O Filho de Jesus,
de Allison McLean


Jesus' Son
, EUA, 2000

Desde o início a diretora deixa claro que o filme se encaixa na categoria cada vez mais comum dos filmes auto-conscientes de sua narrativa. Ou seja, neste caso temos um personagem principal que narra o filme em primeira pessoa, interferindo diretamente no andamento da história, com interrupções, repetições, imperfeições. Ao fazer uso deste artifício, é interessante se notar um paralelo com o Medo e delírio de Terry Gilliam, que seguia na mesma linha, e mais, em ambos os casos se tratava de uma viagem pelo mundo das drogas, em torno dos mesmos anos. No entanto, embora seja riquíssimo pensar-se nos dois filmes em conjunto, é importante deixar claro a diferença completa de enfoque. O filme de Gilliam era muito mais visceral e radical, seja na descrição literal de delírios psicodélicos, seja na posição política. Este filme de McLean é muito mais um painel de uma época, com um posicionamento subjetivo e apaixonado sim, mas voltado principalmente aos personagens.

Isto dito, não se pode negar a extrema liberdade narrativa que caracteriza o filme, que lhe empresta a capacidade de transitar entre a dramaticidade e a comédia, em extremos. O principal elogio ao filme que se deve fazer é que ele não se impõe o papel de contestar nem de louvar o uso de drogas. Ele apenas o mostra como um fenômeno presente, inegável, e fonte de grande prazer e sofrimento.

O tratamento dos personagens é extremamente carinhoso, ajudado pelo elenco excepcional, no qual se destaque a interpretação apaixonante de Billy Crudup no papel principal e a iluminada presença de Samantha Morton (além de uma inesperada participação de Holly Hunter e uma já mais óbvia de Dennis Hopper). A trilha sonora ajuda, perfilando grandes canções da época, indo do blues ao country, mas principalmente com o rock dos anos 70. No entanto, o verdadeiro segredo do filme é seu enfoque subjetivo, que permite que ele ultrapasse o registro puramente realista, e muitas vezes incorpore a descontinuidade e o fantástico como simplesmente liberdades de um personagem. Com isso, o filme consegue manter um ritmo constante, sendo uma viagem episódica sem ser irregular, pois o espectador é colocado num estado constante de surpresa e fascínio. Um filme ambicioso e corajoso, que acerta bem mais do que erra.

Eduardo Valente