Manelão
ou Caçador de Orelhas
roteiro de Ozualdo Candeias
É
de conhecimento geral que Ozualdo Candeias não precisa de roteiros
pra filmar. Seus roteiros não são em nada um arcabouço
do filme, mas simplesmente um ponto de partida, algo prévio às
filmagens para simplesmente guiar o diretor enquanto ele tem seus achados
no momento da filmagem. Em relação ao filme Manelão,
esse roteiro guarda diversas diferenças, entre elas a diferença
fundamental de nascer a figura do matador a partir de uma doença
venérea, e não de um código de honra intrincado.
Escrito sem preocupações literárias mas com figuras
de expressão notáveis os eventuais erros ortográficos
foram corrigidos , o roteiro de Manelão é,
além de uma leitura interessante, é um recurso importante
para o estudo do cinema de Candeias. (R.G.)
Manelão, o Caçador
de Orelhas
*
* *
Relação de personagens
Personagem Ator
Manelão
Branca
Mulata
Valente
Manguaça
D'angola
Peão/amigo
Sobrinha/peão
Capataz
Dona do bar
Mz I
Mz II
Mz III
Menino aleijado
Menino 10 anos
Noivo
Cantador
Cantador II
Cantador III
Mãe dos meninos
Fazendeiro/'dang
Fazendeiro p/morrer
Filho fazendeiro
Filha/fazendeiro
Mulher/fazendeiro
Empregada/fazendeiro
Cabo da captura
Sargento/captura
Soldado I
Soldado II
Soldado III
Doutor/raia
Gazetinha
Figuração I
12 retirantes de fazendas de policultura, de ambos os sexos e já
velhos.
Figuração II
5 indivíduos com cara de pinguços, e meio pinguço
parado lugarejo.
Figuração III
8 mulheres para casa de zona pobre e cinco fregueses
Figuração IV
6 mulheres de boa aparência, para a zona melhorada, e 4 clientes
na mesmas condições.
Figuração V
7 mulheres, sendo duas muito bonitas. A mesma quantia de clientes, também
alguns mais ou menos de boa aparência.
Figuração VI
15 pessoas de ambos os sexos p/ espectadores numa carreira de cancha reta.
Figuração VII
15 pessoas para um rodeio médio, sendo na maioria homens.
Figuração VIII
5 peões de 25 a 50 anos. Enterro do matador.
Figuração IX
3 homens para serem colocados no trem por três soldados.
Figuração X
5 indivíduos para soldado da captura
Figuração XI
10 peões na fazenda do dr. de tal, e quatro pessoas.
Figuração XII
5 mulheres, 4 homens, 5 crianças, para o casamento.
Resumo do argumento
Manelão ou
Caçador de orelhas
Manelão, ou Caçador de orelhas:
Seria mais ou menos a história de um marginal rural que não
soube como e onde nasceu, e muito menos de quem. Isto é, nunca
ouviu falar dos seus pais. Aparentemente o seu passado, ou a sua origem
não fizeram parte das suas poucas preocupações. ...num
dia qualquer, já entrado pela meia idade alguns acontecimentos
vieram modificar a sua vidinha de jagunço independente.
Manelão voltava de uma das suas empreitadas
macabras e ao passar por uma porteira do seu caminho, foi surpreendido
pelas balas das armas de um tocaieiro, Manelão portava um par de
orelhas que valiam uma boa quantia, coisa que alguns dos seus colegas
estavam ao par. Manelão conseguiu escapar com vida e sem ferimentos,
somente o cavalo morreu. Manelão vasculha o local da tocaia e passou
a ter algumas indicações sobre o tocaieiro: Gostava de manguaça,
fumava cigarro de palha bem reforçado, etc... etc...
Ombreando o arreame e seus pertences botou
o pé na estrada. Passando por uma sitioca parou para pedir água.
Havia uma discussão lá dentro, uma moça muito branca
apareceu, estava desarrumada e rasgada ao ver Manelão arruma-se
a pouca roupa que lhe resta, sem se preocupar com o presente. Este lhe
pede água. Voltando com a dita e acompanhada de uma velha mulata
que encarou Manelão, parecendo conhecê-lo ou querendo dizer
alguma coisa.
Com suas tralhas às costas chegou
a um lugarejo e num boteco entrou para umas e outras. No boteco ficou
conhecendo um cidadão muito valente de quem tomou o cavalo, depois
de uma rápida briga de rasteira e manotaço. O valente reclamou
a polícia local que lhe designou um soldado para a busca do agressor.
Encontraram Manelão junto de alguns retirantes que esperavam o
trem em uma estação pequena.
O soldado ao ver Manelão arrumou algumas
desculpas para não ter que tentar prendê-lo, pois já
o conhecia de outras quebradas, e convenceu o valente a se conformar.
Numa casa de zona de meretrício local Manelão ficou sabendo
que havia chegado uma captura comandada pelo "Tenente D'angola", quanto
a esta Manelão não teve maiores problemas em chegar ao seu
destino. Entregou a "documentação" aos seus contratantes.
Junto com o tal de Manguaça, Manelão
pegou o serviço de apagar ou "pagar" alguns sitiantes que incomodavam
um certo doutor . No primeiro trabalho Manelão teve pequena participação,
pois Manguaça gostava muito do tipo de trabalho que fazia. No segundo
ou terceiro serviço Manelão se viu um pouco embaraçado
com as vítimas, talvez estas lhe lembrassem do seu passado distante,
o que não passou despercebido pelo seu companheiro. As vítimas
no caso eram uma mulher e seus dois filhos menores, sendo um aleijado
e tocador de sanfona. Diante da indecisão do companheiro Manguaça
se propõe a fazer o serviço, desde que Manelão lhe
pague. Manelão não apreciou a proposta, e entende-a como
um deboche. Enquanto o matador perambulava pela viela do seu passado ouve
alguns tiros. Uma mulher morrendo. Um menino fugindo, outro sendo alvejado
juntamente com sus máquina de fazer música. Manguaça
de arma na mão e carregando-a, foi chamado calmamente para um lado
pelo seu companheiro de que ouviu algumas advertências ou ameaças.
...acho que você vai morrer. Primeiro por ter me atocaiado para
me roubar a orelha. Quer dinheiro vá se arriscar. Segundo, não
gosto que ninguém se meta nos meus assuntos, Manguaça tenta
reagir mas não dá tempo. O cavalo do defunto ou quase, foi
desvencilhado e solto. Manelão monta e se põe em marcha.
Numa estação ferroviária, já à tardinha,
Manelão soltou o seu cavalo, depois de ter jogado os seus apeiros
em um canto qualquer, toma o trem que está de partida. Numa outra
estação qualquer distante daquela Manelão acordou
com a bulha de uma patrulha militar embarcando alguns presos manietados
e pialados. Com o trem em movimento Manelão deixa o seu vagão.
Depois de ter caminhado parte da noite e parte do dia seguinte, chegou
a um povoado pobre onde se realiza um rodeio, encontra um dos seus velhos
colegas regenerado ou degenerado.
O colega se prontificou a tentar um emprego
p'ra ele numa fazenda. Pondo em contacto com o capataz que mantiveram
uma conversa comprida, e no dia seguinte foi apresentado para o tal de
"doutor fazendeiro". No momento em que os três acertavam os detalhes,
um grupo de piões carregando uma rede ensangüentada com alguém
em seu bojo. Um dos seus peões tira de dentro da rede um cinturão
com os revolveres e uma "Papo-amarelo" e entrega ao doutor. 0 fazendeiro
pega os objetos, examina, e devolvendo o cinturão e os revolveres,
retendo consigo o "papo-amarelo" enquanto diz: – Não fico com o
que não me pertence. E joga a carabina para Manelão dizendo
que a vaga do ocupante da rede é dele, e acrescenta desejos de
melhor sorte.
Manelão fica um tanto indeciso. 0
doutor percebe e não querendo forçar a barra retira o "papo-amarelo"
da mão do Manelão. Manelão que andava pensando seria-
mente em deixar a profissão de matador. Nesse momento são
envolvidos por uma bulha. Voltam as atenções para a porteira
central. Uma patrulha de captura passa pela mesma vindo em direção
ao grupo.
Manelão e doutor entreolham-se e se
entendem. Toma a carabina da mão do doutor e junto com o capataz
entram naturalmente na casa da fazenda e saindo logo em seguida pelos
fundos, em quanto o tenente D'angola é recebido festivamente pelo
doutor, fazendo diversas perguntas sobre a situação, e a
política lá da capital, o tenente no momento esta querendo
saber sobre o ocupante da rede, e dos futuros ocupantes da mesma.
Neste mesmo dia Manelão acertou os
detalhes com o capataz para a nova empreitada. Onde seria, quem e quando,
não sendo esquecido o preço do serviço. Manelão
recebe montaria, matula e munição. Na noite desse dia havia
um bate saco na casa de uma mulher lá pelos lados da zona. No arrasta-pé,
dançou e bebeu. Para a sua surpresa a dona de casa era a sua velha
conhecida, a moça branca que lhe dera água à porta
da sitioca. A mulata velha, sua dama de companhia, procurou uma maneira
de conversar com Manelão. Na conversa, falou de um seu conhecido
morto juntamente com a família, menos um que parece ter conseguido
fugir.
Foram todos mortos por questão de
terra. O conhecido disse à velha mulata, era a tua cara... Manelão
calmamente procurou saber o nome dos matantes, defuntos e onde tudo isso
aconteceu. A mulher ainda andava boa de memória e lhe deu todas
as indicações mais ou me- nos precisas. Depois de tomar
algumas champanhes a convite da dona da casa (a moça branca), Manelão
antes de terminar o baile deixou o recinto. Depois de caminhar e escolher
um local seguro para esperar a sua vítima, se pôs a pensar:
Tinha vontade de não executar a empreitada mas, ao mesmo tempo,
pensava na responsabilidade e honras de um matador de confiança,
como era o seu caso. Enquanto empenhava-se nessa luta interior apareceu
a vítima ...a vitima tombou com um tiro certeiro, e naturalmente
ficou sem as orelhas. Manelão antes de regressar para a entrega
dos documentos passou pela região indicada pela velha mulata e
procurou pelo doutor de tal... encontrou-o em sua cadeira de balanço,
confortável, e que ali na casa do doutor tudo era bonito e confortável.
Manelão procurou o doutor pelo nome e este respondeu ... morreu
se balançando. Desencadeando em Manelão tal fúria
que foram morrendo pelas balas das suas armas: mãe, filha, filhos,
netos, cachorros, papagaios, empregados... apesar de haver muita gente
na casa, o fator surpresa favoreceu o matador. Matou quem achava que devia
e até quem não devia e ainda conseguiu falar com alguns
jagunços do doutor no seu rastro... Manelão pensou em oferecer
resistência a seus perseguidores, mas não o fez porque pretendia
ainda cumprir o seu contrato ou melhor a sua palavra... entregar as orelhas,
pois havia recebido o pagamento adiantado. Tocos sabiam que ele não
costumava faltar com a tal de palavra.....
Manelão
ou
caçador de orelhas
C.1... caminho - toco...... dia
Um cara atrás de um toco, pára de atirar e recarrega o seu
38 cano longo. Verifica que a munição é a última.
Com muito cuidado espia por cima do toco e vê a uns 50 metros, um
cavalo encilhado, estendido no chão... parece morto. Por trás
do cavalo parece haver alguém também espichado e talvez
morto. O cara, depois de alguns instantes de indecisão, deixa o
local, de maneira um pouco felina.
C. 2... caminho - porteira...... dia
Saindo de junto do animal agonizante, Manelão de arma na mão,
aos poucos, se descobre. Levanta e começa a andar na direção
de onde partiram os tiros. Lembra-se de alguma coisa, e volta ao animal
retirando da sua cela um picuá sujo de sangue, e o amarra à
cinta.
C. 3... caminho - toco...... dia
Junto do toco não encontra ninguém, nem morto, nem vivo.
Entretanto, encontra restos de matula, pontas de cigarros de palha, garrafa
de cachaça vazia e um resto de frango, que passa a comer. No toco,
algumas incrustações de bala 38.
C. 4... caminho - porteira...... dia
Sem reação ou qualquer manifestação, Manelão
atira na cabeça do cavalo. Resmungando por ter que continuar a
pé, desencilha o defunto e com os apeiros às costas, bota
o pé na estrada.
C. 5... colônia - uma das casas......
dia
Um cavalo turbiano, com arriamento à mineira amarrado à
porta. Manelão descansa a sua carga e namora o animal. Ecos de
uma briga no interior de uma casa passam a ser ouvidos. Manelão
presta atenção e entende algumas ou a razão de alguns
insultos - ...trata-se de alguém feminino que não corresponde
às exigências de alguém masculino... Aparece na porta,
tendo escapado de lá de dentro, uma moça muito branca e
muito bonita, meio rasgada. Manelão pede uma caneca de água.
A moça, que não mostrou surpresa com a presença do
estranho, pensa um pouco. Repõe a sua roupa, que não é
muita, nos devidos lugares, e torna a voltar para dentro, depois de ter
ouvido um "quem é que tá aí?". A caneca
vem mas não na mão branca da moça, mas sim, na mão
enrugada e quase preta de uma mulata velha e feia, mas que já foi
bonita (admite-se pelo que sobrou dos verdes anos...) a velha mostra surpresa
e curiosidade ao observar atentamente Manelão engolir a água
da caneca.
C. 6... entrada da cidadezinha...... dia
Manelão com sua tralha, passa por um cara estendido no chão
e logo mais à frente, passa por outro. Ambos parecem mais mortos
que bêbados. Os caras apresentam alguns ferimentos misturados com
a sujeira que os envolve.
C. 7... boteco - frente...... dia
Manelão com sua tralha, examina alguns matungos encilhados e, na
porta do boteco, descansa os apeiros e entra.
C. 8... boteco - interior...... dia
Manelão chega ao balcão e pede "uma" pra uma mulherona
que se encontra atrás do mesmo. Manelão pergunta sobre os
caras estendidos no caminho... a mulher pensa um pouco e depois pergunta
pela data... alguém responde o dia do mês e da semana...
a mulher sem muita clareza responde que já está na época...
Manelão bebe a "uma" numa golada. Entra nesse momento
um cara cambaleante e maio assustado, que se dirige à mulherona
a quem fala no ouvido, e depois se manda como pode. A mulher se retira
e depois volta ocultando alguma coisa, numa gaveta ou no seu avental...
entra procurando ser visto, um sujeito com cara de valente e as atitudes
de praxe pede umas e outras e acrescenta "sinão..." a
mulherona saca mais ou menos rápida e decidida, da gaveta, um garruchão
que apontando p’ro valente pergunta... – senão o quê?...
senão eu não bebo... responde o valente. Manelão
começa a deixar o local, mas é interpelado pelo cara que
quer saber por que... se é por medo ou porque ele tá fedendo...
Manelão olha mas não responde, e continua. Outros fregueses
começam a se picar...
C. 9... boteco - frente...... dia
Chega Manelão e começa a namorar o cavalo do valente - um
turbiano, talvez aquele que Manelão vira saindo do casebre ma moça
branca. Fregueses de manso, se distanciam. Chega a volante que mostra
não ter gostado da atitude dos presentes. Num salto monta seu cavalo
e com ele ou as suas patas, obriga o pessoal a volta. O pessoal volta
e entra no boteco. Manelão recebe ordens de entrar, mas não
entra, e diz ter gostado do "turbiano". O valente apeia e parte
pra cima do Manelão aos empurrões... há uma briga
de rasteiras e manotaços. O valente deixa de ser o mesmo. Manelão
desencilha o turbiano diante do silêncio do valente, e bota a sua
tralha. O valente em silêncio se afasta, procurando não ser
visto.
C. 10... delegacia - frente...... dia
Valente se aproxima e entra na delegacia. Na frente encontram-se pessoas
que buscam providências. Acompanhado de um soldado, sai o valente
que sugere uma direção, mostrando com a mão.
C. 11... estação ferroviária......
dia
Manelão ao passar por um grupo de pessoas, com jeito de retirantes,
pára, pois reconhece a moça e a velha, mesmo sem apear...
pergunta para onde vão. A velha explica mais ou menos que foram
dispensados, todos os presentes, por não servirem mais... A velha
meio amedrontada fala da aproximação do soldado e do valente.
O soldado diante do Manelão se intimida, pois mostra já
conhecê-lo de outras quebradas. Confiando no soldado, o valente
diz alguns desaforos aos retirantes em seguida se encaminha para a moça
e começa a "abusar" dela, quando o soldado se aproxima
dos dois e deixa claro a sua incompetência, recomendando cuidado.
O valente não se conforma mas também não tem ânimo
para mais coisa alguma... Manelão continua sua caminhada...
C. 12... rua - zona... dia.
Manelão passa por uma mulher e esta aceita a jogada proposta...
Manelão, com habilidade, sem descer do cavalo, bota a mulher em
cima do mesmo, e continua a caminhada.
C. 13... casa da zona - sala...... dia
Manelão com a mulher, sentado numa mesa, toma cerveja... numa outra
mesa meio abandonado, um cara castiga uma sanfona... a parceira de Manelão
pede p’ra ele tocar uma determinada moda. O cara começa a tocar
e depois outro se aproxima e começa a cantar. O mulherio se aproxima,
umas vestidas, outras quase despidas... (OBS:f.gaudério) todas
elas se entusiasmam com a letra da música por razões, talvez,
fossais. Manelão manda soltar o seu cavalo e trazer a sua mala.
C. 14... casa da zona - sala...... noite
Mulher se levanta para a tal da higiene e faz algumas perguntas sobre
a mesma a Manelão, que responde estar viajando há muito.
A música continua lá fora. A mulher pergunta se vai passar
a noite, ao que responde Manelão afirmativamente. A mulher sai
para pedir mais cerveja, quando ouve alguém que chega.
C. 15... casa da zona - sala...... noite
Mulher pedindo cerveja, quando ouve alguém dando a notícia
da chegada à cidade de uma "captura" comandada pelo tenente
d’angola. Os músicos diante da notícia, começam a
botar as suas violas no saco. A mulher volta para o quarto.
C. 16... casa da zona- quarto...... noite
Mulher chega com a cerveja. Quando Manelão começa a beber,
a mulher pede com jeito uma nota, a correspondente a seus serviços,
como precaução... atendida, meio de má vontade, ela
de boa vontade dá a notícia da chegada do tal d’angola à
cidade. Manelão até se engasga com a cerveja. Muito puteado
com a gozação e precaução da mulher, se levanta.
A mulher se manda pra fora do quarto meio pelada. Porque o que ela vestia
ficou ma mão do Manelão.
C. 17 passagem de um rio...... dia
Manelão a cavalo atravessa o rio. Mais dois colegas incontinenti
temem posição, visto qe o rio é de difícil
travessia. Chega a captura composta por uns dez soldados e junto o valente,
como guia. A captura é recebida a bala e insultos a alguns desafios.
Alguns soldados acabam se ferindo. Anoitece. O tenente resolve suspender
o fogo.
C. 18... paisagem "A"...... dia
Os três jagunços na disparada se separam. Continua Manelão
que diminuindo a veolcidade paulatinamente, pára e passa a olhar
a paisagem.
C. 19... cancha reta...... dia.
Um lenço branco baixa rapidamente, Dois cavalos disparam no meio
de um alarido intenso. Um cavalo turbiano acaba chegando primeiro. Os
jóqueis são dois guris. Manelão corre alegre para
o seu cavalo. Chega mais gente. Um cantador desgüela numa toada alusiva
ao cavalo ganhador. No local, Manelão avista a branca moça
em companhia da mulata, ambas muito bem vestidas e muito posadas. Ambas
olham para Manelão. Na euforia da ganhação ele se
aproxima delas, mas antes que possa lhes dirigir qualquer gesto ou palavra
é seriamente impedido, coo também é de qualquer ação.
Seguindo um dos caras do impedimento, Manelão chega a um cidadão
respeitável e respeitado (pelo jeito) junto com uma senhora da
mesma laia, além dos seus acompanhantes também com semblantes
respeitáveis. As duas damas por causa do ocorrido, são convidadas
a embarcarem num trólei ou carro (época), e com elas um
cidadão não tão respeitável, que tenta parecer
marido de alguém... (cantador continua cantando)
C. 20... casa da zona - B - sala...... noite
Cantador cantando e outro tocando (?), no meio de algumas mulheres "de
luxo". Do meio delas sai uma mais velha que se dirige à porta.
Há no local, também, uns três fregueses, também
"de luxo", e mais um sujeito com cara canina. A mulher abre
a porta e tenta impedir Manelão de entrar. A música continua.
A mulher na olhada p/ o canino se desobriga. Manelão percebe-se
deslocado e mal chegado, porém não se retira. Aparece servindo
as bebidas solicitadas (champanha) à mulata velha. Depois de servir
se aproxima de Manelão para saber se ele quer alguma coisa. Com
jeito, a mulata olha muito para ele, o que faz toda vez que o encontra...
Manelão quer cerveja... a casa não serve cerveja, responde
ela sem jeito. A velha deixa a mesa de Manelão e se encaminha para
um quarto.
C. 21... casa de zona - B - quarto da branca......
noite
A mulata ajuda a branca a se vestir, enquanto um professor revisa alguns
cadernos com lições rudimentares. A mulata pergunta sobre
os progressos da moça. O professor responde enigmático.
A moça olha com um sorrisinho monalisa.
C. 22... casa de zona - B - sala...... noite.
Manelão se aprontando para sair, já que se encontrava jogado...
aparece branca, que fica olhando para ele. O canino mostra não
gostar da atitude de ambos. Com a chegada da moça, os cantores
começam a cantar "maringá". A dona da casa aparece
e sem muita cerimônia carrega com a moça em direção
do quarto. Na parada o senhor quase respeitável.
C. 23... casa de zona - B - quarto......
noite
No quarto, à espera da moça se encontra o cidadão
respeitável. O cidadão depois dos cumprimentos pede à
mulher a bebida de sempre. O cara trouxe um presentinho (joinha).
C. 24... fazenda A....... dia
Manelão chegando à fazenda do patrão... cruza com
algumas pessoas mal humoradas. Na sede da fazenda, nota-se pessoas saindo
da mesma. Manelão se encaminha para o galpão onde desencilha
o seu animal. Chama uma crioulinha que passa e manda avisar ao capataz
de sua chegada. Do galpão vê rondando ou guardando as entradas
da sede, alguns peões, entre eles um com cigarro muito grande.
No galpão há alguns cavalos encilhados. Manelão enquanto
dá um trato nos seus "treim", ouve os reclamos de alguns
donos de pequenas terras que se aproximam de sua montaria. Entre eles
uma mulher e um menino de uns 8 ou 10 anos. Manelão põe
bastante reparo nos dois... Da rede onde se encontra Manelão aponta
para o capataz que chega onde está o picuá com o "documento".
O capataz olha e tapa o nariz à medida que se aproxima da rede.
Depois de frios cumprimentos fala de possíveis trabalheiras com
os vizinhos do "dotor".
C. 25... sitioca A - imediações......
dia
Manelão pergunta pro Manguaça, no momento em que dá
uma golada e acende o seu grande cigarro de palha, porque o entocaiou.
O manguaça nega e jura beijando um crucifixo. Manelão promete
um acerto de contas num momento qualquer.
C. 26... sitioca A - frente da casa......
dia
Ambos param, manguaça logo apeia, momento em que aparece uma mulher
na porta, que sem rodeio manda esperar, pois vai chamar o marido. Manelão
apeia, se dirige para um coxo, onde senta. O marido aparece e manda entrar
com má vontade e com medo. Manguaça retira do bolso uns
papéis e aceita o convite. Manelão de fora ouve uns apelos
- assina home de Deus, assina que é mió pra nois... o home
fala dos seus suor e luta... Manelão ouve alguns tiros. ...Manguação
sai da casa enrolando ou botando num bornal, já ensangüentado,
duas orelhas misturadas com cabelos curtos e compridos... Manelão
diz da inutilidade dos "documentos" mas manguaça responde
que é pra não perder o jeito...
C. 27... sitioca B...... dia
Chegam e apeiam, Manelão e Manguaça. Como o primeiro se
mostra um pouco indeciso o outro lhe cutuca a paciência perguntando
se está ficando velho ou já está... Manelão
não gosta da tripudiada e pergunta pelos papéis, estendendo
a mão. Ao entregá-los, Manguaça se propõe
a fazer o trabalho duma vez que lhe pague alguma coisa... Manelão
monologa sobre o que estaria escrito naqueles papéis, tin tin por
tin tin... depois de uma resposta objetiva do outro. Aparece inesperadamente,
perguntando e indo chamar a mãe, o menino de 8/10 anos. Sai correndo
inocente e risonho. Manelão se sente mal e o outro percebe. Antes
da gozação, Manelão previne o parceiro do perigo
que correria caso abrisse a boca antes do tempo e de mau jeito... Manguaça
se afasta deixando o companheiro filosofando com os olhos fincados na
direção da casa... há alguns tiros e gritos de mulher.
Manelão olha e vê a mulher morrendo e o filho tentando socorrê-la.
Um aleijado aparece à porta e também leva chumbo. Amedrontado,
o menino sai correndo debaixo de tiros e gargalhadas... Manelão
se levanta, dá algumas voltas, sem sair do lugar... o menino voltou
e tenta carregar a mãe... gargalhadas. Manelão corre para
Manguaça e imperioso avisa que se ele atirar, ele o mata... Manguaça
ri... Você tá velho e ranheta, responde Manguaça puxando
a arma... Manguaça morre antes da hora... Manelão desencilha
e solta o cavalo do defunto, e ainda consegue ver o menino chegando na
mãe estendida no chão... Manelão dispara gritando...
fogeeeeeeeee...
C. 28... estação B...... dia
Manelão chegando a uma estação ferroviária
com muita cautela. Nas imediações solta o seu animal e os
apeiros, atira para um lado e se encaminha para perto de uns vagões
cargueiros. Chega o trem e Manelão se disfarçando embarca
(trem de carga ou passageiro).
C. 29... vagão - interior...... noite.
Interior do vagão de passageiros da 2ª classe. Chega o chefe do
trem que recebe a passagem em dinheiro. Manelão finge ou dorme
com o chapéu na cara.
C. 30... estação C - interior
do vagão...... noite
Manelão sente um movimento meio estranho e procura averiguar...
é a captura do d’angola que procura embarcar com alguns prisioneiros.
Manelão dá um jeito e deixa o vagão, tentando não
ser visto. Fora, oculta-se e espera o trem sair e terminar o movimento
na estação.
C. 31... cidade B - rodeio...... dia
Manelão chegando ao rodeio, se encaminha para as cocheiras, onde
encontra um seu amigo. Falam da captura e como escaparam, da dita. O amigo
monta num animal e dá o seu espetáculo. Na volta, reencontra
Manelão e juntos tomam umas e outras. O amigo sabendo já
da situação dos outros, propõe um chego na fazenda
onde trabalha, pois deve haver lugar para mais um, peão de campo
e domador...
C. 32... fazenda B - galpão......
noite.
Os dois no galpão, juntos de outros na rede ou mateando, falam
com o capataz sobre a admissão do Manelão.
C. 33... fazenda b - frente...... dia
Manelão e o capataz esperando o "dotor" para as apresentações.
Se aproximam alguns peões que se encaminham silenciosos para o
cemitério da fazenda, carregando uma rede com um cara dentro. A
rede está meio manchada de vermelho. O patrão aparece e
há a apresentação, que é rápida, pois
o homem já conhecia Manelão de nome. O séquito pára,
e um dos peões retira de dentro da rede uma papo-amarelo e um cinturão
cheio de balas e com a mercadoria se encaminha para os três (patrão,
capataz, Manelão), fazendo entrega da mesma... momento em que o
patrão toma do capataz a carabina e manda devolver o resto ao cara
da rede... a Cesar o que é do mesmo... Neste momento entrega a
carabina a Manelão como proposta, desejando-lhe melhor sorte. O
séquito continua. Manelão se mostra indeciso deixando parecer
a sua recusa. O patrão torna a pegar a arma, enquanto os três
olham para a porteira.
C. 34... fazenda B - porteira...... dia
Um grupo de soldados a cavalo abre a porteira e começa a entrar.
C. 35... fazenda B - frente...... dia
O patrão voltando o olhar para os presentes com certa malícia,
deixa que Manelão pegue de novo a carabina e com a indicação
e permissão do patrão, o capataz e Manelão deslizam
para o interior do galpão. O tenente se aproxima do homem quando
é convidado a apear. Falam de como vão as coisas na capital
em termos de política e de progresso. O homem fala com o tenente
da conveniência do descanso dos soldados. Os soldados se afastam
e apeiam. O tenente e o patrão se dirigem para o interior da casa.
C. 36... fazenda B - galpão......
dia
Capataz trazendo matula e colocando nos arreios de um cavalo que é
entregue a Manelão, bem como um pouco de munição
(c. 38 e 44). Manelão caminhando e puxando o cavalo e ouvindo instruções
do companheiro. Os dois cruzam com alguns peões que chegam a cavalo,
entre eles o amigo de Manelão. O capataz termina suas recomendações
e se afasta. O amigo sugere, já que é sábado, uma
chegada no "curral das éguas". Esporeia o animal que
corcoveia e salta de cima.
C. 37... interior de casa da zona C - sala...
noite
Manelão e amigo dançando ao som de um cururu sacado de uma
sanfona. Um cara canta com muito entusiasmo e os presentes tentam acompanhá-lo.
Manelão pára de dançar e vai para a mesa onde se
senta, com a mulher com quem dançava. Ao pedido de uma cerveja,
Manelão divisa lá no canto a velha mulata que também
está o observando. A mulata ordena a uma outra mulher o atendimento
enquanto se locomove em direção à mesa de Manelão.
O baile continua. A companhia de Manelão com a chegada da mulata
deixa a mesa respeitosamente, pedindo licença. Depois de um pouco
de silêncio e de mútua observação, a velha
diz da necessidade de lhe falar de um passado distante, de alguém
que conheceu... você é a cara dele e s’eu não perguntar
eu não morro contente... Manelão ouve com certa curiosidade...
o amigo chega e não se admira ao saber que já se conhecem...
Aparece na sala provocando um pouco de respeito e admiração
a moça branca que chega junto da mesa dos quatro. Sem muita cerimônia
e sem abrir a boca, a não ser para deixar escapar um sorrisinho
meio besta, convida Manelão e a mulata da mesa. Numa mesa num canto
estratégico, que mais parece uma tribuna de honra, sentam-se os
quatro. A casa está cheia. A música continua e também
o baile. A mulata em tom nostálgico e quase dramático começa
a contar o que tinha lá dentro de si, com relação
a Manelão... fala que conheceu um homem parecido com ele que tinha
uma mulher e dois filhos, sendo o mais velho aleijado e o outro contador.
Na época devia ter uns 15 anos e contador, o outro uns 10. Um dia
o homem apareceu morto, depois que não quis vender as suas terras,
terras junto do fazendão do dotor Paltaleão... mais tarde
uns capangas do mesmo homem apareceram e mataram a mulher, mas... parece
que o menino conseguiu fugir... Fala ainda a mulata que morava por perto
e trabalhava p’ra uma família que também foi morta e ela
foi poupada porque não era parente, logo não era herdeira
de nada. Manelão sofre com a narrativa e parece lembrar coisas
confusas... pergunta o nome do dotor e a região onde morava. A
velha cheia de tristeza lhe diz com muita dificuldade...
C. 38... povoado - entrada...... dia
Patas dos cavalos de galope para trote, até parar. O cavaleiro
apeia e procura um local para se escnoder, bem como para se proteger,
mas que possa ter na mira da sua arma, qualquer coisa que passe por um
caminho que se encontra a pouca distância. Amoita o cavalo, dando
milho ao mesmo. Come da sua latula - rapadura, farinha, carne seca...
C. 39... local da tocaia...... dia/noite
Depois de esperar parte do dia e da noite, Manelão vê passar
sob a mira da sua papo-amarelo um grupo de pessoas, entre elas, as pessoas
que divisou, pelas informações recebidas, o futuro defunto,
um cara ainda novo, vestido à maneira de quem vai para o seu casamento.
Manelão não achou um momento bom para atirar e não
atirou, pois podia comprometer a sua empreitada caso errasse ou matasse
outro, por acidente. O grupo de pessoas estava a cavalo e alguns em veículo
de tração animal.
C. 40... cidade - igreja...... dia
O noivo aparece, no momento de cumprimento dos presentes, nas proximidades
da igreja, bem na mira da carabina... há o disparo, mais um e o
futuro marido cai ao chão. Gritos, correrias e levam o morto ou
ferido para o interior da igreja. Manelão deixa o esconderijo.
C. 41... igreja - interior...... dia
Aparece para surpresa dos poucos presentes, Manelão de faca e revólver.
Os presentes, que na maioria eram mulheres, ficam quebrados das carnes,
Manelão com agilidade saca as escutadeiras do defunto e se justificando
diz que para onde vai não precisa delas. Aparece o padre a quem
Manelão diz lá por uma razão qualquer, que alguém
muito longe dali, espera chorando e "desonrada" aquelas orelhas...
C. 42... paisagem A...... dia
Chega disparado e fugido, mas logo se decide por uma direção.
Em qualquer lugar, procura se ocultar. Oculto, ao longe vê passar
os seus perseguidores. Volta mais ou menos por donde viera, começa
a pensar no que fazer - volta para entregar os "comprovantes",
ou aproveita para passar na casa do dotor de tal, o tal que teria matado
a sua família. Resolve matar o dotor, ná nesta veizada,
mesmo porque o trabalho já está feito.
C. 43... casa do doutor de tal - varanda......
dia
O doutor pelo fato de estar na varanda, ele mesmo recebe as visitas. O
doutor é um cara com jeito de mais de 70 anos e ainda posudo e
arrogante. Manelão pergunta pelo doutor de tal. O velho responde
meio azedo que é ele mesmo... morre sem saber por quê, isto
é, talvez soubesse que algum dia poderia morrer da mesma maneira
que matou... e quantos já não deveria ter matado. Corria
à boca pequena pela região que era possuidor de um colar
de orelhas, do qual se orgulhava, porque acreditava ser o atestado da
sua autoridade... Com os ruídos dos tiros apareceram na varanda,
pessoas da casa ou da família... à medida que chegava morria.
Há quem diga que até cachorro, gato, papagaio e outros animais
domésticos morreram naquele dia, vítimas da fúria
do Manelão. Antes de deixar a casa, Manelão entrou à
procura de mais gente e na sala parou diante de um colar que lhe pareceu
ter sido feito com dezenas de orelhas... Manelão conseguiu escapar
dos tiros da peãozada que acudiu, meio tardiamente. Houve ao que
consta uma cerrada perseguição. O fugitivo ficou muito ferido,
entretanto contam que ainda conseguiu fazer a entrega das orelhas do sedutor
da filha única do cidadão que lhe contratou o "serviço".
Se Manelão morreu, morreu com a consciência tranqüila,
pois em vida sempre cumpriu a qualquer custo a sua palavra.
Ozualdo Candeias
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