Perdidos no Mundo

Code Inconnu, França, 2000



Juliette Binoche em Código Desconhecido de Michael Haneke

Código Desconhecido tem apenas uma qualidade: é sobre hoje. Agora. Já. No meu medidor de qualidades, poucas são mais importantes numa obra de arte. O título também é adequado como poucos, pois basicamente trata-se de um ensaio sobre a incapacidade de se olhar em volta e entender os códigos que regem o mundo atual. As relações pessoais, familiares, entre classes, profissionais, países, todas têm falhas de comunicação que levam à expressão do título.

Michael Haneke é um diretor austríaco. Como tal, com seu espírito disciplinado e ordeiro, tenta dar ele mesmo ordem a este caos. Claro, um filme latino sobre esta confusão se parece com Estorvo de Ruy Guerra, um filme caótico, quente, sem conexões e direção. O que é mais tocante no esforço de Haneke é que sua completa desorientação vem de uma fria tentativa de ordenar. Mas, ele não consegue. A maior vantagem do filme é que não apenas ele não sabe quais são as respostas (algo sempre desejável), como parece não ter muita certeza nem de quais são as perguntas.

O filme utiliza pelo menos três recursos-fetiche do cinema contemporâneo. Primeiro, a montagem paralela de uma série de histórias que eventualmente se cruzam. Só que neste caso isso mais que se justifica, pela necessidade de traçar um painel de relações quebradas e incompletas. Segundo, o recurso do plano-sequência. A dilatação do tempo é especialmente importante por criar a sensação de que os conflitos que surgem dificilmente se encaminham para qualquer solução, os tempos mortos constituem parte importante da narrativa. Todas as situações são filmadas em planos-sequência, com exceção das que representam os filmes feitos pela atriz que Juliette Binoche representa. Estes introduzem o terceiro recurso "moderno", a metalinguagem como importante figura na narrativa.

É verdade que Haneke lida menos bem com algumas situações (todas as cenas da família negra parecem mal desenvolvidas), mas é também irredutível no seu projeto de filme. Em muitos momentos o filme pode ser considerado dispersivo, pois inúmeras de suas cenas não levam a uma reação, a um segundo acontecimento conectado. Muitas vezes elas sequer parecem relevantes sob qualquer aspecto temático. O que parece claro é que Haneke questiona sua própria capacidade como artista de distinguir os assuntos relevantes e os desimportantes, se incluindo assim no tema do filme. Ele também não tem certezas, apenas perguntas.

Código Desconhecido possui inúmeras cenas fortíssimas, como a longa situação inicial na rua que desemboca em inesperada, porém inevitável, violência. Mas o que fica do filme no seu final não é nenhum personagem ou situação específica, e sim a sensação de confusão, dificuldade de achar valores e paradoxos que são o dia a dia de uma grande cidade, e do mundo inteiro, hoje, onde questionamos a ordem que veio antes, mas não colocamos nenhuma no lugar. Não há parâmetros, não há certezas, não há facilidades. Mas sim uma muito, muito grande confusão.

Eduardo Valente