O
Auge de um Cineasta Político
The Cradle Will Rock, EUA, 1999
Joan
Cusack e Bill Murray em Cradle Will Rock de Tim
Robbins
Na Hollywood de hoje não existe obra
mais política do que a de Tim Robbins. Certamente há obras
tão transgressoras quanto, senão mais, assim como há
obras mais "sobre política". No entanto, estamos usando
aqui o termo "cinema político" entendido como uma proposta
de trabalho que inclua uma defesa aberta e apaixonada de um ponto de vista
sobre a ordem mundial. Claro que há inúmeras políticas,
desde uma política do desejo até uma da estética,
e neste ponto devemos estudar a obra de outros cineastas, como a de Bigas
Luna, por exemplo. Mas, aqui usamos o termo de uma forma mais restrita.
Nos referimos aos grandes assuntos, eminentemente políticos. Não
custa lembrar que Robbins, com a esposa Susan Sarandon, protagonizaram
há alguns anos um episódio que os custou a expulsão
do clube dos queridinhos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas,
ao tomarem posição com relação a questões
políticas da China e Tibet em plena apresentação
do Oscar. Na verdade, este momento, embora possa ser considerado sob vários
aspectos, como tolo, é uma metáfora perfeita para a obra
de Robbins como diretor. Afinal, alguns podem considerar no mínimo
contraditório protestar contra algo estando de smoking numa festa
do Oscar, talvez o maior protesto fosse a ausência, à la
Woody Allen ou George C. Scott. Porém, esta é a marca do
cinema de Robbins: a revolução dentro das regras do jogo.
É só analisar os seus filmes,
seja Bob Roberts, sua estréia e obra mais abertamente política
até pelo tema, seja Os Últimos Passos de um Homem,
que a cada filme que propõe a execução e a tomada
da justiça pelas próprias mãos para punir e separar
os "culpados" dos "inocentes", parece mais e mais
um filme de oposição. Mas, principalmente, podemos falar
deste Cradle Will Rock.
Robbins volta aos
tempos da Grande Depressão, centrando sua história no mundo
artístico novaiorquino. Lidamos com algumas camadas diferentes
de história: desde a encenação por Orson Welles de
um musical que defende o sindicalismo até a discussão do
apoio governamental às artes. No meio tempo, temos um ventriloquista
decadente que encabeça, por pura paixão e ocasião,
um movimento conservador de oposição a postura liberal do
Governo americano; e ainda Diego Rivera pintando o mural de entrada do
prédio dos Rockfeller.
A grande sacada é que, com todas estas
bolas no ar ao mesmo tempo, sendo que todas as suas subtramas possuem
um fundo político, Robbins narra sua história com uma fluidez
e inteligência que o tornam um grande filme-painel, com muito mais
potencial de entretenimento do que se poderia supor. De fato, chega a
ser impressionante o domínio do mise-en-scène e da montagem,
além do trabalho de som estupendo, pois o filme desliza pela tela
com leveza e profundidade. Parece uma volta à era de ouro de Hollywood
onde alguns dos maiores cineastas (como Hitchcock, Wilder ou Hawks) sabiam
que entretenimento e inteligência não eram excludentes. Esta
devoção ao formato clássico é o grande golpe
e o grande diferencial do filme de Robbins.
Ainda assim, ou melhor até, exatamente
por isso, usando as "armas do inimigo", como citamos com relação
ao affair-Oscar, ele consegue a adesão do espectador que se vê
completamente levado a identificação e ao ideal socialista
de então. A escalação do elenco é estupenda,
com um Bill Murray cada vez melhor, com Emily Watson, Hanz Azaria, Cary
Elwes, Joan Cusack, John Turturro, Ruben Blades, John Cusack, Susan Sarandon,
todos enfim, perfeitos e emocionantes. Há cenas absolutamente brilhantes
como o boneco do ventríloquo cantando a Internacional, ou como
a cena inicial onde vemos um cinejornal por detrás da tela de um
cinema, que nos põe a par das circunstâncias históricas
ao mesmo tempo em que nos introduz a personagem principal.
Isso até o final, que é a cereja
no topo deste saboroso bolo, com uma longa sequência em montagem
paralela que conecta todos os pontos da história a partir da idéia
da luta de classes, com os poderosos da cidade fantasiados como a côrte
francesa do século 18 para uma festa, com a encenação
clandestina do musical socialista, num crescendo que nos leva ao êxtase
e a exaltação, como um mix de Welles e Eisenstein. No entanto,
o verdadeiro brilhantismo vem no último plano, que me sinto na
obrigação de detalhar aqui, portanto os que não queiram
ler, por favor, pulem. Robbins encerra sua ode ao socialismo e ao poder
transgressor da arte com uma imagem que quebra o que poderia ser seu maior
defeito: a ingenuidade. Ao terminar com tamanha exaltação
e com um "final feliz", não poderíamos deixar
de notar o contrasenso, pois aquele era o resultado de uma noite, que
podia dar a impressão de uma vitória socialista, o que afinal,
em plenos EUA do século XX, todos sabemos ser uma tolice. Pois,
Robbins nos brinda com esta imagem que empresta ainda mais emoção
e utopia a sua proposta: filmando do alto uma procissão de artistas
e gente do povo a favor da ocupação dos teatros com a arte
pública, ele vai virando o ângulo e de repente revela o resultado
de toda aquela luta, num pulo temporal de poesia extrema. Eles chegam
no Times Square de hoje, com seus neons e comerciais de todos os tipos
de produtos, onde era o centro nervoso da arte americana. Uma ducha de
água fria pessimista? Certamente não, uma constatação
apenas. E que o que veio antes que fique como proposta de oposição.
Um senhor filme de um belo cineasta.
Eduardo Valente
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