sua própria, no momento em que falha mais é que
é o mais interessante. No momento em que perde o controle do que
parecia tão claro, torna-se quase comovente. Em sua frieza, o filme
ganha o tom emocional para quem consegue ver um realizador gritando por
socorro ao perceber que sua obra, sua opção de carreira
é rasa o suficiente apenas para afogá-lo, para garantir
que ele não mais terá saídas fáceis.
E onde está
isso no filme? Está na crítica constante aos dois modelos
de representação da realidade que o filme apresenta como
opções. Seja na menina que escreve como um conto de ficção
o que ela viveu; seja como o documentarista que tenta apresentar a sua
realidade encarnada em um outro jovem. Ambos (menina e documentarista)
são Solondz, em sua tentativa de apresentar uma realidade no seu
retrato absurdo. E ambos são questionados nos dois diálogos
chaves do filme: o do documentarista com a editora, e o da menina com
a turma e o professor. Neles, estão ipsis literis todas
as críticas já feitas à obra de Solondz. E seus alter-egos,
acuados, não conseguem responder a elas. É o próprio
diretor que está, portanto, acuado. Ciente pelo menos das limitações
de seu discurso, mas incapaz de transcendê-las.
Esta incapacidade
é o paradoxo, afinal, do filme. Um filme que ironiza os que ouvem
Belle and Sebastian, mas os usa como trilha porque gosta. Um filme que
se auto-critica, que se auto-ironiza, mas que no discurso que monta reforça
tudo o que vê como limitado. Solondz cria uma nova categoria: a
auto-crítica sem auto-crítica. É um espetáculo
impressionante, assustador, desconcertante, que o espectador assiste com
surpresa. Talvez até chocado e incomodado, mas não tanto
com os personagens e sim com o diretor em crise. No meio disso tudo, Solondz
é humano na sua incerteza, pela primeira vez.
E, se aqui ainda não
conseguiu ao tentar ser carinhoso deixar de ser tão somente escroto,
permite pelo menos a esperança de que sua obra dê, se não
uma virada, certamente uma amadurecida. Porque, como diz muito bem o personagem
de John Goodman para o documentarista: "Você foi maltratado no colégio?
Bom, grande coisa. Passa por cima e vai em frente, malandro!"
Life is a bitch.
So what? Tomara que Solondz no próximo filme tenha de fato
superado a afirmativa, e passado para o principal: a pergunta que se segue.
Eduardo Valente
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