Alta Fidelidade,
de Stephen Frears


High Fidelity, EUA, 1999

O que Stephen Frears consegue em Alta Fidelidade é uma química, infelizmente, rara no Cinema: a dosagem perfeita entre reflexão e diversão. Durante a levíssima projeção do filme, o que vemos é uma crônica do cotidiano de um homem (um excelente John Cusack) vivendo uma daquelas estranhas passagens da vida em que algo parece ter de mudar para que continuemos vivendo. Através da narração do início e do fim dos relacionamentos amorosos mais importantes da vida do personagem, passeamos por um universo de referências culturais e posturas ideológicas que se apresenta como um belo painel de imagens, sensações e sentidos. É divertido assistir as imagens e procurar nos excelentes textos e diálogos as marcas das distorções que Cusack faz de seu passado, de suas intenções, de suas ações... Estabelece-se um espaço de reflexão, de intimidade entre espectador e personagem que não passa apenas pela identificação, mas também pela troca, pela cumplicidade: os monólogos em que Cusack se dirige explicitamente ao espectador criam uma dimensão de troca parecida com aquela estabelecida na proximidade do espaço teatral. Por outro lado, lidando com personagens que por vezes nos parecem inusitados, por outras nos parecem tão comuns, Frears consegue divertir bastante e fazer rir com algumas boas piadas e atuações precisas.

No final, o que temos é uma comédia simples sobre pequenas humanidades, com suas belezas e suas feiúras...Uma comédia que, ao falar do amor, não o idealiza (como um enlatado água com açúcar) nem o condena como fadado ao fracasso (tal qual cineastas pessimistas como o repetitivo Woody Allen); mas mostra a relação humana como um mosaico de tolices e doçuras entre personagens que, agindo bem ou mal, querem (ao menos), sinceramente, poder acreditar que serão felizes juntos... Não por serem perfeitos, mas por, se conhecendo como se conhecem, se quererem um ao lado do outro...

Não é um grande filme, definitivamente, mas dá gosto de ver a diversão e o lúdico se tornarem no filme momentos de sincera reflexão...

Felipe Bragança