Príncipes e Princesas,
de Michel Ocelot


Princes & Princesses, França, 2000

Após Kiriku e a Feiticeira, muito provavelmente o mais belo desenho animado realizado em alguns anos, o que se esperava do novo filme de Michel Ocelot era apenas o máximo. E o impressionante é que ele consegue uma raridade em termos cinematográficos: sobreviver às expectativas. E surpreender cada vez mais.

Neste novo filme, Ocelot opta por uma série de pequenos contos, fábulas mesmo. E consegue repetir a mistura de inteligência formal com extremo cuidado conteudístico. Ele opta por uma linda construção visual de teatro de sombras, na qual os personagens e cenários são apenas delineados por uma luz que vem de trás. Além disso, busca um formato quase metalinguístico onde os contos aparecem como encenações num teatro mágico, todas feitas por dois atores e um diretor. Como cada cena se passa numa época completamente diferente (desde o Egito antigo até o futuro), ele ainda tem o cuidado de respeitar e reconstituir as estéticas desejadas, como a perspectiva peculiar dos desenhos egípcios no episódio referente.

Em termos de construção narrativa, a grande sacada de Ocelot é que cada conto começa como uma brincadeira de faz de conta, na qual os atores vão imaginando o início da história e se vestindo como os personagens. Isso cria uma empatia com o público (especialmente o infantil) pois os coloca na posição de sonhar suas próprias histórias também. Esta, aliás, é a maior qualidade do cinema de Ocelot: o respeito à inteligência e à imaginação do público infantil. Mais do que respeito, incentivo. Ele não foge de seu papel de educador, mais do que simplesmente entretenimento. Chega ao extremo de colocar um intervalo no meio de suas seis histórias, como nos filmes de antigamente, a tela fica por dois minutos com a palavra intervalo, enquanto o narrador informa ser o momento de comentar e discutir a história com os amigos e os pais. Que cuidado! Incluir a inevitável e desejável interação das pessoas entre si, a partir do filme. Ou seja, não adianta os pais se excluírem do processo educacional e culparem o cinema e a TV pela má educação dos filhos. Eles devem participar.

Cada história merecia um comentário para si, mas não é o caso. O que impressiona é que em nenhuma delas há a lição de moral fácil, s divisão entre bons e maus. Em todas se estimula a inventividade, o companheirismo, a solidariedade, o respeito à diferença. Por isso tudo, em dois filmes, Ocelot já é um dos mais importantes cineastas do cinema infantil hoje. Feliz do mundo onde mais crianças se encantassem com seus jogos que com os de Xuxa e companhia, e sua pregação do individualismo, do preconceito, do emburrecimento.

Eduardo Valente