Por uma Arte Política
Ou Hopper, Welles e Tim Robbins



Joan Cusack e Bill Murray em Cradle Will Rock de Tim Robbins

O filme de Tim Robbins, Cradle Will Rock acima de tudo apresenta uma sintonia incrível com a época da qual trata. A partir de empréstimos plásticos de Edward Hopper, o diretor poderá começar a colocar questões próprias de um momento de Depressão Americana. Uma depressão que diz respeito à sua economia mas não à sua arte. Esse é o ponto de partida para uma defesa da arte e do pensamento produzidos em crises. E por se tratar da Arte Americana, essa defesa se faz extremamente relevante, pela incrível riqueza da produção da década de trinta. Uma produção de tal especificidade que irá culminar na explosão, após a Segunda Guerra, de uma autêntica Arte dissociada das grandes escolas européias. Uma arte que estará tão associada ao consumo de cultura que poderá ser Pop… Esse filme irá abordar exatamente o curto período em que a arte americana terá o espaço para ter efetivamente um caráter político, antes que ela seja levada pela grande euforia do american way of life.

Hopper se mostra o pintor ideal para a composição de ambientes, e sobretudo de cenas cotidianas da década de trinta norte-americana, pois é o artista chave na retratação da solidão própria de um espaço urbano em crise. Seus espaços, especialmente os íntimos, ultra elaborados, de luz suave, são habitados por figuras presas em sua própria imobilidade. Uma imobilidade provocada por uma falta de opções, algo que se torna complicado em uma "sociedade de livres escolhas", quando simplesmente não há o que ser escolhido. O tédio cotidiano é revelado por Hopper em toda sua banalidade, através de enquadramentos que nos remetem ao voyeurismo cinematográfico. Nesse sentido, é um artista muito bem utilizado em Cradle Will Rock para a construção da postura das personagens em relação ao espaço que ocupam: seja ele o urbano, o artístico, o político, da esfera pública ou privada…

Além disso, Hopper estará também na questão do quadro artístico americano pós-29 fazendo uma ponte com alguns movimentos abordados pelo filme de Tim Robbins: seja o teatro, o foco principal do filme, seja a pintura censurada de Diogo Rivera, a compra de grandes obras (pela aristocracia americana) negociadas com Mussolini, a figura de Orson Welles como provocadora de uma nova mentalidade (dissociada da rigidez sindical) para o teatro… A movimentação de câmera vêm homenagear e citar este, que é o grande cineasta deste período. Um discurso que destaca a importância da crise para a criação artística e a postura política que essa criação pode ter; sobretudo na modificação da noção de responsabilidade social da grande maioria de pessoas que estão a esperar uma mudança qualquer. Uma arte que é popular porque coloca na boca de seus personagens um desejo que é de uma coletividade, que é política por que antes de tudo é social.

A crise terá o papel de detonadora de um pensamento artístico mais estimulante e rico, sendo geradora de grandes movimentos culturais que se confrontam com interesses políticos; por que a arte também pode ter esse caráter. O mais interessante do filme de Tim Robbins é o destaque dado a esse engajamento da Arte como uma ferramenta política, que se mostrava efetiva por que simplesmente não era encarada como mais um objeto de consumo, não poderia ser equiparada ao carro do ano.

Para o espectador estabelece-se uma constante confrontação entre modernidade e pós modernidade. A bipolaridade do mundo moderno obrigava a uma definição de postura, pois havia algo pelo o que lutar contra. Era possível uma confrontação de forças políticas, o Comunismo era uma verdadeira ameaça nos Estados Unidos em uma época em que os pólos estavam para ser afirmados. Algo em germinação poderia estourar (o título ambíguo Cradle will rock) tanto na repressão capitalista quanto na revolução dentro do próprio EUA; o quadro de Diogo Rivera é destruído, a peça Cradle Will Rock é um sucesso. Trata-se de um momento crucial para a virada do capitalismo e seu estabelecimento. A partir daí a Arte americana não será a mesma, o país da democracia não deixaria seus artistas se posicionarem politicamente. Uma arte despolitizada é o que encontraremos já depois da Segunda Guerra. A riqueza de todo esse movimento artístico será canalizada para o estabelecimento de uma Arte Americana que apesar de ser de vanguarda, estará presa dentro de um rígido regime que a fará constituinte dele. Isso será levado ao extremo com a Pop Art: a arte como um produto qualquer de supermercado, um souvenir que se presta pouco à reflexão de quem a leva para casa. O rumo que a Arte Moderna em geral irá tomar será fortemente direcionado a partir daí. A falta de rumo de uma arte pós-moderna pode ser de alguma forma explicada pela escolha de um único pólo a seguir. Não há sequer pólo para a pós-modernidade.

Para o espectador deste filme, sem dúvida, fica evidente o processo de castração intelectual do período. O discurso de Tim Robbins coloca um tom de lamentação ao abordar personagens que assumem uma postura revolucionária em um momento de incertezas mas também de esperanças. Sem que o filme precise nos mostrar, sabemos qual será o destino deles; a História nos diz que os tempos Macarthistas estavam se aproximando.

Tim Robbins toca em uma ferida que muitos nem sequer sabem que está aberta. Essa talvez seja a explicação para o fracasso de público de Cradle Will Rock. Deve ser realmente difícil para o país da Democracia e do livre pensamento sequer considerar a possibilidade de não ser aquilo que quer.

Marina Meliande