O
Acordo,
episódio de
Trilogia do Terror
Durvalino
de Souza e Lucy Rangel em O Acordo de Ozualdo
Candeias
O Acordo
é um filme interessantíssimo. Mas é difícil
falar sobre ele sem mudar de assunto.
O filme tem, para
abrilhantar seus créditos, a fotografia de Peter Overbeck e a montagem
de Silvio Renoldi, e tem também uma trilha sonora incrível,
importante inclusive narrativamente, pois alguns dos embates dramáticos
se delineiam a partir do conflito entre diferentes estilos sonoros, para
caracterizar as intenções dos personagens.
É um filme
que tematiza um certo satanismo, onde uma mulher faz um acordo com uma
figura diabólica (que se parece com um playboy transviado, e que
tem como tema musical um rock modernoso, à época), em que
ela, para proteger sua família, precisa oferecer uma virgem para
o estranho diabo. O que mais fica evidente no filme é a preocupação
ética e moral do cineasta, que, se já estava presente em
A Margem e estará presente também em seus demais
filmes, neste aqui é posto como tema central, em que religiosidade
e fé são discutidas com propriedade e, no entanto, um imenso
bom-humor, como fica explícito no final. A volta de Cristo à
terra para se ver decepcionado com a humanidade é vista com uma
certa amargura, mas também com grande ironia.
O que nos faz
ir além ao discutir o filme e nos obrigar a não nos atermos
a ele é sua característica de fazer parte de um filme em
três episódios. Se o episódio de Candeias é
sensacional, o seguinte, de Luís Sérgio Person, só
pode ser analisado com platitudes e superlativos. Trata-se da obra-prima
Procissão dos mortos, em que o diretor, aproveitando-se
do fato de estar acompanhado de Candeias e Mojica num filme pretensamente
de terror, tematiza a luta armada, em pleno ano de 1968, colocando na
tela grande o rosto de Guevara morto. Num povoado pobre, cria-se o medo
de que a ilha das proximidades tenha sido tomada por guerrilheiros, o
que amedronta os habitantes do lugar (afinal, é só um filme
de terror...). O filme de Person é profundamente subversivo, como
indica a canção que se ouve de um personagem do vilarejo
("Aonde vai o valente?/ eu vou pra linha de frente). Sua última
imagem é de uma força inigualável, um desses momentos-marco
da cinematografia.
Nesse contexto,
perde o filme de Mojica, Pesadelo Macabro. O grande cineasta faz
um filme dos seus, tematizando medos profundos, no caso o medo de ser
enterrado vivo, com o humor e o exagero que lhe são próprios.
No entanto, antecipado que foi por um filme profundamente trangressor
na questão religiosa (Candeias) e um filme subversivo e guerrilheiro
(Person), nota-se como é inofensivo o cinema de Mojica. Lidando
com medos obscuros, assusta as meninas e faz a alegria dos cultores do
cinema "camp", mas, mesmo que Mojica seja muito mais que isso e esteja
a anos-luz dos seus recentes bajuladores, percebe-se que seus filmes podem
assustar ou fazer rir, mas não marcam a ponto de transformar idéias
(com a possível exceção de O Despertar da Besta).
Seu culto faz
jus a um artesão de primeira, profundamente bárbaro e nosso.
Mas também satisfaz a intenção daqueles que querem
restringir a ação do cinema à hora e meia na sala
escura, o que é sempre um perigo.
Mas deixemos,
já fugi demais do filme de Candeias que motiva este artigo, e que
por si só já valeria a visita a Trilogia do Terror,
não tivesse essa obra tantos outros motivos para ser vista.
Daniel Caetano
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