Casamento Arranjado,
de Dover Kosashvili


Hatouna mehuheret, Israel, 2001

A principal qualidade deste trabalho é talvez ainda mais surpreendente por se tratar de uma estréia em longa-metragem. Muitos diretores experientes tentam este golpe e a grande maioria se dá mal. Qual golpe? Levar o espectador a acreditar estar assistindo um certo filme, a partir de certas regras de gênero, e desconcertá-lo com uma virada. Muitos ao fazerem isso nunca conseguem a adesão do espectador, e acabam parecendo eles mesmo perdidos no filme que tentam fazer. Não é o caso aqui. Kosashvili mantém o espectador confuso sim, mas não distante, sempre curioso para onde ele vai encaminhar a trama.

Como o título adianta, trata-se uma história sobre uma família (judia, claro) tentando arranjar um casamento para seu primogênito, com seus já adiantados 31 anos. No início nos parece que o tom predominante será o da comédia de costumes. A partir do desmembramento do ritual deste tipo de casamento, iremos rir um pouco de seus pontos ridículos, nos emocionar com outros, mas sairmos ilesos do cinema. De repente, o filme dá uma primeira virada, adicionando uma inesperada sexualidade nada pudica, com cenas de sexo quase explícito, mas principalmente, cenas críveis de dois seres humanos na intimidade da cama, o que é muito mais difícil de filmar do que trepadas. São cenas belas pelo que possuem de mais humano, e dão uma primeira chamada de atenção no espectador.

Já na sua parte final, o filme dá a virada decisiva, em que se torna altamente sério, e verdadeiramente melancólico. Os preconceitos e as tradições deixam de ser cômicas, se tornam trágicas e opressoras. E, acima de tudo, o diretor domina a linguagem ampliando os significados disso, em especial criando uma elipse das mais belas e desconcertantes do cinema recente, que mostra a coragem e a ousadia do seu trabalho. E um final absolutamente maduro, difícil, sem concessões nem à felicidade nem ao trágico por si mesmo, ficando na esfera simples e dura da realidade. Um filme surpreendente sempre, um diretor dos mais promissores desde já.

Eduardo Valente