Sob a Areia,
de François Ozon


Sous le Sable, França, 2001

 

Um filme de imagens que não estão ali. A história de uma mulher que se perde na perda do outro...E que tenta se ancorar na ausência...

Desde a primeira imagem, o casal de Sob a Areia demonstra ter algo de especial: seu amor se dá por pequenos olhares, por gestos sutis e sentimentos sugeridos. Ao contrário do estereótipo da rotina do casamento criticada comumente como um aprisionamento social, o filme de Ozon constrói um espaço de união entre os dois personagens sem que seu amor beira à paixão doentia, nem caminhe em direção ao tédio.

A figura corpulenta do marido e a beleza de Charlotte Rampling se contrapõem de início como um casal improvável nos moldes de um outro cinema, mas aqui, nesse delicado elogio da devoção do amor, Ozon consegue tirar de seus atores os olhares exatos, os tons de voz perfeitos... Uma sensação de um enorme aconchego, de um amor sossegado que muito raramente é objeto de elogio no cinema. Ao contrário da paixão arrasadora que desconstrói como demonstração de força, o amor habitual de Sob a Areia é único e, por si só, sustenta toda a delicada relação que a mulher terá diante do desaparecimento de seu marido.

A ausência de provas que cicatrizem a perda faz com que a mulher viva uma rotina onde a presença ausente de seu marido é o centro de suas ações... de sua vida. A força do hábito não como um fator negativo de aprisionamento, mas como um sinal da forte ligação entre duas pessoas cuja ausência física não consegue desfazer os laços. Mas ela não desiste da vida: "trai" seu marido com um atraente amigo (numa belíssima cena de sexo), continua dando aulas na Universidade, sorri, ri, se diverte... Continua sua vida, pois é nela, nesse vai e vem do dia-a-dia, que estão os rastros vivos de seu marido.

Sinais de uma presença que Ozon tenta por vezes mostrar de forma direta através de imagens de ilusão, por vezes de forma explicativa através de diálogos. Diálogos que por vezes se tornam óbvios e um tanto repetitivos. Mas que não tiram o brilho de pérolas como as duas imagens que cito a seguir. Duas imagens apenas não tão impressionantes quanto os olhares exatos e a presença perfeita de Charlotte Rampling :

A imagem da mulher que cruza seu apartamento gritando pelo marido e que, ao entrar num quarto escuro, acende uma luz: o que vê é apenas um quarto vazio... e um espelho que reflete seu próprio rosto.

E a outra imagem, a que fecha o filme (quem ainda não assistiu, não leia): sua longa e infinita caminhada em direção a um vulto quase disforme, cuja distância é incompreensível e que se prolonga à tela escura dos créditos... A imortalidade através do outro, através dos olhos do outro – a ausência e a negação da perda não como ilusão, mas como forma de vida... e de amor.

Felipe Bragança