Rosetta,
de Luc e Jean-Pierre Dardenne
Rosetta, Bélgica,
1999
O que Rosetta tem de mais instigante
é a forma como Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne conseguiram
entrelaçar o que seria mais um drama político-social com
o que poderia ter sido só mais um drama sobre a solidão
e a melancolia contemporânea. Mesclando crítica severa a
uma sensibilidade extremada para com sua personagem, os diretores conseguiram
criar uma dimensão de perplexidade e angústia que, se não
propõe respostas prontas, consegue fazer emergir com toda a força
a necessidade da busca por mudanças... Não é preciso
um discurso panfletário, não é preciso qualquer diálogo
que tente interpretar a realidade. Com a crueza de sua objetividade-subjetivada,
J.-P. e L. Dardenne fazem um filme-registro que incomoda e remexe com
o mais frio dos espectadores.
A câmera persegue Rosetta, não
lhe deixa sozinha um só instante – todo o filme é Rosetta,
tudo o que importa ali é Rosetta, por que é de Rosetta que
estamos falando... Sobre as pequenas tristezas e alegrias de sua vida,
de sua qualidades e defeitos, de suas manias e costumes... Todo filmado
com a câmera na mão, Rosetta não tem sequer
um plano ponto-de-vista ou montagens campo-contracampo... É como
se o olhar tivesse ali um imediatismo, como se fosse impossível
parar o olhar imerso naquele turbilhão no qual a personagem (como
no lago de lama movediça) quase se afoga...
Mas não é só na forma
que está o valor do filme também no roteiro essa
dimensão se estabelece: construído em diálogos e
silêncios exatos, em um ritmo asfixiante e premiado com um belíssimo
e surpreendente final... A interrupção do ato do suicídio,
a interrupção do filme no meio de um suspiro de Rosetta,
serve para projetar a narrativa para além do filme, para romper
o espaço fílmico e lançar a questão para além
da sala de projeção... O filme não se fecha por que
não se trata de encontrar uma resposta ou de se decretar a tragédia
inevitável... Mas de fazer da angústia daquelas imagens
uma ferramenta político-social de questionamento e interesse do
espectador por aquela realidade social microcósmica... Não
se trata de pena, Rosetta não é uma mártir; se trata,
sim, de encarar a dura realidade vivida por indivíduos muitas vezes
esquecidos por quem vive além da redoma de vidro da mídia
institucional, além do aquário farsesco que é o mundo
cult-pop de um festival de Cinema...
Rosetta é, sem dúvida,
um filme incômodo, e por isso mesmo se presta ao que se pretende.
Um dos grandes filmes deste Festival e que merece ser analisado com mais
calma em um outro momento.
Felipe Bragança
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