Amores
Perros,
de António González Iñarratu
Amores Perros, México,
2000
Existe um triste golpe
em Amores Perros, um golpe que a cada dia parece enganar mais e
mais pessoas: que a forma por si só faz um grande filme. Afinal,
o que este filme é senão apenas um superficial e moralista
retrato da vida no México urbano atual? Mas, não, como ele
possui uma fotografia caprichada com uma câmera que se move o tempo
todo, e mais, vejam que genial, como ele interliga três narrativas
em montagem paralela, chegando ao ápice da ousadia que é
um lapso temporal entre elas, nossa, ele é um filme grandioso,
ambicioso, plenamente moderno. Ora, que coisa mais antiga! Quando vamos
começar a ver na forma, no melhor dos casos, apenas uma extensão
(necessária, mas não independente) do conteúdo? E
procurar a ousadia neste e não naquela? E olhem que o golpe não
pegou os possíveis desinformados não, pegou foi os desinformados
contumazes, ou seja, a crítica (com c minúsculo mesmo),
que numa Mostra que apresenta ousadias do calibre de um Branca de Neve
ou de um Liberdade ou de um Yi Yi ou ainda Eureka,
ou tantos outros, escolheu este como o melhor filme da mostra.
Não se enganem,
não é um filme ruim. É bem narrado, seu ritmo efetivamente
cativa, possui bons atores e disposição. Só o que
não possui é qualquer novidade. Acontece que, desde os fenômenos
consecutivos de Antes da Chuva e Pulp Fiction, no Brasil
virou a coisa mais genial se interligar histórias com um jogo temporal
entre elas. Não importa que, ao invés dos horrores da guerra
do primeiro ou do jogo com a cultura "pop" do segundo, este
filme mexicano tenha como ponto de interligação a presença
de cachorros nas 3 tramas. Não importa que cada uma das tramas
respeite o mais descarado moralismo de terceira, onde todos os personagens
rigorosamente paguem pelos seus pecados dolorosamente (e os maiores são
o adultério e a brutalidade doméstica). Não importa
que um dos episódios seja sobre um dos mais desintessantes casais
de todos os tempos (uma atriz famosa e um executivo). Não importa
que o último episódio seja sobre um personagem absolutamente
sem nexo, uma verdadeira afronta aos guerrilheiros de esquerda nos anos
60/70. O que importa é que a linguagem, meu Deus, como ela é
moderna!
O ápice deste
embasbacado provincianismo foi a sessão do filme no CineSesc. Nela,
simplesmente dois dos rolos foram projetados fora de ordem. Na saída,
não só a maioria não percebeu como ao ter o fato
destacado ainda afirmavam que isso "só tornava o filme mais
genial, pois mostra quão descompromissados ficamos com a tradicional
estrutura começo-meio-fim" (tudo bem, ninguém disse
exatamente isso, mas era a idéia...). Pô, vocês vão
me desculpar, mas eu sou do tempo em que, não importa o formato
narrativo utilizado, nem a "ousadia" da linguagem, você
colocar os planos e sequências numa certa ordem (ou desordem) possuía
significado. Se para o filme "não faz diferença"
ser projetado fora de ordem, então para mim não faz diferença
vê-lo ou não.
Eduardo Valente
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