A Viúva de Saint-Pierre,
de Patrice Leconte


La veuve de Saint-Pierre, França, 1999

Depois de um violento assassinato, um homem é condenado à execução pela guilhotina em plena França pós-revolucionária (o ano é 1850). Como a cidade de Saint-Pierre não tem uma guilhotina, a mulher do chefe das forças armadas decide educá-lo para mostrar que as pessoas podem mudar de acordo com o tratamento que lhes é dado. Já se viu o que se espera: A Viúva de Saint-Pierre é um filme de temas profundos e inclinação humanista, no que isso quer dizer de mais mistificador e politicamente complicado (exemplos: Coração Valente, O Patriota).

A Viúva de Saint-Pierre se desenvolve com pequenos toques de contestação: o chefe das Forças Armadas defende sua mulher e suas opiniões diante de uma classe aristocrata bunda-mole (sotaques de feminismo e liberdade de expressão), a esposa ensina o condenado a ler (a educação como redentora social e existencial) e acima de tudo uma forte mensagem contra a pena de morte. Até aí tudo bem? Não. Simplesmente porque tudo que o filme concede à inteligência no "conteúdo" do filme, ele lhe nega na forma: A Viúva de Saint-Pierre em momento algum se dirige à inteligência dos espectadores, prefere deixá-los apenas assistindo uma história em que o bem e o mal estão fortemente delineados, sem pontos de ambigüidades ou qualquer coisa que possa fazer o espectador ter uma relação com o filme que não o comportamento de rebanho.

Estilisticamente, o filme se inscreve na antiga tradição francesa da qualité française – aquele cinema que uma vez François Truffaut e Jean-Luc Godard, entre outros, denunciaram como sendo o cinema mais lambe-botas e menos inteligente possível. Esse cinema contra o qual a nouvelle vague se instaurou privilegia os "grandes temas", considera que só as "grandes histórias" merecem ser contadas, mas antes do conteúdo dito existencial, acabam dando mais atenção à justeza dos figurinos e à interpretação empertigada dos atores. Resultado: o pretenso humanismo esconde o mais excludente desprezo pelo homem.

Ruy Gardnier