Eldorado - Lituanos no Brasil,
de Fabiano Canosa e Julius Ziz


Eldorado - Lituanos no Brasil, Brasil, 2001

Eldorado começa como um documentário, mais um dentre tantos, que explora um objeto histórico -- no caso, a chegada dos imigrantes da Lituânia ao Brasil no início do século passado -- tomando como modelo a investigação mais burocrática possível, aquele do jornalismo televisivo, estilo Globo Repórter, articulando sem a menor criatividade entrevistas, pesquisa e imagens de arquivo. Pressupõe-se que todos terão interesse pelos depoimentos, dado o apelo das personagens, e acaba-se por esquecer de separar o trigo do joio. O resultado é tão entediante quanto noventa por cento da programação de um GNT, a não ser, talvez, para os imigrantes e seus descendentes e para os próprios lituanos, ávidos por um retrato qualquer de sua tragédia particular e de seus desdobramentos, não sem razão.

O filme começa com uma breve e rasa explanação das causas da grande mobilização entre os lituanos por conta da propaganda promovida pelo Brasil em seu país natal que prometia maravilhas aos candidatos à imigração. Sair de uma Lituânia em situação de miséria, arrasada pela guerra, e partir em busca do sonho com garantias em punho não parecia má idéia -- e eis que chegam os primeiros que são levados diretamente às plantações de café para substituir, num regime de escravidão branca, a mão-de-obra dos negros "libertos". As informações mais interessantes do documentário, aquelas que tratam das motivações obscuras de uma elite preocupada com uma política de "embranquecimento" da população brasileira -- daí a sedução e importação dos europeus --, passam ao largo da narrativa, sendo retomadas mais tarde num outro registro. Elas servem como uma sustentação subterrânea para a exposição exaustiva e mal ajambrada dos depoimentos colhidos entre os imigrantes, que giram em torno dos mais diversos detalhes (de maior ou menor interesse) da vida no novo país.

Há ainda uma personagem (Julius Ziz, co-diretor e descendente de imigrantes lituanos) que surge volta e meia sem qualquer motivo aparente, a não ser personificar, à moda do documentário moderno, as razões do filme -- quer sejam a busca da identidade e a resolução do conflito de culturas. É ele quem vai modificando aos poucos a narrativa, substituindo o registro burocrático por outro ainda menos satisfatório, uma espécie de intervenção poética que flerta com a ficção. Entrando em contato com a cultura negra das favelas por meio de uma garota conhecida "por acaso" em suas andanças, Julius prepara o palco (no qual participará como protagonista) para um encontro simbólico entre as duas culturas. À maneira do renascimento consciente da classe média em O Primeiro Dia, de Salles e Thomas, o imaginário mais convencional, de Limite à aurora romântica vislumbrada da praia, é evocado para ilustrar esse encontro improvável, repleto do otimismo mais ingênuo possível.

Fernando Verissimo