O Quarto do Filho,
de Nanni Moretti


La stanza del figlio, Itália, 2001

Curioso que o Festival de Cannes tenha criado uma espécie de evento político em torno do último filme de Nanni Moretti, consagrando-o com a Palma de Ouro. Curioso por tratar-se de um melodrama sem maiores pretensões políticas, a não ser que alguém tente encarar o relato de uma família que deve aprender a superar a morte acidental do filho como uma alegoria sobre a tomada do poder na Itália pelos neo-fascistas encabeçados por Berlusconi -- uma interpretação que pode ser tomada, na melhor das hipóteses, como um tiro n'água.

É bem provável que o prêmio seja o reconhecimento de um cineasta que alcança sua maturidade perdendo (ou deixando de lado) todo o vigor despojado de uma obra que caminhava numa direção mais e mais pessoal para compor uma delicada peça de câmara em que o arrebatamento emocional aparece como finalidade última.

Sem dúvida O Quarto do Filho alcança resultados superlativos em sua descrição do luto que envolve Giovanni (interpretado pelo próprio Moretti num misto de entrega e distanciamento relutantes), um pai de família de classe média que sofre as angústias do esvaziamento de sua profissão -- psicanalista -- e as mazelas de seus clientes com crescente cinismo. Ele leva uma existência pacífica e sem ambições com sua esposa Laura (Laura Morante, belíssima), e seus filhos adolescentes Irene e Andrea. Num fim de semana qualquer, Giovanni é chamado com urgência para atender um cliente em crise, enquanto seu filho sofre um acidente no mar praticando mergulho com amigos. O psicanalista se ressente de não estar presente ou de não ter podido evitar a tragédia, se esquecendo que o drama afeta a todos em sua volta. A descoberta de um amor secreto de Andrea dará um novo sentido e apontará um novo caminho para a vida de cada um.

Trabalhando suas personagens, nos melhores momentos, com elegante discrição, Moretti imprime à sua maneira um ritmo leve, com picos de intensidade dramática que surgem sem o menor aviso. Detalhes, tempos mortos, objetos, qualquer coisa faz lembrar de um modo ou de outro o desaparecimento do filho. A narrativa claudica algumas vezes e o estilo lembra vez por outra Moretti em sua forma anterior (e a meu ver, sua melhor).

Pode parecer estranho, mas senti falta de emoções genuínas. As lágrimas que Moretti me arrancou (e me arranca toda vez que revejo Caro Diario) com sua homenagem a Pasolini pertencem a uma categoria diferente daquelas que O Quarto do Filho tentou provocar-me sem sucesso. Pode-se argumentar que ninguém que tenha perdido um ente tão próximo e querido possa compreender as dimensões dessa jornada íntima, mas eu diria que o filme (assim como a sequência em Caro Diario) lida com a perda num sentido mais aberto, mais abstrato.

Resta a brilhante sequência final que, se não redime o filme, chega muito perto de fazê-lo.

Fernando Verissimo