Gotas d'Água Sobre Pedras Escaldantes,
de François Ozon


Gouttes d'Eau sur Pierres Brûlantes
, França, 1999

O cinema de François Ozon, se pensarmos em Sitcom e nesse Gotas d'Água..., utiliza o excesso e a caricatura para nos falar de uma realidade bem real, a do convívio social. E qual não é o nosso espanto quando sabemos que Gotas d'Água sobre Pedras Escaldantes é uma peça de Rainer Werner Fassbinder, mago do cinema dos sentimentos mas cujo excesso é sempre pontuado de uma lentidão apta a nos distanciar de seus personagens, num lado, para aproximar em outro, o do pathos. Em Ozon, o maior risco de uma transposição seria a ausência dessa lentidão e o padrão mais caricatural de sua assinatura. E assim é, de certa forma. Para se apoderar de Gotas d'Água, é preciso que se esqueça por 90 minutos do cinema de Fassbinder, porque o filme não agüentaria a comparação; contudo, se nos fixarmos em tudo aquilo que Ozon realiza em cima do dramaturgo e cineasta alemão, o filme mostra-se um notável exercício de readaptação de um mundo muito particular.

Gotas d'Água sobre Pedras Escaldantes abre com uma conversa entre um jovem, Franz, e Leopold, um senhor de cinqüenta anos, na qual este último convence o jovem a deixar sua noiva e viver maritalmente com ele. O filme retém a separação em atos da peça e, ao fim de cada ato, um homem de roupão prepara-se para penetrar a presa que está em sua cama. Presa é a palavra certa, pois o amor aqui é tratado realmente como uma relação de dominação entre animais, como um universo particular onde não existe racionalidade e tampouco juízo comum. Tudo é tornado mais claro com a chegada das duas ex de cada um: a ex-noiva de Franz e a ex-amante de Leopold, um travesti que fez troca de sexo (interpretada pela grande Anna Thomson): tudo passa a circular em torno do falo central de Leopold como o elemento de controle das quatro pessoas em torno daquele mundo do poder.

É realmente de um mapa do poder sexual que nos falam Ozon e Fassbinder por sua boca. A peça, escrita aos 19 anos do diretor alemão e jamais dirigida ou encenada por ele, deixa bem claro o que realiza: um impiedoso testemunho do amor como jogo de um poder qualquer, como um tabuleiro de peças marcadas e do qual não se tem saída, a não ser pela morte. Sob esse aspecto, o último plano do filme é fundamental, e não é sem lembrar o melhor Beckett: depois de uma morte, a personagem de Anna Thomson tenta abrir uma janela (o filme é passado inteiramente no apartamento de Leopold, sem sequer uma cena externa) em vão, pois ela jmais abrirá. Gotas d'Água sobre Pedras Escaldantes é esquemático, diagramático e impiedoso; faz do amor não o terreno da felicidade romântica, mas antes o do desespero da prisão, sem chances de redenção ou de um tempo melhor a vir. Ozon domina esse aspecto e ri sarcasticamente disso; mas esse riso, entretanto, não é feliz. E nisso reside toda a força desse filme.

Ruy Gardnier