Meio do mato. Sound of Music tupiniquim. O noviço rebelde Paulo Villaça acena para a câmera. De repente, vontade de defecar. Ele não pede licença para a platéia. Defeca ali mesmo e antecipa Wim Wenders. Trata-se de Perdidos e Malditos, filme que tanto encantou nosso Jairo Ferreira, não sem motivos. É pura transgressão. Invenção constante. Mas queremos créditos. Queremos saber quem está por trás da obra. Pura desilusão. O filme acaba e não é dito. Foda-se a autoria. Não ia ser compreendida mesmo. Pra que dizer quem dirigiu, quem escreveu, quem atuou, quem fotografou. Só sabemos quem defecou. Já o conhecíamos de outros carnavais. Era o bandido. O catálogo da mostra informa os créditos, mas o filme não confirma. No começo do filme, o jornalista vivido
por Villaça ouve sua esposa. Enquanto ela discorre sobre dramaturgia
moderna, ele olha para as pernas dela. Ele quer sexo. Faz com as mãos,
por dois ou três segundos, de modo quase imperceptível, aquele
símbolo que representa o orgão sexual Os amigos conversam sobre a merda que um deles deixou na privada. Amigos que, mais tarde, dividem o cansaço. Conversam trivialidades. Caminham até uma bifurcação. Um deles vai para a esquerda, decidido. O outro pega a direita, hesitante. Chega na paisagem Sound of Music, que poderia ser terra de um Inocêncio de Oliveira da vida. Defeca, provendo adubo para reverter a improdutividade. É bom viajar na maionese. Arriscar interpretações improváveis. O filme inspira isso. Como escrever sobre esse tapa na cara? Oferecendo a outra face. Pois quero o desassossego. Quero mais perdidos e mais malditos, carência do cinema brasileiro atual. Bianchi fica parecendo a Sally Field diante deste infame Geraldo Veloso. Por mais que se goste de Cronicamente Inviável, não dá para negar que Perdidos e Malditos vai além. É muito fácil ser transgressor quando se tem uma platéia preparada para isso. Difícil é cair no mau gosto sem ser gratuito, agredir sem perder a ternura, impressionar sem ser escandaloso. E por mais que o espectador da mostra marginal espere a ousadia e a irreverência, não espera que elas venham acompanhadas de uma habilidade notável na forma de filmar. Os planos longos são muito bem enquadrados. A câmera, geralmente fixa, é uma exceção à regra vigente na época. A maestria da direção fica até mais evidente porque se contrapõe ao conteúdo explosivo. Acaba até por reforçá-lo, ao contrário de muitas outras produções da época (Copacabana Mon Amour, por exemplo), nas quais a transgressão é camuflada pelo desleixo da câmera. Talvez o único filme da mostra que se equipare a este no aspecto formal seja o brilhante Crônica de um Industrial, que aliás, nem se insere entre os marginais. Por mais paradoxal que possa parecer, Perdidos e Malditos, construído com grande apuro na forma, é ao mesmo tempo, por seu teor iconoclasta, um típico exemplo dessa cinematografia que pretendia avacalhar todos os discursos. Como o de Dina Sfat, que acaba por ser assassinada por Paulo Villaça. Era a única forma de calar seu blá blá blá intelectualóide. O que importa é a vivência. Viva a besteira dita sem preocupação. É preciso deixar de ser sério constantemente. Geraldo Veloso sabia o que queria. E sabia, mais ainda, como o queria. Sérgio Alpendre
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