Caveira
My Friend (1970)
O filme dos amigos ou the kids are alright
Caveira My Friend de Álvaro Guimarães
Filme-irmão eclipsado de Meteorango
Kid, de André Luiz Oliveira, Caveira My Friend não
deveria estar esquecido assim. Ambos relatos de geração,
centrados em torno de um clima apreensivo e torturante onde o futuro não
revela muitas certezas, os dois filmes mostram jovens soltos no mundo,
circulando de pedaço em pedaço, inquietos, mas antes de
tudo curtindo.
Os personagens de Caveira My Friend,
como os de muitos dos filmes udigrudi, vivem apenas no presente, sem passado
ou futuro, sem ressentimentos anteriores ou anseios posteriores a guiarem
suas ações. É esse todo o barato da "transa", de
todos os tipos de experiências (sexo, drogas, rock'n'roll) que funcionaram
e desencadearam modos de viver & filmar vigorosos, explosivos. O filme
de Álvaro Guimarães tem algo que pode ser dito de muitos
poucos filmes brasileiros, já que a maioria dos cineastas só
consegue filmar depois dos 30, ou, mesmo jovem, envelhece cedo: aquilo
que os americanos chamam teen angst, "agonia juvenil" - uma inquietação
que aparentemente nada na vivência cotidiana pode dar conta. Pois
bem: desde os roubos que fazem Caveirinha e seus comparsas até
a música primorosa dos Novos Baianos - atenção para
a participação como atriz de Baby Consuelo - o filme está
repleto desse sentimento.
A grande sacação de Caveira
My Friend é resolver essa inquietação, essa agonia
não no ponto de vista da narrativa e dos encontros que são
feitos (como em Meteorango Kid), mas justamente no modo como o
filme é apresentado: esquetes ou esboços, fragmentação
e falta de relação entre si das seqüências...
Mas aquilo que se tornou uma espécie de "marca registrada" do cinema
marginal - a recusa de uma história certinha, com começo,
meio e fim e trazendo alguma mensagem - é trabalhado de outra forma
em Caveira. Se Orgia e Meteorango Kid evoluíam por
acumulação e progressão, se A Sagrada Família
apostava na radicalidade da experimentação pela experimentação,
o filme de Álvaro Guimarães parece enveredar, conscientemente
ou não, pela crônica documentária, pelas "atualidades"
não mais dos grandes acontecimentos, mas dos minúsculos
gestos de um grupo de amigos.
Nesse sentido, Caveira My Friend estaria
para o cinema marginal como o Cinema Novo de Joaquim Pedro de Andrade
estaria para a sua geração: um registro documentário
dos costumes e do modo de vida de uma geração. Mas Caveira
não parece nem com um documentário nem com uma ficção.
Ele parece com aqueles filmes menosprezados porque feito apenas para consumo
próprio, os filmes de família. Só que não
se trata de um papai filmando o aniversário do filhinho ou um fim
de semana no zoológico, mas um amigo entre os demais tentando captar
um sentimento. Se o filme acaba se revelando um tanto irregular
ao final da projeção, no entanto não se pode negar
que a tarefa principal de seu realizador foi realizada: ele conseguiu
captar o que queria, mesmo que quisesse apenas filmar entre amigos. E
resulta um diagnóstico: as crianças vão bem, obrigado.
Ruy Gardnier
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