Berço inquieto

The Cradle Will Rock, EUA, 1999



Joan Cusack e Bill Murray em Cradle Will Rock de Tim Robbins

The cradle Will Rock ("O berço vai balançar", em tradução literal) é um belo filme. Atores esplêndidos, personagens fortes, história cativante, narrativa bem sofisticada. Em suma, é uma graça de filme, ainda mais vindo de onde vem, surgindo da pátria dos filmes iguais. Mais que isso, é um filme sincero e vigoroso.

Isso tudo já é razão para assistir a The Cradle Will Rock. Entretanto, o balanço do filme por vezes provoca algumas intranqüilidades, algumas dúvidas quanto às suas premissas e aos seus resultados.

A linha narrativa do filme corre por várias histórias, que podem ser análogas ou simultâneas. Talvez daí já surja uma confusão. As histórias são mostradas por serem simultâneas e se enlaçarem ou por serem análogas, representativas da época e das idéias? Na verdade, cada hora a opção é uma. E isso torna a coisa um tanto solta.

Afinal, para quê a história de Diogo Rivera e Nelson Rockfeller? A história principal não é a da apresentação teatral do grupo Mercury da peça homônima ao filme? O que Rivera e Rockfeller têm a ver com isso? Parece inevitavelmente gratuita, num filme tão ambicioso, a sub-trama dos dois e da personagem de Susan Sarandon.

Ok, a história é análoga à outra, uma vez que a discussão é a mesma, quem é dono de uma obra, se o artista que cria ou quem paga – tendo aí uma grande diferença entre o banqueiro Rockfeller e o Estado norte-americano. Mas não funciona, até porque a outra sub-trama, que envolve os personagens de Bill Murray e Joan Cusack, funciona perfeitamente. Quando não funciona nós podemos tentar imaginar porquê. Quando funciona, fica um mistério. Mas duas coisas saltam aos olhos: primeiro, a sub-trama interliga-se fortemente com a trama central; segundo, ela é brilhantemente aprofundada, proporcionando inclusive um desempenho memorável de Bill Murray.

Enquanto isso, Susan Sarandon fica entre a fidelidade a um antigo caso e à arte em si ou a aliança definitiva com o capital e com o fascismo, vendendo os tesouros europeus em busca de verbas para Mussolini. Olha, com essa trama, nem Welles e Houseman dão jeito...

É pena que o cotidiano da Mercury tenha sido retratado de forma tão apressada, representando as relações entre atores, sindicato e os dois produtores/roteiristas de forma tão sem cuidados. Acaba parecendo que Orson Welles é personagem do filme mais como uma homenagem que para entender a confusão que de tempos em tempos ele causava no rádio e no teatro de então. É pena, mas é até compreensível, uma vez que retratar o Mercury seria de fato bem complicado, mais até que este filme já tão ambicioso. E ainda teria que esmiuçar a relação entre Welles e Houseman, nesses fantasmas às vezes é bom não mexer...

O projeto, tão evidentemente corajoso, se perde em analogias simples, e passa a impressão de que não decide seu caminho. Opta por crer demais em seus protagonistas, de forma ingênua até. Ou será que alguém mais acredita que Rivera levava a sério a hipótese de que iria exibir Lênin no palácio de Rockfeller? Ou que os produtores do Mercury não estavam se divertindo montando uma peça pró-trabalhistas com dinheiro do governo? Sob este aspecto, a narrativa se leva a sério demais.

Mas, como já foi dito no início do artigo, o filme cativa. É feito com emoção e sinceridade. É utópico, mas também é crítico, como fica evidente no nostálgico plano final. E um filme com os atores citados – mais Vanessa Redgrave, John Turturro, Emily Watson e um elenco incrível – e a direção, se não segura, bastante corajosa de Tim Robbins é um filme a ser visto.

Daniel Caetano