No
Écran, o Pornógrafo
São Paulo Shimbum, 25 de maio de 1971
jairo,
antonio lima, callegaro, carlão, candeias, trevisan,
renato grecchi... e umas tetéias anônimas
A
coluna não é mais porta-voz da Boca. O tempo é dos
esquizofrênicos. Caos mental. Atormentados, os diretores só
vão à Boca pra saber quando é que o INC vai dar o
certificado, quando é que os filmes vão sair das prateleiras.
Veja aí quanto é que me cabe desse borderô, anda logo,
não estou com tempo pra perder aqui.
Reflexos
do caos. O filme que abriu a dita boca (atenção Alex Viany:
hoje, e por que só hoje?, estou fornecendo dados do cinema de SP
pra História desse CB que nunca sai da estaca zero) foi indiscutivelmente
O Bandido da Luz Vermelha, que agora volta no cine Niterói
nas sessões das 5 da tarde. A boca começou no fim – o cinema
acadêmico americano, Welles, Lang, Fuller, Hawks, Hitch, euforia
agora desvanecida. Se o Bandido abriu a boca, Orgia fecha,
ou inicia uma fase sem rótulo e mais original. Cinemanônimo.
Sem aquela de colonialismo. JS Trevisan surgiu como coveiro dos talentos
forjados, dos compiladores. Por isso filmou seqüências no cemitério
onde estão Fidalguinho e seu pai, bem como Mariguela e outros.
Funeral da velharia. Bandidos e líderes agora são vermes,
personagens de Mojica Marins, Ritual dos Sádicos e Finnis
Hominis, dois marcos inéditos do silêncio bucal. Filmes
como Filho da TV, Gamal, Churrasco de Mãe
reforçaram a boca, mas não decidiram seu destino. Profeta
da Fome deveria ser relançado (até hoje não vi,
mas tenho a impressão que deve ser decisivo). Audácia!
é uma gozação com tudo isso – e a gozação
no episódio de Reichenbach leva à loucura, hoje realidade
na boca esquizofrênica.
Imperturbável,
Candeias sempre foi caso a parte, o mais original, brasileiríssimo
– A Herança vem aí pra provar. Quem mais?
Pois
é, João Callegaro e O Pornógrafo, finalmente
em cartaz a partir de hoje nos cines Augustus e Marachá, circuito.
O colega Callega que picha pichadores compila compilações,
agora consagrado pelo Biáfora! Sganzerla com A Mulher de Todos
já estava noutra. Mas há quem usa o mesmo terno durante
40 anos. Sganzerla e Callegaro nasceram em Joaçaba, interior barra-pesada
de Santa Catarina. Estive por lá quando da filmagem da Guerra
dos Pelados. Deu pra sacar porque ambos se preocupavam com o "mito
do gangster". Daí porque O Pornógrafo tem o
mesmo nível do Bandido: linguagem americana deglutida pelos
gangsters daqui. O mesmo brilho, a mesma mise-en-scène, travellings
e cortes secos de grande impacto, ritmo interno perfeito. O mesmo nível
qualitativo. Grunewald que fique com as diferenças.
Novembro-70.
Carlão Reichenbach. Percival e eu chegávamos de uma fria.
Lua de Mel em Alta Tensão, filmado em São Lourenço.
Rogério me diz de passagem que o título O Pornógrafo
é dele. Zé Carlos Cardoso tinha outro motivo pra dar um
soco na cara do Rogério. Em seguida Callegaro me convida pra fazer
o roteiro junto com ele. Uma semana de discussão, algumas idéias
boladas no velho jipe de guerra de Callega em pleno trânsito. 30
páginas datilografadas. Passou um mês e Callega tomou uns
pileques, resolveu reinventar tudo; trabalho em cima do trabalho leva
à depuração. Entrou num esquema sensacional com Stênio
Garcia (aguarde os prêmios, Stênio), os diálogos improvisados
na hora da filmagem. O ator personagem, laboratório feito na hora,
envolvimento, reflexos rápidos, corta. Silvio Renoldi teve muito
menos trabalho na montagem do que com o Bandido.
Antes
do Pornógrafo, Callegaro tinha feito O Suspense,
excelente curta sobre Hitchcock; depois fez jingles. Um próximo
longa será a prova de fogo de Callegaro. Do que gosto e não
gosto em O Pornógrafo não devo falar aqui, análises
é com Sérgio Augusto, Renato Petri etc. Não percam
O Pornógrafo. Obrigado.
Jairo Ferreira
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