Relações Distantes,
de André Techiné


Loin, França, 2001

Filme político-humano, que humaniza a política e a põe nos passos nem sempre precisos de seus personagens. O tema dos clandestinos marroquinos poderia ter nos dado um filme pesado, moralmente intransponível, fechado como os grandes figurões do cinema de política talvez buscassem. Nas mãos de Techine o tema se apresenta e se coloca com uma perplexidade, uma incompletude que faz de Relações Distantes uma bela narrativa sobre sonhos, vontades de mudança, busca de identidades...

Said, o jovem marroquino que sonha fugir clandestinamente para a Espanha, é certamente, o personagem mais marcante. Traz ao filme um misto de questionamento social e apresentação de desejos que transportam a narrativa para além das constatações de miséria de um povo, ou de suas mazelas. mas para a trama de realidades que encaminham tantos e tantos marroquinos a arriscarem a vida em busca de uma fuga. Uma fuga quase impossível. A Espanha está ali, do outro lado do mar, ao alcance dos olhos de Said. Enevoada pela distância, suas montanhas parecem ser mais palpáveis do que as ruas da cidade de Tânger em que vive.

Serge, ao contrário de Said, tem passe livre na fronteira Espanha-Marrocos. Motorista de caminhão, passa os dias no ir e vir de um país a outro. Embora as duas realidades estejam sempre diante de suas mãos, Serge parece incapaz de tocar qualquer uma das duas. Distante de tudo, sem amarras – é o retrato do imigrante que não se sente nem cidadão de seu país de origem, nem do lugar em que vive... No desejo de poder se estabelecer na Espanha, aceita fazer um pequeno carregamento de drogas em seu caminhão. Chegando em Marrocos, reencontra sua antiga namorada a quem não consegue ter nem esquecer, mulher que está sempre presente e ao mesmo tempo distante.

O cuidado com que Techine trabalha seus personagens, respeitando seus momentos de alegria, tristeza e reflexão, são uma riqueza muito grande do filme. As questões do colonialismo, da dependência da economia e do imaginário do povo marroquino em relação à Europa é esboçada de forma a nunca sobrepor análises às imagens de vida daqueles personagens.

Diversos são os comentários do filme que tratam de globalização, homogeinização cultural, perda de identidade, sem cair no discurso panfletário ou na visão personalista dos eventos. Techine consegue com muita sensibilidade extrair humanidade das quesões políticas que coloca e descobrir questões política nos sentimentos circunstanciais de seus personagens. Nada simplificante, Relações Distantes é um misto do retrato de uma questão socialmente marcante nos dias de hoje e um esboço sensível de uma juventude perdida por não enxergar em seu país qualquer possibilidade de melhoria, de construção de vida...

A imagem de Said, rosto perplexo, olhos arregalados, se arrastando pelo chão do porto, se esgueirando para a fuga e se colocando debaixo do caminhão de Serge nos dão a dimensão daquela fuga. Como um animal encurralado, Said respira fundo e se torna imóvel – não sabe ao certo o que pode encontrar do outro lado do mediterrâneo, somente se sente incapaz de permanecer onde está. Serge, por sua vez, ainda incerto, deixa que o jovem marroquino se esconda em sua cabine...

James, o personagem inglês apaixonado pelo Marrocos é quem diz: "Não se sabe o que um jovem marroquino pode querer fazer continuando aqui... Esse país está se perdendo, se esquecendo..." É o estrangeiro, fina ironia, quem percebe e sente que o Marrocos que o apaixonara está ficando para trás... Essa perda de identidade do país se reflete e é reflexo de jovens como Said que, com os olhos apenas projetados adiante na Europa, sonham com a distância como solução para todos os problemas e como espaço de construção de vida.

Um filme importante por tratar do problema da imigração e do domínio da Europa sobre suas periferias. Importante por trazer à tona a discussão das novas identidades nacionais e culturais em um mundo em globalização econômica-cultural. Importante por saber usar da delicadeza e da perplexidade necessárias para não se tomar conclusões precipitadas e politicamente simplistas diante dos fatos e de seus personagens.

Felipe Bragança