Brasil: Ame-o ou deixe... de falar
besteira! (sobre
O Mar por Testemunha)
O Mar por
Tesmunha (Dead in the Water) de Gustavo LIpsztein Brasil/EUA,
2001
Foi impressionante,
embora esperadíssima, a resposta negativa à boca pequena (claro,
porque alto e na cara, ninguém fala nada...) da primeira sessão no Brasil
do filme O Mar por Testemunha, uma sessão para convidados do mundinho
do cinema nacional, dentro do Festival do Rio BR. Não é surpresa também
dizer que a resposta foi absolutamente equivocada, e tomara que na Mostra
de SP o filme comece a ser mais entendido.
Por que a revolta dos
nossos cinéfilos de carteirinha? Porque o filme "é um filme americano".
Ora bolas, criançada: isso eu já sabia olhando o título do filme, os detalhes
de produção, suas intenções de linguagem. Mas, e daí?? A pergunta que
deveria ser feita era: é um filme americano bom? E aí, a resposta teria
de ser só uma: sim.
Antes de passarmos ao
filme, convém uma explicação de produção: esta é a primeira experiência
de captação pela Lei do Audiovisual dentro de uma modalidade diferente
da tão usada e criticada renúncia fiscal. Sem entrar em tecnicalidades,
mas a questão aqui que aparentemente faz o modelo complicado (e por isso
pouco usado) é que ele necessita de um co-produtor de fora disposto a
investir de fato dinheiro na produção. Ou seja: o projeto precisa ter
apelo para um possível investidor como o co-produtor americano deste filme.
Para isso, é lógico, não convém apresentar um filme experimental sobre
a História do Brasil. Sabedora disso, a produtora Elisa Tolomelli, ansiosa
por filmar e explorar este modelo, procurou um diretor formado pelas universidades
americanas, com um roteiro bem clássico e a possibilidade de escalação
de estrangeiros no elenco. Oh, que loucura, não? Pois é, Elisa ousou abrir
esta "caixa de Pandora".
Os mais afoitos então
bradam: "o filme não é brasileiro!!" Não?? Por qual critério? Vamos lá: o
diretor é brasileiro. A produtora também. A empresa produtora majoritária
idem. Foi inteiramente filmado no Brasil apresentando uma trama passada no
país. A equipe técnica completa nos seus cabeças de equipes é brasileira.
O que mais pode estar faltando?? O elenco principal não é brasileiro?? Se
for assim, quantos filmes europeus mudarão de país de origem (ou ninguém
lembra de já ter visto Mastroianni filmando fora da Itália
constantemente??). A história não é da tradição brasileira de filmar,
diriam alguns...
Aí é que o bicho pega
e precisamos entrar na seara do filme em si. Realmente o filme segue a
cartilha do filme de suspense e ação mais classicamente feito em
Hollywood. Mas, hmmmm, se não me engano isso define boa parte da produção
brasileira dos anos 90, ou quiçá possamos voltar à Vera Cruz, ou talvez...
Pôxa, a produção nacional vai diminuir bastante se a renegarmos como tal
nestas condições. Pior: o choro dos atores estrangeiros beira o ridículo.
Vamos pensar rapidinho?? Comecemos então pelo arauto do cinema brasileiro
do momento, Walter Salles. Ele pode até tentar esconder (e tem feito
isso), mas seu primeiro filme era um completo exercício hollywoodiano,
estrelado por Peter Coyote. Será que A Grande Arte não era
brasileiro? E aí, listemos outros: Bela Donna, Jenipapo,
O Que é Isso Companheiro?, Bossa Nova, Mauá, O Dia
da Caça... Precisamos mesmo continuar?
Mas, então, o que
afinal incomodou tanto as pessoas?? Simples: pela primeira vez nos anos 90
um filme que se assume como voltado, inclusive, para o mercado
internacional e utilizando a linguagem mais classicamente hollywoodiana do
cinema de gêneros consegue ser bem sucedido em alcançar o objetivo de
"padrão de qualidade" e, além de tudo, coerência interna.
Estes dois critérios
são vitais de serem entendidos porque são os principais a serem observados
ao falarmos (finalmente) do filme em si. O padrão de qualidade é inegável.
A fotografia de Marcelo Durst possui não só imensa beleza, mas principalmente
agilidade e adequação às extremas situações de filmagem (trata-se de um
filme que se possa eminentemente num barco, em Angra). Quem conhece filmagens
em barco ou Angra dos Reis, sabe as dificuldades logísticas envolvidas.
Neste ponto, a produção também deve ser elogiada, pois com orçamento modesto
(em comparação à matriz) consegue filmar sua história. A montagem é adequadíssima,
cria climas, suspense. A condução narrativa realmente prende o espectador
e o surpreende no final. Talvez apenas a trilha sonora esteja um pouco
over (e ironicamente o é assim por tentar dar uma cor "brasileira"
desnecessária), mas não mais que boa parte das péssimas trilhas hollywoodianas
que engolimos muitas vezes. Então, o filme, de fato, "parece americano".
Visto os objetivos dos realizadores, meus amigos, isso é um elogio, oras!
Mas, o principal ponto
talvez seja o segundo: a coerência interna. Não temos aqui pescadores
cearenses falando inglês, nem sem-terra baianos fazendo o mesmo. Não temos
personagens estrangeiros sem qualquer motivo para sê-lo, como no filme de
Walter Salles. Temos um brasileiro inclusive que fala inglês sofrível,
como deve ser no seu caso. E temos, acima de tudo, personagens principais
entrangeiros porque a trama só funciona se assim o for. Ou seja: Gustavo
Lipsztein, teus pecados são estes: ousaste fazer um filme "americano" que
possui coerência, razão de ser, e qualidade de realização. Queimarás na
fogueira do Inferno. Mas o público vai adorar...
A ingenuidade dos
pseudo-críticos de plantão (e pelo menos neste caso não nos referimos aos
da mídia) só fica mais clara por não conseguirem entender a mensagem
principal do filme, ou seja, o que fica subentendido na trama (mas também,
subentender é um esforço grande...): enquanto os americanos estão
dispostos a se matar até a última pessoa por dinheiro, os brasileiros
curtem a vida, o sexo, a natureza... Quer coisa mais subversiva num filme
pensado para fora e para os americanos???
Ah, quer saber: que os
que criticam este filme "americano" continuem colocando bombas no
McDonald's da Rio Branco, causando "imensas perdas" ao conglomerado
mundial, e no meio tempo podendo ferir os nossos mendigos nacionais,
colocando empregos de baixa renda em risco e atuando contra um empresário
tupiniquim. Isso sim é revolta! Way to go, guys...
Eduardo Valente
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