As
Patricinhas de Beverly Hills, de Amy Heckerling
Clueless, EUA,
1995
Alicia
Silverstone e Paul Rudd em As Patricinhas de Beverly
Hills de Amy Heckerling
Bem no meio da década
de 90 houve, em Hollywood, um pequeno modismo de adaptações
de romances de Jane Austen para o cinema – na verdade essa tendência
se estendeu até a Inglaterra, com duas ou três produções,
mas foram mesmo as superproduções americanas que alavancaram
do negócio. Temos lá Razão e Sensibilidade
(Sense and Sensibility, 1995) e Emma (Emma, 1996),
principalmente; ambas foram indicadas ao Oscar em meia dúzia de
categorias, tendo em comum a indicação a "melhor figurino".
E, de fato, os figurinos desses filmes são um luxo. Como os cenários
etc. etc., tudo concentrado em um esforço enorme de recriação
do século XVIII. Com As Patricinhas de Beverly Hills a história
é outra: embora também baseado em um romance da autora inglesa
(o mesmo Emma que gerou o filme homônimo), está em
um lugar completamente diverso do de seus coleguinhas. O pulo do gato
que dá Amy Heckerling para falar sobre a mocinha rica cabeça-de-vento
que passa seus dias a tentar arranjar os pares perfeitos para aqueles
que estão a seu redor é transpor tudo para os dias de hoje.
Mas como, pode se perguntar, trazer para hoje um romance que já
conta com quase três séculos de existência?
Aqui, talvez seja
pertinente dizer uma palavra sobre Jane Austen e seus escritos; ainda
melhor, uma palavra de Jorge Luís Borges. Dizia o grande escritor
argentino que "uma biblioteca sem livro algum seria ainda uma biblioteca
de valor, posto que não possuiria nenhum livro de Jane Austen".
Pois é. De Borges se sabe que era um bocado radical, mas o que
ele disse tem lá sua justificativa. Ora, Austen só é
clássico porque tem atrás de si trezentos anos (vá
lá, e dizem que porque foi a primeira a dar às suas heroínas
algum cérebro). Se a inglesa vivesse hoje, provavelmente estaria
escrevendo novelas ou, quem sabe, roteiros para comédias românticas.
E foi aí que erraram Emma e Razão e Sensibilidade
e que Heckerling acertou: enquanto as primeiras, pretendendo-se requintadíssimas
adaptações de romances folhetinescos, acabaram por se tornar
artificiais, sem vida, a segunda, trazendo tudo para hoje, consegue conferir
vida à trama. E é isso que distingue, em primeiro lugar,
As Patricinhas de Beverly Hills dos outros filmes baseados em Jane
Austen: ele é de uma vivacidade, de um frescor tal que é
capaz de fazer ver que múmias são os primeiros.
Passemos então
ao filme propriamente dito: nele, Emma se torna Cher (Alicia Silverstone),
garota rica, bonita e popular cuja maior diversão é fazer
compras no shopping. Um belo dia, por causa de uma nota baixa dada por
um professor que ela considera carrancudo, resolve, para amaciar seu coração,
arranjar-lhe uma namorada. A escolhida, outra professora, é perfeita
e os dois pombinhos se entendem às mil maravilhas, o que eleva
a nota de Cher. Chega então uma nova menina à escola, Tai
(Brittany Murphy) , um desastre ambulante que Cher, por caridade, resolve
ajudar. Acontece que, além de ajudar a sua nova amiga no que diz
respeito à moda, a patricinha-mor quer também com ela fazer
as vezes de cupido: o rapaz escolhido, porém, se revela um canalha,
deixando as duas mocinhas desiludidas. Tai, aliás, parece mais
interessada em um tipo skatista e de comportamento estranho, o que Cher
desaprova absolutamente, até que, algumas desventuras depois, descobre
que, ah, a aparência não é tão importante assim.
Isso faz a alegria de Tai, que rapidamente se junta ao rapazola. Ela mesma,
Cher, sente falta de um namorado para si, e peripécia vai, peripécia
vem, nota que sempre amou Josh (Pau Rudd, um fofo), o filho da segunda
mulher de seu pai. O filme termina com o casamento dos professores lá
do início, todo mundo arranjado com seus namorados e felizes. Uma
graça.
Amy Heckerling está
aqui no melhor de sua forma, como não se via talvez desde Picardias
Estudantis (Fast Times at Ridgemont High) justamente porque
o tratamento que deu àquele filme, ela o deu também a este.
A diretora não tem dó de suas personagens: todas podem ser
(e são) motivo de piada, todos são ridículos. Entenda-se:
não em um mau sentido, mas como todos nós somos mesmo ridículos.
Heckerling ri de si mesma fazendo com que se ria dos jovens de seus filmes.
Isso é muito bom desde que permite a ela simplesmente mostrar um
grupo, sem que precise de lição de moral. Aliás,
se há algum movimento dessa sorte em seu filme, ele se encontra
mais no espectador, que vai ter simpatia por Cher, por exemplo, exatamente
pelo que ela é: tolinha, engraçada, ingênua, meio
fútil e bem divertida. Não se tire daí que Amy Heckerling
condescende: suas personagens não cativam porque despertam pena
ou qualquer coisa assim. São adolescentes que sabem andar sozinhos
e que têm um código próprio de comportamento, sem
no entanto serem revoltados ou raivosos. São simplesmente jovens
que namoram e festejam – e a diretora os põe todos a fumar maconha
em uma festa, sem que isso seja malvisto, algo bastante corajoso para
os politicamente corretos anos 90 – com ardor e inocência típicos
da idade.
O caso é que
poucas pessoas têm conseguido fazer esse típico, esse natural;
poucas conseguem conquistar a simpatia sem causar pena ou fugir do modelo
liçãozinha para a juventude no final. E o mérito
de Amy Heckerling. reside exatamente aí. Não sendo
nenhuma obra-prima, seu As Patricinhas de Beverly Hills é
puro deleite.
Juliana Fausto
|
|