Les
Yeux Sans Visage, de Georges Franju (1959)


Edith
Scob (ao fundo) é escondida do mundo em Les Yeux
Sans Visage
Há uma aparente contradição
que povoa e dá charme a todo o interior de Les Yeux Sans Visage.
É que, a despeito de todo o questionamento sobre a beleza que constitui
o tema do filme (o que aproxima o filme do cinema moderno ou, no mínimo,
do barroco), o andamento e o estilo do filme têm a limpidez e a
elegância do cinema clássico.
Os Olhos Sem Rosto conta a história
de um cientista (louco, perceberemos à medida que o filme se desenrola)
que deseja realizar uma operação para restituir a pele do
rosto de sua filha, Christiane, deformada por um acidente de carro em
que ele fora o responsável. Para isso, ele manda raptar jovens
moças de olhos claros, para remover o tecido de seus rostos e transplantá-los
para o da filha. A filha permanece presa, como uma enferma, usando uma
máscara de boneca (uma linda máscara, que dá ao filme
e à jovem atriz uma atmosfera cativante de melancolia), esperando
o dia em que ficará livre, sem saber que as meninas usadas na operação
morrem quando têm a pele de seus rostos retirada.
O filme de Georges Franju, mesmo abordando
um tema sinistro, é levado de forma doce, em tom de fábula,
assumindo dimensões de conto de fadas. Alida Valli interpreta a
doce senhora que parece prestar assistência às jovens que
se vêem sem dinheiro ou casa, e as leva para a casa do dr. Genessier
(Pierre Brasseur). Mas é Edith Scob que dá ao filme a magia
que envolve os espectadores. Ela não tem a oportunidade de mostrar
seu rosto de boneca a não ser em alguns momentos, quando uma das
operações parece ter dado certo. No resto do filme, ela
se apresenta unicamente com a máscara e com os olhos, os tais sem
o rosto. Mas eles são o suficiente para que se caia de quatro diante
daqueles olhos tristes, longínquos, que dão a dimensão
da condição da personagem: isolada na casa, impedida de
sair, terrificada com as experiências que seu pai realiza. Ela não
sofre por não ter rosto, mas por não ter liberdade. O rosto
ausente é um fantasma que mais amedronta o dr. responsável
pelo acidente e pretexto para ser reconhecido como um gênio da medicina
do que a jovem Christianne. Quando ela se vê na oportunidade
de desfazer as obras de seu pai, ela solta a moça que está
prestes a ter seu rosto retirado.
Les Yeux Sans Visage é uma
obra de cinema fantástico, só que com um tom diferente.
Tomemos os filmes de Robert Wise, Jack Clayton, ou mesmo os recentes,
de Tim Burton: as experiências sobre o corpo humano e/ou com o desconhecido
sempre desencadeiam um mundo brumoso, de sombras e delírios visuais,
de formas assustadoras, que causam desconforto e terror. No filme de Franju,
nada disso. É uma espécie de terror que só encontra
equivalente talvez em Stanley Kubrick (O Iluminado, principalmente):
não o terror do pouco iluminado (sem trocadilho), da névoa,
mas o assustador que há na claridade; não a bruma do escurecido,
mas do vacilar de pernas que provoca uma cena por demais iluminada. Les
Yeux Sans Visage, como O Iluminado, são grandes relatos
sobre poder familiar que lidam com um fator sobrenatural (imaginando que,
em 1959, realizar operações de tal porte fosse considerado
diabólico, dadas as condições da pesquisa genética
da época) e que têm um frescor de pequenos contos assustadores
em livros de literatura fantástica. Franju, como Kubrick, tinha
uma obsessão pela forma cinematográfica, fazendo dela o
fio condutor de cada projeto. E em Les Yeux Sans Visage, como na
obra de Kubrick, o assustador nunca surge de um saber que ainda não
é conhecido, mas daquilo que é por demais conhecido, de
um conhecimento a mais que ocasiona desastres. De um terror límpido,
esses olhos sem rosto permanecem nos olhando, e deverão permanecer
por muito tempo.
Ruy Gardnier
|
|