Subterrâneos do Futebol
episódio de Brasil Verdade 1965-68

 

Pelé conduz a bola; é derrubado uma, duas, três vezes... Plano após plano, o Rei do futebol brasileiro ( então, já bicampeão mundial) é atingido cruelmente por seus adversários. Não importa o drible, não importa a ginga – o habilidoso ídolo está caído no chão... O narrador descreve a cena, fala do desejo de milhões de brasileiros que sonham ser como o Rei Pelé, que sonham com a fama e a glória do futebol. Uma dialética que constrói um discurso determinista e pessimista. Um pessimismo identidade, fruto do perfil político marxista, da ideologia crítica-objetiva que fincou o marco do documentário brasileiro desde "Aruanda". "Mas a verdade é (...)"são literalmente as palavras do narrador onipotente ao dizer do sonho que este não passaria de uma não percepção dos jogadores de futebol como apenas mais uma massa de trabalhadores mal pagos e explorados por clubes e empresários. Capovilla quer fazer um filme-denúncia – uma tentativa de desmistificar o senso comum do star system em torno dos jogadores de futebol (que, naqueles anos 60, estava apenas engatinhando...).

Uma visão e um discurso que muito se aproximam do "Garrincha" de Joaquim Pedro. Através da utilização de um jogador-ídolo como foco de fácil identificação e ponte para a apresentação da crítica marxista, ambos os filmes se utilizam de depoimentos dos jogadores e imagens de torcedores descontrolados como as ilustrações de seu discurso preestabelecido. Os focos são os mesmos: a questão da fama, da glória e da relação com o público. Capovilla e Joaquim Pedro criam filmes que constróem um pensamento em direção a uma sentença; e a sentença de ambos condena o futebol...Uma condenação autoritária, criada sem que a voz do público fosse ouvida ou levada em conta – o narrador explica, descreve e sentencia em uma só voz de saber... A Verdade está no nome e na intenção do longa que contém "Os subterrâneos(...)"... Verdade esta que é construída com maestria por Maurice Capovilla , obedecendo seus preceitos claramente marxistas e alcançando seus objetivos discursivos. Isso esta claro no plano que fecha o filme: um torcedor do Santos grita como um louco, se descabela diante da câmera e , neste ponto do filme, o estabelecimento da crítica já está tão claro que é desnecessária a narração para que a cena se torne patética, humilhante... A imagem final, embasada em todo o discurso assentado durante o filme, já fala por si mesma...

Subterrâneos é um filme envelhecido, gasto pela repetição histórica de um mesmo discurso. Grande parte de sua crítica já está enfraquecida, seu discurso já está esvaziado. Capovilla fez um filme arriscado, perigoso e agressivo– cujo discurso se perdeu no senso comum dos filmes contestatórios e na diluição do pensamento crítico marxista.

Há porém, uma grande representatividade no filme de Maurice: trata-se de um dos primeiros filmes nacionais a utilizar o som-direto e , portanto, apresenta uma ingenuidade e uma precariedade no uso o equipamento que são bastante explicativas. Parte da incomunicabilidade entre filme e torcedores é fruto justamente desta precariedade, são subaproveitados os depoimentos dos anônimos (de fato, apenas um é ouvido com clareza). A falta de diálogo , aliás, talvez seja às vezes um fator mais de realização do que de intenção (sendo a primeira uma espécie de incentivo conjuntural para a cristalização do modo autoritário de "documentar").

Portanto, cria-se um distanciamento entre filme e espectador, um ar rígido didático que dificulta a transmissão de idéias tão contrárias aos mitos sociais estabelecidos. O filme de Capovilla se apresenta fechado em si mesmo, dentro do modelo "objetivo" e surdo do cinema novo . Um modelo já ultrapassado dentro da pensamento do cinema "documental" e que hoje, ironicamente, está muito mais associado aos rígidos filmes institucionais e mistificadores, do que a ferramentas de questionamento social.

Felipe Bragança