A Enfermeira Betty,
de Neil LaBute


Nurse Betty, EUA, 2000

O primeiro filme de Neil LaBute era muito curioso: em Na Companhia de Homens, víamos dois homens fazerem um trato para conquistarem uma secretária cega, com uma fala que mais parecia feita de guinchos. Um deles era o perfeito macho, bonito e bem-resolvido; o outro era baixinho e com cara de infeliz. O filme expressava ao menos uma ambigüidade interessante: não sabíamos se o diretor queria dizer, à maneira de Werner Herzog, "olha como todos somos assim", ou se ele queria dizer "olha como as pessoas são assim". Entre uma frase e outra, existe a elisão de si mesmo como pessoa a ser interpretada. E infelizmente, o cinema de Neil LaBute escolheu a segunda opção: deixou em aberto a possibilidade de fazer um cinema do recalque para fazer um cinema de recalcado.

A Enfermeira Betty é um filme nojento, como poucos filmes ainda hoje podem ser. É claro o desprezo que o autor tem por cada um de seus personagens, o cinismo com que ele filma cada mediocridade dos gestos dos homens e das mulheres. Já deveríamos desconfiar de um filme que apresenta como argumento o fato de uma jovem mulher, garçonete de cidade interiorana, ao momento que vê a violenta morte de seu marido, confundir a vida com a ficção da telenovela (o diretor faz questão que toda a novelinha que passa na tv seja de uma mediocridade psicológica abismal) e correr para Holywood para encontrar seu "ex-noivo", ou seja, o protagonista da série que ela acompanha pela televisão. Talvez o filme pudesse apresentar alguma ternura pela personagem, mas, em se tratando de Neil LaBute, ao menos depois de Seus Amigos, Seus Vizinhos, sabemos sempre que estamos diante de um homem que se acha muito malicioso para achar alguma dignidade na vida humana.

Essa garçonete, depois de rodar vários estados em seu carro, chega em Hollywood e pretende apresentar-se como a "enfermeira Betty". Não é uma escolha voluntária e isso fica bem claro. Ela é apenas um joguete da sociedade, uma alma fraca que se submete e se deixa levar pela coisa de mais baixo nível que se pode pensar em termos televisuais, uma soap opera muito, mas muito mal-realizada. Acompanhando-a, como intriga paralela romanesca, estão os dois negros que mataram seu marido e procuram algo que está no carro de Betty (Morgan Freeman e Chris Rock, infinitamente chatos, trocando diálogos clichês e situações idem que são repetidas desde Cães de Aluguel). Eles são filmados de maneira tão derrisória que, num momento, não se sabe se o próprio diretor decidiu sabotar seu próprio filme para fazer com que o próprio filme fosse para o espectador uma símile do que a telenovela era para a enfermeira Betty. Alguns podem achar que essa é uma jogada de mestre, e que assim Neil LaBute realiza um cinema da denúncia da ilusão cinematográfica. Mas é pura enganação: ele está ali para mostrar como a humanidade é grandemente medíocre e que as pessoas saem da mediocridade quando denunciam essa mesma mediocridade. Só que quem se inocenta é sempre o maior culpado. E quem mostra o recalque dos outros é sempre o maior recalcado.

Ruy Gardnier