(Publicado em O
Pasquim número 33, de 5-11 de fevereiro de 1970)
A entrevista de Rogério Sganzerla
e de Helena Inês marca a volta das entrevistas esculhambadas d’O
Pasquim. Esculhambadas no sentido da linguagem e da esculhambação.
Rogério, um dos caras mais importantes do novo cinema brasileiro,
fixa sua posição diante das coisas que estão acontecendo
com uma franqueza que só pode ser comparada com a de Helena Inês,
sua mulher.
Sérgio Cabral – Por que a guerra
com o cinema novo?
ROGÉRIO SGANZERLA – Eu sou contra
o cinema novo porque eu acho que depois dele ter apresentado as melhores
ambições e o que tinha de melhor, de 62 a 65, atualmente
ele é um movimento de elite, um movimento paternalizador, conservador,
de direita. Hoje em dia, como eu estou num processo de vanguarda, eu
sou um cineasta de 23 anos, eu estou querendo me ligar às expressões
mais autênticas e mais profundas de uma vanguarda e eu acho que
o cinema novo é exatamente anti-vanguarda. O cinema novo está
fazendo exatamente aquilo que em 62 negava. O cinema novo passou pro
outro lado. Como eu estou surgindo há pouco tempo, há
exatamente dois anos, eu acho que tenho que romper também com
esse condicionamento e partir pra uma outra jogada sem saber exatamente
o que seja esta outra jogada mas, de qualquer maneira, fazendo o que
eu acho. Então eu sou um cara em liberdade o que é um
motivo de espanto pra maioria dos meus colegas de cinema, mas de qualquer
maneira eu sou uma das poucas pessoas que estou continuando a me manter
livre, o que eu acho extremamente difícil no Brasil de hoje.
Eu estou feliz porque estou mantendo minha liberdade. Agora, eu acho
que este debate aqui não deveria ser centrado no problema de
ser contra ou a favor do cinema novo, mas, principalmente, por nessa
oportunidade eu ter feito um filme, que, como direção,
é um filme extremamente simples, mas que revela um trabalho de
atriz absolutamente imprevisível e original dentro do panorama
do cinema brasileiro. Eu quero dizer que A Mulher de Todos é
um filme que revela, sem dúvida nenhuma, sem falsa modéstia,
o maior trabalho de atriz do cinema brasileiro. Eu queria que vocês
vissem o filme pra poder sentir, realmente, o trabalho de Helena Inês.
Millôr Fernandes – Quer dizer que
você está recuperando a Helena Inês? Porque ela já
era do cinema novo anteriormente.
ROGÉRIO – Não. Eu acho que
a Helena Inês sempre foi uma força original e criativa.
Mesmo quando ela fez cinema novo teve ótimos momentos como, por
exemplo, no de do Padre e a Moça, no próprio Assalto
ao Trem Pagador, onde ela faz uma vamp de filme mexicano, eu acho
que é um achado, ela se saiu muito bem.
Sérgio – Helena, você concorda
com tudo isto que ele disse sobre o cinema novo e sobre sua atuação
em A Mulher de Todos?
HELENA INÊS – Como eu te falei, alguém
me entrevistar sem ter visto A Mulher de Todos pra mim não
é nada bom. Eu acho que a minha vida mudou depois do momento
que eu encontrei o Rogério e eu concordo com isso que ele falou
do cinema novo. Eu estava praticamente intoxicada de cinema novo então
eu não conseguia fazer uma crítica ao cinema novo. Eu
estava tão dentro dele, a minha vida era aquilo e eu não
podia ter uma visão crítica. O Rogério me abriu
exatamente isto. Eu consegui ver melhor as coisas e talvez por isso,
eu acho, que fiz uma coisa extremamente bacana, que foi essa interpretação
em A Mulher de Todos. Como Rogério diz: criativa e importante.
Exatamente porque era uma novidade como se eu estivesse nascendo. O
negócio é esse: eu me atirei de uma tal forma que ficou
especialmente bacana.
Millôr – Rogério, você
definiu o cinema novo...
ROGÉRIO – Não, eu não
defini, não porque não gosto de definições.
Millôr – Mas de qualquer maneira
você deu uma definição política a partir
do cinema novo. Você classificou-o como de direita. Então,
acontece o seguinte: todo o movimento novo, mesmo que esse movimento
seja puramente individual como me parece que é o seu, que aprece,
ele começa a classificar o movimento artístico anterior
como movimento de direita. Isto me parece que traz o perigo de você
engrossar cada vez mais as fileiras de direita porque o de esquerda
e de vanguarda passam a ser somente o ultimíssimo e todos os
outros passam a ser reacionários. Isso não é perigoso
politicamente?
ROGÉRIO – Eu não acho que
é perigoso. Se fosse perigoso eu acharia interessante também.
A civilização do século XX já cansou de
cultivar o perigo, o perigo hoje é uma coisa obviamente bacana.
Talvez eu até nem goste do perigo, mas eu acho bacana. O que
eu senti foi que desse processo você tirou uma conclusão
extremamente mecânica. Você acho que o ultimo seria o melhor.
Eu acho que não porque o processo cinematográfico, o processo
de criação, (o processo de cinema não está
tão longe dos outros processos de criação), ele
vive de fases. Então, nós estamos vivendo uma fase agora
onde você pode, por exemplo, como a gente estava há três
meses atrás, falar bem da chanchada e falar mal do cinema novo.
O que era antigo em 59, a chanchada, hoje é um dado de criação,
um dado inventivo e o que era novo, o cinema novo, virou um dado conservador.
Então eu acho que faz parte da dinâmica.
Tarso de Castro – Você está
saindo pela tangente. A colocação do Millôr foi
a seguinte: tudo que não for a ultima moda é de direita.
Você, então, vai ter que diferenciar entre conservador
e de direita. Ou você aplicou mal o termo direita, ou aplicou
mal o termo conservador.
ROGÉRIO – Não, eu apliquei
muito bem o termo direita. Eu acho que não é problema
de moda, não. Basta ver os filmes do cinema novo. A gente fala
do cinema novo eu acho chato. É melhor não falar das pessoas,
nem dos criadores, mas ver os filmes. Quando você for ver os filmes
do cinema novo vai sentir o que eu estou falando. O Luiz Carlos Barreto
é um cineasta que começou produzindo o Assalto ao Trem
Pagador que era um filme, na época, relativamente importante.
Depois, junto com Glauber e Nelson Pereira dos Santos, ele eclodiu um
movimento, explodiu toda uma nova conceituação sobre cinema.
Mas, agora, o que é que ele está fazendo? Ele está
fazendo co-produção com os filmes franceses, com um cineasta
péssimo que eu não sei o nome, aliás nem vou citar
o nome pra não dar cartaz ao cara, e está fazendo filmes
com os piores cineastas do Brasil. Os piores filmes de 68 quais são?
Brasil Ano 2000, Capitu, A Vida Provisória,
quer dizer, os piores filmes quem foi que fez? Foi o Luiz Carlos Barreto.
Então, você pode notar que o Luiz Carlos Barreto significou
alguma coisa. O trabalho do Joaquim Pedro em Macunaíma
é um trabalho falso, um trabalho deturpador, é um trabalho
que não corresponde aos ideais cinematográficos. Não
dá pé, realmente, não dá pé. Você
pode notar pelos filmes.
Millôr – Rogério, talvez você
esteja assim nessa posição porque esteja falando especificamente
de cinema. eu, por exemplo, se fosse falar de Literatura não
negaria nem a obra importante de seis meses atrás nem a obra
importante de 60 anos atrás. Você, possivelmente, esteja
falando assim porque o cinema é definitivamente um arte inferior,
cuja obra-prima de seis meses atrás está definitivamente
acabada. É isso?
ROGÉRIO – Eu também acho
que o cinema é inferior. Eu não chegaria a dizer que o
cinema é uma arte, entende? Qualquer cineclubista diria: Não,
Millôr, o cinema é uma arte. Eu, inclusive, gosto no cinema
desse lado panfletário, esse lado quase vulgar, esse lado popular,
visionário, o lado que eu vi muito no cinema americano. Eu também
acho inferior e por isso faço filmes inferiores. Quando eu faço
um filme eu tenho mil problemas de subdesenvolvimento da produção
e tal, então, eu escolho o subdesenvolvimento não só
como condição, mas, também, como escolha do filme.
Enato os filmes são subdesenvolvidos por natureza e vocação.
Você falou em cinema inferior, eu faço cinema inferior,
acho perfeito. Acho que obra-prima não existe, não.
HELENA – Rogério tem uma frase que
eu acho perfeita: Eu faço os melhores filmecos do Brasil. Eu
acho exatamente isso.
Sérgio – Você acha que o Orson
Wells faz os melhores filmecos do mundo também?
ROGÉRIO – Não, mas ele fez
alguns filmecos como, por exemplo, um filme chamado O Estranho,
que eu não vi mas dizem que é horroroso.
HELENA – Você está dizendo
como produção não é?
ROGÉRIO – Como produção
e como criação. É um filme que em vez de estar
baseado no luxo e no equilíbrio do Cidadão Kane,
ele está baseado na miséria, na escrotidão dos
atores, na diferença de qualidade, técnica e de negativo.
HELENA – Eu quero ressalvar aquele negocio
que você falou aqui que você fez uma direção
humilde etc porque você é um megalomaníaco, uma
pessoa extremamente orgulhosa e faz isso de (*), dizendo que sua direção
é humilde quando é, muito pretensiosa.
Millôr – Uma vez que você tem
essa opinião, é evidente que isto será uma atividade
sua passageira, pode ser passageira de 6meses, de 10 anos, ou de dois
anos. Você quando crescer o que é que pretende ser?
ROGÉRIO – Não sei, acho que
jornalista. Eu queria fazer o que vocês fazem porque eu acho que
o quente é ser jornalista. Eu uso cinema de uma forma jornalística.
Eu também fui jornalista. Fui até repórter policial.
Eu acho que o jornal dá uma visão diferente. Quando vocês
fizeram O PASQUIM, vocês não foram fazer como qualquer
jornal subdesenvolvido, um Estado do Rio de Janeiro ou um jornal de
S. Paulo, vocês fizeram O PASQUIM. Quer dizer, já partiram
da própria limitação do jornal, da própria
sujeira do jornal pra fazer disso um negocio bacana. É o que
eu faço em cinema. Quando eu vejo um filme da Atlântida
eu acho bacana porque eu vejo lá um clima de perversão
estética. Você pode notar que eles pegam filmes americanos
de grande sucesso, filmes assim fascistas como Matar ou Morrer,
o próprio Sansão e Dalila e transformam em aventuras
com Oscarito e José Lewgoy. É exatamente nisto que estou
interessado.
Jaguar – Você leu o artigo de Glauber
Rocha neste último O PASQUIM?
ROGÉRIO – Não, eu não
li o artigo, mas eu li um outro artigo do Glauber, na "Manchete"
desta semana, que eu acho também um artigo decadente. Porque
eu acho o Glauber como ser humano uma figura fantástica, mas
no artigo ele faz uma pichação aos jovens que estão
fazendo no Brasil um cinema de vanguarda e como eu sou um cara que assumo
o papel que estou desempenhando eu gostaria, inclusive de responder
ao Glauber. Ele fala que os jovens cineastas...
Tarso – Você está chamando
o Glauber de reacionário?
ROGÉRIO – Não, eu acho um
ser humano maravilhoso.
Millôr – Deixa eu fazer uma pergunta
íntima. Você não está dizendo isto do Glauber
no fundo por uma problema freudiano. Por ele ser seu comboço?
ROGÉRIO – Não. Eu queria
explicar o seguinte: ele falou no meio da entrevista que os jovens cineastas
brasileiros estão fazendo uma parafernália tropicalista,
quer dizer, me acusando, a mim e a outros talentos, de fazerem tropicalismo
quando quem faz tropicalismo são os velhos como Joaquim Pedro
de Andrade e Walter Lima Junior. Tentaram fazer tropicalismo e não
conseguiram. Ainda nem chegaram ao tropicalismo. O que não é
meu caso, que pô, desde o inicio estava dito que não era
essa a jogada. Enato, ele falou que nós fazíamos a parafernália
tropicalista, especificamente no meu caso, que nós estávamos
refazendo o Godard de cinco anos atrás. Aquela coisa: o subdesenvolvimento
está cinco anos atrás. Agora, no meu caso, eu realmente
chupo o Godard de cinco anos atrás, quer dizer, eu faço
citações, eu não estou fazendo imitações
que foram feitas em Macunaíma e disfarçadas. Não,
eu faço bem feitas as chupações e não tento
disfarçá-las, porque eu sou uma pessoas inteligente, só
por isso. Eu nas só imito o Godard de cinco anos atrás
como o Orson Wells de 15 anos atrás, a chanchada de 25 anos atrás
e o Mojica de sempre, porque eu sou um cara apaixonado por José
Mojica Marins. Agora, se tivesse de imitar o Glauber, eu não
imitaria o Glauber de hoje do Dragão da Maldade, que é
um filme que vocês viram e conhecem, eu imitaria o Glauber de
oito anos atras, quando ele fez Barravento, que é o melhor
filme dele.
Tarso – O filme que vocês viram e
conhecem quer dizer o quê?
ROGÉRIO – Quer dizer que o filme
é um lixo. É um filme primário, um filme ginasiano,
é um filme que agride, mais pela burrice. Quando o Zé
Celso faz uma agressão é uma agressão mesmo, agora
ele me agride porque eu sou uma pessoa inteligente, entro no cinema
pra ver aquilo e não sou tão burro assim! Ver um cangaceiro
com um lenço rosa-shoking só porque o filme é colorido
é um troço que me agride fisicamente.
Millôr – Não é proposital
a agressão dele?
ROGÉRIO – Não, aquilo é
cineclubismo estetizante e baiano.
Millôr – O intelectual, por definição,
ele racionaliza. Você, como é um cara extremamente inteligente,
já pensou que estará fazendo esta coisa ou instintivamente,
o que é melhor, ou definitivamente, como me parece que é
o caso. Você sabe que esta sua atitude agressiva em relação
ao cinema novo em bloco e ao Glauber que é seu papa (seu papa,
its, do cinema) só poderá te dar lucro. Esta atitude,
ela é consciente ou inconsciente?
ROGÉRIO – Ela é consciente
porque eu não sou uma pessoa burra. Você mesmo falou que
eu sou inteligente. Falando mal do cinema novo eu me esculhambo, eu
me estrepo, é um negocio, inclusive, com um certo tom suicida,
mas também eu ganho uma projeção que me interessa.
Eu preciso jogar com isso.
HELENA – Você é levemente
oportunista, no caso?
ROGÉRIO – Não. Eu sou uma
pessoa honesta. Seu eu fosse oportunista eu iria tratar bem as pessoas
que eu ganharia muito mais, eu venderia meus filmes pra Europa. Não
vendi até agora porque eu sou um cara ingenuamente livre.
Millôr – A tua preocupação
não é do lucro material, nem é disso que estou
falando. A tua preocupação maior é do lucro intelectual
que você sabe que tirará muito maior com esta atitude.
ROGÉRIO – Não. O Glauber
disse assim: esses fulaninhos que falam mal de seus colegas. Então
ele acha que é muito imoral, dentro da moral dele, da moral do
cara que tá lá com a mulher dele, falar mal de seus colegas,
Acontece que o Joaquim Pedro é um cara bacana, por exemplo, mas
ele nunca me aceitaria como colega dele porque eles estão dentro
de uma série de quadros e não querem mexer nesse valores.
Eu se fizer um filme, já sou automaticamente uma modificação
que na interessa a eles. Então eu não sou colega deles,
porque eu não estou nessa. Se isso é oportunismo, sei
lá, minha saída é esta, meu lance é esse.
Se tá errado estamos aí, o negocio é esse.
HELENA – Uma ressalva, que pra mim tem
que ficar claro. Eu acho que politicamente o cinema novo é irrepreensível.
ROGÉRIO – Se eu tiver que escolher,
eu vou escolher dos males o menor. O cinema novo são as pessoas
mais inteligentes, mais bem informadas, ideologicamente mais interessantes.
Quer dizer, são as pessoas que me interessam. Agora, eu acho
8importante um cara como eu, sem meios nas mãos, pichar as pessoas
pra poder criar e mexer nas coisas. Eu acho que meu trabalho é
um trabalho reformista, quer dizer, eu sou um cara que tou na jogada
do cinema novo.
Tarso – Há uns sete, oito anos atrás
o Glauber fez um negócio, a chamada revolução do
cinema no Brasil. Reuniu todo o pessoal de vanguarda da época
pra criar uma imagem nova. Você não está repetindo
essa jogada contra o cinema novo?
ROGÉRIO – Não, eu não
estou repetindo, porque inclusive eu estou sozinho. Eu acho que um tabahlo
deste tipo, de projeção internacional como o Glauber fez,
ele lançou trinta caras e quem se projetou com isso foi ele.
Eu não sei se foi intencional ou não, mas foi um cara
que saiu favore3cido com isso.
Tarso – Desses trinta caras quantos valiam
a pena ser lançados?
ROGÉRIO – Pouquíssimos! Mas
no meu caso, eu não encontro pessoas na minha geração
que estejam interessadas em modificar as coisas. O cinema novo começou
em 62, em 65 ele chegou ao fim. Exatamente no momento em que ele acabou-se
e ganhou uma projeção, começou a ganhar prêmios
internacionais e se impôs como escola. Então todo cara
que aparecesse a partir dali ou ele era paternalizado ou então
marginalizado. Eu fui marginalizado. Todos os outros caras bacanas foram
paternalizados. Hoje eles estão saindo dessa. Eu não estou
fazendo o que o Glauber fez nem seguindo o que ele fez porque não
existem as condições que ele encontrou, nem esse número
de pessoas.
HELENA – Do momento que o Rogério
pichou um cara do cinema novo, o cinema novo inteiro se voltou contra
ele. Claro, porque não se pode mexer nas coisas, os casais não
podem mudar, os filmes têm que ser perfeitos, tem que tudo ficar
como estava.
ROGÉRIO –é uma ordem econômica,
social, de distribuição, é uma ordem familiar,
uma ordem estética, aristocratizante. Eu falei mal de um filme,
um filme fraco que eu não gostava. Aí eu falei pras pessoas
e elas disseram: mas como, Rogério? Você não pode
falar mal desse filme. Aí um cara falou assim: mas fulano, você
não pode esculhambar o Rogério porque ele não gostou
daquele filme, mas gosta dos seus. E o cara respondeu: não me
interessam os meus. Falou mal do meu amigo tem que se (*).
HELENA - É um esquema baiano, miserável.
Millôr – Você falou em sua
geração e eu não estou muito por dentro dela. Mas
me parece, que a sua geração que eu conheço em
cinema é você, Julhinho Bressane e Neville. De modo que
em relação ao cinema novo eles são uns matusas
perto de você. Eu tenho a impressão que não existe
a sua geração. Você é que está inventando.
ROGÉRIO – Eu quis disser a última
safra. E isso existe. Eu, Neville, Julinho. Agora, Neville e Julhinho
são paternalizados e hoje saem dessa. Eu sou um cara que fui
além, eu já de cara esculhambei.
Sérgio – Essa as atitude, como você
coloca, assim, está modificando a luta política do cinema
brasileiro. Porque o cinema novo tem uma posição e outras
pessoas que são contra o cinema brasileiro têm outra posição,
como o caso do Moniz Viana no Instituto Nacional do Cinema. Então
nesse conflito você está com o cinema novo ou está
com o Moniz Viana?
ROGÉRIO – Nesse conflito, eu estou
fazendo um cinema revolucionário. Quando o Stalin estava fazendo
da Rússia uma potência sensacional ele estava ao mesmo
tempo obstruindo um trabalho geral, internacional. Então você
pode sentir que naquele momento as opções eram dualísticas.
Você ficava com um lado ou com outro. Agora, teria sido muito
mais criativo se você tivesse feito, dentro do regime soviético,
um trabalho de modificação e de complicação
geral que é o que eu estou fazendo. Eu já escolhi o caminho
que é o caminho conseqüente da transformação
da sociedade. Dentro desse caminho eu sou incomodo. É um papel
óbvio, primário, mas tem que ser desenvolvido.
Jaguar – Mas você tem copnsciência
de que está fazendo o jogo do INC? Você tem consciência
também do que você está prejudicando o cinema brasileiro
em bloco? Você sendo um cara de prestígio vai ser prestigiado
pelo INC?
Tarso – Só pra completar a pergunta
dele: você acha que vale a pena dar essa engrossada em prejuízo
do cinema brasileiro, prejuízo da indústria?
ROGÉRIO – Eu acho que vale a pena
sim. No Brasil não existe indústria, ainda bem que não
existe. Eu não estou fazendo o jogo do INC, não. Se você
for ver cada um dos meus fotogramas você vai ver que não
tem nada com o INC. Eu não tenho nada a ver com eles.
Jaguar – Mas você está contra
os interesses do cinema novo.
ROGÉRIO – Os interesses do cinema
novo eu quero que se (*). Eu acho que o cinema novo não pode
ter esse interesses. São interesses estratificados. Não
dá, realmente não dá. Eu não estou nessa.
Fortuna – Na revista Veja da semana passada
saiu uma entrevista com o Mazzaropi em que ele se lançava contra
o cinema novo. Eu queria registrar uma certa identidade entre você,
que é um cara esclarecido, e o Mazzaropi.
ROGÉRIO – Você falou uma grande
verdade. Você pode notar que o Mazzaropi fala mal do cinema novo,
mas quando o Rogério Sganzerla fala mal do cinema novo é
outra. Existem dois níveis diferentes. Agora, as pessoas não
querem reconhecer isto então usam o argumento: o Rogério
está virando Mazzaropi. Não é isso. Como os caras
não podem defender os filmes eles atacam assim. Eu queria que
eles defendessem os filmes que são uns vexames, são ridículos,
subalternos, subservientes. Isso ninguém faz, ninguém
defende os filmes.
Sérgio – Qual é a sua posição
em relação ao INC?
ROGÉRIO –A minha posição
é indiferente.
HELENA – Independente.
ROGÉRIO – Sabe o que é? Eu
não sou uma força, eu não estou significando nada,
entende? Eu nunca defendi o INC, como eu já defendi o cinema
novo no tempo em que eu era crítico. Eu não ataquei o
cinema novo para melhorá-lo. Eu não faço aquele
equívoco do cineasta que vai analisar a classe média para
melhorar a classe média. Não, eu nem falo. Eu sou contra.
Eu estou achando que a orientação do INC, não me
interessa nem interessam às pessoas que querem fazer do cinema
brasileiro um fenômeno qualidade, de envergadura. A minha posição
é independente, radical. Eu não posso endossar a luta
nos termos que ela foi planejada pelo cinema novo porque é uma
luta inglória. Eu vou defender um negócio pra defender
outro INC, dentro do cinema novo. Dentro do cinema novo existem os mesmo
valores hierárquicos e preconceituosos que o INC. Então
isso eu não quero endossar. A minha posição é
suicida, mas é isso mesmo e acabou.
Tarso – Quando você diz assim: tudo
isto é história, não vou defender filme (*). Você
diz també, uma coisa: não vendi meus filmes no exterior.
Como só foram vendidos os filmes do cinema novo, e você
acha todos uma (*), essa aceitação geral dos filmes brasileiros
no mundo é uma (*), é um jogo político?
ROGÉRIO – Eu acho que a aceitação
agora dos filmes feitos agora é uma grande (*). Eu acho que o
cinema novo de 62 a 65 tem filmes excepcionais. O Nelson Pereira tem
filmes maravilhosos. Boca de Ouro, Mandacaru Vermelho
que é dez vezes melhor que Fome de Amor, embora ele não
saiba, Barravento é sensacional, gosto muito de Deus
e o Diabo, gosto do primeiro filme do Miguel Borges que chama-se
Canalha em Crise. O cinema brasileiro quando era feito no mato
ou na favela são os caminhos que Oswald de Andrade apontava:
no sertão ou na favela. Eram filmes extremamente interessantes
pela ingenuidade. Do momento em que o cara deixou de ser ingênuo
pra ser um pouquinho menos ingênuo se (*) todo. Deu aquela: sou
autor, vou filmar o meu universo, o meu estilo, os meus mitos, a minhas
sensibilidade. Aí o cara não tinha nem muita sensibilidade,
nem muita coragem nem muito talento. Aí virou um (*) porque o
cinema de autor, que é um fenômeno mundial, é evidentemente
um fenômeno que daqui a cinco anos vão dizer que é
uma (*). É um negócio que acabou. Serviu pra mediocrizar
o cinema. Então esses caras viraram vítimas de um equívoco
nacional acrescido do fato de que de 64 pra cá a situação
ter mudado diametralmente. Então até 64, 65, os filmes
brasileiros são muito bons, agora os filmes que conseguiram sucesso
são os piores, os de 65 para cá: Grande Cidade,
Menino de Engenho, o Dragão da Maldade. O Terra
em Transe, do Glauber, eu acho interessante, mas...
Tarso – Heleninha, você sabe que
eu gosto muito de você, não sabe? Então não
leve como pessoal isso. Mas, há no Brasil, entre o público,
o seguinte negócio: só filma mulher de diretor. Você
foi casada com o Glauber, com o Julhinho e com o Rogério. Você
fez filmes com os três. Você acha que só filma mulher
de diretor?
HELENA - É, eu acho. Eu concordo
inteiramente com Maria Gladys. Eu acho quer os diretores ficam inteiramente
apaixonados por suas mulheres e lançam elas como atrizes. Eu
acho um esquema inteiramente (*). Daí você ver as piores
interpretações do cinema brasileiro. Mulheres que não
têm nada a dizer, não interessa, não interessam
a coisíssima nenhuma e estão lá na tela. Eu sou
contra esse esquema que evidentemente não é o meu. Eu
sou uma atriz maravilhosa, premiadíssima.
Millôr – O Rogério diz que
você está começando agora com ele, que está
se revelando.
HELENA – Não, eu mudei. Eu acho
que o Rogério descobriu uma outra coisa em mim. Não que
descobrisse, eu sabia que tinha, mas nunca tinha a oportunidade de fazer.
Eu fiz um filme com o Rogério em que eu tinha uma incrível
influência, não no filme, mas no que eu fazia. E a gente
tem uma tal comunicação que um filme dele, naquele momento
também teria que ser um filme meu. E eu tive essa possibilidade,
uma liberdade incrível de fazer diabos, misérias. Como
eu te digo, você tem que ver A Mulher de Todos que é
uma outra coisa.
Tarso – Me diga o que você acha das
quatro ou cinco pessoas que têm trabalhado com você.
HELENA – Rogério Sganzerla: um louco,
megalomaníaco, fantástico, ambicioso, uma pessoa fantástica.
É mistificação, mas eu endosso inteiramente. Julinho
Bressane – que (*) pra todos. Como diz Millôr, faz muito bem.
E David Neves. São os cineastas anormais do cinema brasileiro.
Millôr – esse assunto é muito
importante. É um assunto pessoal, existencial. Vocês em
acusam de maníaco sexual, mas não é não.
Existe nisso uma conotação biológica e sexual.
Você trabalha bem com os homens com quem você se encontra
sentimentalmente? Digamos assim pra ser pudicos.
HELENA – Eu acho perfeita a pergunta. É
ingênua, grossa. Mas eu acho que não é isso não.
Eu tenho uma tal admiração intelectual pelas pessoas que
eu acho que isso poderia ser confundido com uma grande relação
sexual. Seria sempre nesse nível intelectual primeiro. Eu tenho
esse vício de achar as pessoas mais bacanas as mais desejáveis
e não as mais desejáveis as mais bacanas.
Tarso – Como diz o Intervalo, vocês
se identificam intelectualmente?
ROGÉRIO – Helena, essa é
pra você. Eu queria abrir um parênteses. Eu queria relembrar
um negócio que em deu um certo espanto aqui. Como o Millôr
se parece com a obra que ele faz e o Fortuna também. Eu queria
saber se eu também. Quando eu vejo aqueles filmes malucos que
eu mesmo não entendo...
HELENA - Mas eles não viram o teu
filme. Isso é imperdoável! É falta de cultura e
conhecimento dele.
ROGÉRIO – Eu fico pensando: será
que eu também lembro com o fortuna também lembra aqueles
bonequinhos dele? É um negócio terrível!
Millôr – Me disseram que você
gostava do Rogério porque, sem trocadilho, ele é um grande
artesão?
HELENA – Também.
Fortuna – O tarso falou que a pergunta
de que vocês se identificam intelectualmente é uma pergunta
de Intervalo. Eu acho que a resposta tem que ser a dois. Então
uma resposta pra revista Capricho.
HELENA – a minha é uma gargalhada.
Tarso – Você não precisa se
preocupar com esse negócio de se identificar ou não que
todo mundo sabe que você é bicha, Rogério.
ROGÉRIO – A única coisa que
não me chamaram até hoje foi de bicha porque o resto tudo
já me chamaram. Mau caráter, pichador.
Tarso – Eu digo por experiência própria,
Rogério, que você chega lá. Porque eu estou nessa
firme.
Jaguar – Rogério, e esta cabeleira
parecida com a do Tarso, como é que é?
ROGÉRIO – Essa cabeleira é
o lado da concessão voluntária. É o lado sórdido,
da recauchutagem. Eu fui uma pessoas recauchutada pela Helena. Eu acho
uma falta de personalidade total e ao mesmo tempo uma grande grandeza.
Jaguar- Quer dizer que quando ela te conheceu
você tinha um cabelo príncipe Danilo e tal.
HELENA – Tinha um cabelo Maracanã,
se vestia muito mal. Então nós fomos a Nova York, compramos
roupas fantásticas no Greenwich Village. Penteei Rogério.
Eu acho fantástico. Um homem inteiramente sem personalidade na
vida familiar e aquela pessoas ótima jogada pra fora. Acho genial.
Millôr – Como é que vocês
se conheceram?
HELENA - eu o encontrei há muito
tempo numa festa de Natal, dando um vexame.
Sérgio – Aquelas festa que a Leila
Diniz encontrou o Domingos Oliveira?
HELENA - Não, foi depois.
Millôr – Tem uma festa que já
é tradicional n’O PASQUIM. É uma festa de Réveillon
que foi na casa do Luiz Buarque de Hollanda em que houve uns 15 divórcios
e 15 ligações novas.
HELENA – Não, não foi nessa
festa não. Naquela festa eu estava também, mas foi tudo
perfeito. Estávamos todos. Era aquele esquema de ter namoradinho
e continuava casada. Rogério encontrei antes e estava em coma
alcóolico. Tinha acabado de botar uma placa de metal na testa.
Foi antes da festa do jaguar. Eu não fui à festa do Jaguar
porque naquela época eu estava com o cinema novo e era chique
não ir pra ficar em festas chatas. Agora eu vou voltar às
suas festas.
Tarso – Agora nós podemos entrar
na vida particular mais radicalmente. Você, Rogério, foi
casado quantas vezes?
ROGÉRIO – Eu acho que a palavra
casar é meio esquisita...
Tarso – N’O PASQUIM casamento é
o seguinte: mudou de casa já está casado.
Sérgio – Você viveu maritalmente
com quem?
ROGÉRIO – Eu maritalmente com Helena.
Anteriormente eu era um aventureiro. Atualmente eu estou ficando mais
conservador, mais sedentário, mais (*).
HELENA – Sem essa!
Millôr – Nós não fazemos
muito esta pergunta, mas no teu caso eu acho importante que para O PASQUIM
você desse um mínimo do chamado curriculum vitae.
De onde você veio? Que tipo de formação você
tem?
ROGÉRIO – Essa pergunta é
fundamental porque eu tenho uma péssima formação.
Eu sou uma pessoa de péssimas origens. Eu não tenho origens
ruins, tenho origens médias, o que é pior ainda. Eu nasci
em Santa Catarina, numa cidadezinha do interior. Não é
nem Paraíba, é S. Catarina, um lixo total. Num estado
que cultivou toda uma civilização de classe média.
Eu tenho origem italiana por parte de pai e de mãe. Eu tenho
uma grande aversão pelas minhas origens e sou uma pessoa obviamente
recalcada. Eu não escondo os mês conflitos. Acho péssimo
Ter nascido em Santa catarina e ao mesmo tempo maravilhoso porque é
muito pequeno. O Brasil no fundo é uma grande Santa Catarina.
Isso ao mesmo tempo me ajuda e me (*). É meio trágico.
Não pela grandeza mas pela pequenez.
Jaguar – Como é que você veio
pro Rio?
HELENA – Eu saí de casa aos onze
anos. Tem uma história muito engraçada que eu nunca falei
, mas vou falar hoje porque estou bebendo com vocês aqui. É
o seguinte: na infância eu fui um menino obviamente inteligente,
como você falou, meio prodígio.
HELENA - Até os cinco anos não
falava!
ROGÉRIO – é. Até os
cinco anos não falava e com sete anos escrevi um livro de contos
infantis e fui a uma tipografia e publiquei um livro de contos meus.
Chama-se Novos Contos e, lá embaixo, de Rogério
Sganzerla. Quando tinha onze anos eu estudava em colégio de padre,
aquela formação horrorosa. Padres maristas, todos sujos,
sórdidos. Depois eu saí e fui morar em São Paulo.
Morei numa pensão durante cinco os seis anos. A pensão
foi um negócio que me abriu, porque é um negócio
sórdido brasileiro. Tem aquilo que os filmes de Glauber Rocha
não tem. Um negócio totalmente visceral, sórdido.
Morando na pensão eu deixei de ser um cara preconceituoso pra
ser um cara liberal. Nessa época é que houve o grande
momento de transformação de 62, 63, 64. Depois eu fui
estudar Direito e Administração de Empresas. Duas coisas
que não têm nada a ver comigo. Administração
eu ainda fui até o fim. Direito eu larguei no meio. Eu já
fazia crítica desde os 17 anos, escrevia no suplemento literário
do Estado de S. Paulo. Tinha um cara lá que achava que
eu era bom, o Décio de Almeida Prado, que é um ótimo
crítico de teatro. Ele gostava de mim e me de uma colher-de-chá
e eu comecei a escrever. Depois eu fui redator de cinema na Visão,
na Folha da Tarde, Última Hora. Então, foi
um negócio que abriu. Quando eu fui fazer cinema tinha, apesar
de uma grande ingenuidade, uma malícia que os outros caras não
tinham. O Glauber quando pega a realidade brasileira, que é um
negócio monstruoso, ele pega de um lado conceitual. Quer dizer,
ele está indiretamente filmando a realidade brasileira, porque
ele está através dos conceitos. Ele nunca entrou nessa.
Jaguar – eu achei essa autobiografia tão
bacana que eu acho que vou perguntar para Helena uma coisa no gênero.
HELENA – A é altamente conhecida.
Quando eu soube que ia ter entrevista n’O PASQUIM eu disse: vou mentir
pra burro. Aí, Paulo César Sarraceni estava aqui em casa,
disse assim: não minta não que Maciel sabe das coisas.Maciel
não tá aqui, eu podia mentir a valer. Mas, eu tou com
preguiça. Maciel é gaúcho, mas foi pra Bahia, eu
fui madrinha de casamento dele. A gente cai de saber um, da vida do
outro. A minha vocês já estão caindo de saber. Acho
que eu não tenho que contar mais nada. Fiquei na Bahia, não
tinha nada que fazer, fiz escola de teatro. Tava fazendo Direito e escolhi
teatro [fim da frase apagado].
Millôr – As origens, diz as origens.
HELENA – Eu sou baiana. Salvador-Bahia.
Signo de gêmeos.
Millôr – classe econômica social.
HELENA – Minha família é
de alta classe média baiana. A gente vê, não tenho
mau gosto, me visto bem. Não sou nenhuma miserável da
Bahia. Depois vim pra cá, fiz o Assalto ao Trem Pagador
porque Luiz Carlos Barreto ficou deslumbrado com Glauber em Barravento.
Ele sabia que eu era muito boa atriz porque tinha visto uma peça
de teatro minha na Bahia. E até aqui foi só uma carreira
de sucessos, primeiros filmes, protagonistas, etc. Me separei do Glauber,
tenho uma filha com ele, Paloma, que é uma menina maravilhosa.
Jaguar – Quantos anos tem a menina?
HELENA – Tem nove anos. Vive comigo e a
avó. Mas não tem nenhum conflito desse tipo. É
extremamente moderna ao mesmo tempo que não é. É
sertaneja antiga, ligada às origens. Tem um tremendo caráter,
uma coisa que eu não tenho. Ela ainda não foi contaminada
por Ipanema. Continua uma menina de nove anos de idade. Tem um charme
incrível, é fantástica! Depois conheci Julhinho,
me casei, fiquei três anos casada com ele. Depois eu vi que seria
maravilhoso a gente continuar junto, mas não dava pé.
Aí me separei. Profissionalmente fiz uma série de filmes.
Atravessei todo movimento do cinema novo. Fiz o primeiro filme do cinema
baiano que foi a Grande Feira em 1960. Eu tinha 19 anos e faria
uma mulher que não podia mais ter filho, tinha que usar rugas
postiças e tal.
Tarso – Você tem 29 anos?
HELENA – 28. Sem mentir, porque às
vezes digo que tenho 18 quando estou ótima no espelho. Fiz um
filme com Julhinho. Um filme anormal como eu já disse. Acho o
Julhinho um dos bons diretores do cinema brasileiro. Naquela época
ele estava com péssimas influências, ligado a esquemas
que ano são o esquema dele. Agora ele se libertou e fez dois
filmes inteiramente fora que são: Matou a Família
e Um Anjo Nasceu. Depois eu conheci o Rogério e de repente
eu fiz uma revisão crítica em minha vida. Mina vida, porque
de uma certa forma eu vivi num mundo de idéias e isso seria minha
vida. Eu vi que essas coisas não davam pé e parti pra
uma outra. Uma outra que eu absolutamente não sei o que é,
mas que é bacana.
Tarso – Você, quando partiu de Julhinho
pra Rogério, qual foi o seu processo?
HELENA – O meu processo foi, realmente,
de cansaço de um esquema. Um esquema que absolutamente não
dava pé. Como mulher eu vi que aquele esquema não dava
pé. Com aquele esquema eu vou parar.
Millôr – Esquema é muito vago.
HELENA – São dez anos de coisas
que eu já sabia. Esse esquema, realmente, não dá
pé pra mim. Me enchia o saco. É um esquema que eu achava
que estava falido.
Tarso – Você não tem certo
domínio sobre o Rogério?
HELENA – Domínio nessas coisas que
eu acho maravilhosas. A roupa, o cabelo, a paginação total.
Isso é uma graça enorme pra mim e pra ele. Acho maravilhoso
o Rogério perguntar no restaurante: o que eu vou comer? Isso
é maravilhoso, porque é ele que está dizendo isso.
é um cara que rompeu com todos os esquemas que eu conheço
e me pergunta o que vai comer. Pergunta à mulher amada o que
vai comer. Eu acho fantástico ele perguntar: Helena, que camisa
eu vou botar? Eu quero comer carne ou peixe? Essa dependência
total que Rogério tem de mim é absolutamente maravilhosa.
Porque é radical e total.
Millôr – Existe uma discussão
aí que está se renovando agora, imbecilmente, sobre a
emancipação da mulher. Eu conheço muito bem esse
esquema do Rogério. Eu sou absolutamente submisso, me deixo levar
pra onde quiserem.
Tarso – Eu quero registrar aqui que isto
é uma mentira absoluta.
HELENA – Eu quero registrar que esses homens
são quentíssimos!
Millôr – Eu quero apenas acrescentar
o seguinte: eu faço toda a submissão com absoluta superioridade,
entende?
HELENA – Sem essa, Millôr. Eu acho
que é um esquema de dependência maravilhoso. Eu tenho um
lado sádico e protetor. Então é divino! Eu detestaria
um homem que se opor a mim nessas coisas mínimas.
Jaguar – Quando aparece uma barata, quem
é que mata?
HELENA – Eu acho que sou eu...
Tarso – Quer dizer que a fórmula
pra mulher não ser infiel é o homem ser submisso a ela?
HELENA – Que loucura, Tarso, você
juntar as duas idéias: ele me perguntar que camisa vai botar
é ser infiel? Tua cabeça é mesmo um barato. Não
tem nada uma coisa com outra.
Millôr – Helena, houve uma entrevista
da geração realidade, mulheres que falam mal dos homens,
dizendo que os homens não são de nada, e tal. Inclusive
a Ítala Nandi disse que só existem no Brasil 10 homens.
Como ela estava falando sexualmente, evidentemente, 10 homens de cama.
Citou a nós nominalmente, mas a modéstia impede que a
gente volte a citar. Agora, você acha que o homem brasileiro não
é de nada?
HELENA – Eu acho Ítala uma chata
e os homens quentíssimos. É o outro lado da jogada. Eu
não tenho nada que ver com a geração Realidade.
Acho os homens ótimos. Tenho experiências pessoais quentérrimas.
Ela, simplesmente, escolheu os homens errados.
Tarso – Que você acha da emancipação
da mulher?
HELENA – Sem essa, Tarso. Daqui a pouco
você vai perguntar o que eu acho do Governo Médici. Como
eu poderia mudar essa situação, e tal. Eu acho esse tipo
de papo totalmente óbvio e não vou responder coisa nenhuma
no gênero. Não dá pé. Ma praia de Monetenegro
a gente já sabe que não dá pé. Eu não
vou responder n’O PASQUIM o que eu acho do homem brasileiro, da emancipação
da mulher.
ROGÉRIO – Eu pressinto que os homens
brasileiros não são satisfatórios, atrapalham o
comportamento feminino. Eu acho que há uma deficiência.
É uma intuição de artista, não de um cara
experimentado porque eu não...
Millôr – Não é experiência
pessoal não?
ROGÉRIO – Não é experiência
pessoal, é visionária.
Millôr – Voltando ao negócio
de cinema que nós abandonamos pra ir pra cama. Você está
numa jogada que pretende renovar o cinema. Eu, por exemplo, sou um jornalista
e acredito que o meu papel se encerra no jornalismo. Eu acredito que
se possa fazer com o jornalismo uma profissão pra frente constante.
Você acredita que com o cinema você possa realizar alguma
coisa socialmente?
ROGÉRIO – Alguma coisa sim. Mas
essa coisa é muito pequena, mas sempre é possível.
Cada filme que você faz é diferente do outro. Cada filme
tem uma força dele.
Paulo Francis – Eu vi um filme ontem que,
apesar de ter algumas (*), eu fiquei muito impressionado.
HELENA – Qual é o filme?
Francis – Vergonha. Tem umas cenas
de guerra Hollywood B. tem uma hora lá imbecil que o sujeito
chega e diz assim: A sagrada liberdade da arte. Depois: a sagrada frouxidão
da arte. Mas o filme eu acho importante. Esse negócio de sagrada
liberdade e frouxidão da arte, o que você acha?
ROGÉRIO – Eu não te conhecia
e gostei muito do seu tom de locutor sofisticado. Eu gosto muito das
coisas que você escreve. Mas aquele diálogo eu acho que
é mal traduzido porque como está na tela eu não
entendi.
Francis – Quando aquele cara mata o outro
pra roubar as botas é ótimo, não é? É
de uma verdade absoluta. Quando a menina diz que assim eu não
vou com você e ele diz: vai ser mais fácil pra mim, também
é ótimo. Então por que aquela frasezinha? Por mais
mal traduzido deve ser por aí.
ROGÉRIO – Eu gosto muito do Bergman,
mas pensando, eu acho realmente, vexaminoso. Eu gosto do Bergman de
52, 53. Agora, sei lá.
Tarso – A helena disse que você acha
o Bergman uma (*).
ROGÉRIO – Quando você vê
um filme no barato, você valoriza aquelas coisas (*). A fotografia
fica linda, o som, que é direto, fica lindo. Agora, o filme é
uma (*).
Millôr – Você falou em suas
péssimas origens. Ora, péssimas origens não podem
ser delimitadas por uma localização geográfica.
Péssimas origens são origens de caráter teratológicos,
que a pessoas nasce defeituosa, ou são as grandes péssimas
origens, que são as de caráter econômico. Você
está sendo demagógico e Santa catarina vai ficar (*) da
vida com você.
ROGÉRIO – Eu acho que essa demagogia
me auxilia. Ela me ajuda a compreender um negócio interior. Eu
preciso desesperadamente dessa demagogia pra poder me entender. Não
são as grandes péssimas origens, são as pequenas
péssima origens que são realmente as péssimas origens.
Francis – Você está fazendo
cinema como um negócio auto-suficiente em que você se realiza
como pessoa, como profissional? Ou você acha que esse negócio
não tem nenhum sentido e que é apenas um instrumento pra
você dizer as coisas?
ROGÉRIO – Você é uma
pessoa inteligente. Eu sou uma pessoa mediana. Eu acho que o cinema
não me realiza e ao mesmo tempo me realiza um pouquinho. Falar
de cinema nacional é diferente de falar de cinema em geral. Então,
quando eu falo em cinema nacional, eu quero dizer que eu não
estou realizado, mas estou um pouquinho. Naquela mesma situação
do sambista que coloca um samba e tal, e se (*).
Tarso – Ele fala isso olhando pro Sérgio
Cabral.
Francis – Não. Termina a minha pergunta.
ROGÉRIO – Eu não me realizo
porque eu acho que o cinema brasileiro hoje, é um fenômeno
estratificado, desinteressante. Eu acho que o público só
se enche o saco com pequeninas coisas que só interessam ao diretor,
não muito ao diretor e nada ao público. Eu não
estou realizado nem quero estar realizado. De qualquer maneira a saída
é essa. Fazer cinema é péssimo no Brasil de hoje,
mas a minha saída é essa.
Francis – Você pega por exemplo um
filme como Os Companheiros. É um filme acadêmico,
bem feito dentro daquele esquema. É um filme que você sentia
na platéia uma reação fantástica. Eu não
tenho nada que ver com o Partido Comunista em primeiro lugar. Estou
(*) pros partidos comunistas do mundo, que vão pra (*) que (*).
É o meu manifesto. Eu acho a coisa mais reacionária que
existe no mundo é o PC, mas isto é outra coisa. Mas de
qualquer maneira tinha o Marcelo Mastroianni, magnífico no filme,
tem cenas belíssimas, etc. Agora, você pega o Warhol, o
pessoal do underground. Eu vi vários, não tive
nenhuma reação, talvez por falta de familiaridade. Quando
você faz um filme que tipo de coisa você objetiva? Você
quer este tipo de comunicação, onde você pode dizer:
e quis dizer isso? Por exemplo: eu sou jornalista. Quando eu faço
um artigo eu quero dizer uma determinada coisa e quero que as pessoas
entendam ou, então, eu quero dar uma que (*) que não entendeu,
mas eu quero dar aquela. Eu quero saber a sua versão.
ROGÉRIO – Eu acho que quando você
é jornalista você faz o que quer, as quando você
é cineasta, você não faz o que você quer.
É uma grande complexidade. Cinema, mesmo que você faça
no Paraguai é difícil pra burro. Eu faço (*) pro
cinema, sempre gozam do aquela coisa que eu estou fazendo. Procuro sempre
ironizar na linguagem do filme. Mas aquela coisa que você consegue
como jornalista, como diretor de cinema é muito difícil.
Especialmente cinema subdesenvolvido, ridículo, e tal. Isso que
você falou eu acho perfeito porque isto que você está
procurando é um negocio que você consegue fácil
com o jornalismo. Eu pego a máquina de escrever, eu acho maravilhoso.
Eu faço tudo quem eu quero, eu pego as palavras e transformo,
faço o diabo. Agora, pra filmar é difícil. Principalmente
no cinema brasileiro. Então eu me (*), eu me jogo. É um
negocio terrível, é uma experiência de suicida e
ao mesmo tempo é medíocre, não leva a nada, não
resolve (*) nenhuma. Eu acho que a grandeza do cinema está baseada
nessa grande dificuldade. Eu tenho um grande prazer de sentar numa máquina
de escrever. Outro dia, eu fiz um artigo pra revista "Shell".
Mas pra fazer cinema, não existe essa unidade semântica
que é a palavra.