O
Fantasma da Liberdade
Luís Buñuel, 1974
Jean Claude
Brialy e Monica Vitti em O Fantasma da Liberdade
Fantôme, Fantasma.
Do grego phântasma, aparição, visão,
sonho. Essa é a primeira palavra do título do penúltimo
filme de Luis Buñuel, O Fantasma da Liberdade. Já
se disse que esse fantasma estaria fazendo referência lá
à primeira sentença do "Manifesto Comunista":
"Um fantasma ronda a Europa – o fantasma do comunismo". Mas
parece que ainda podemos ir mais fundo no sentido se nos detivermos um
pouco sobre a palavra ‘fantasma’. Aparição. Visão.
Sonho. Todos esses sentidos sendo atrelados à liberdade. Porque
o que vivemos hoje em sociedade está longe de ser uma experiência
de liberdade, mas como o diretor apontou, estamos de tal modo presos às
nossas "jaulas psíquicas a ponto de as preferirmos à
liberdade, uma experiência e aspiração que tampouco
entendemos ou desejamos". E o que Buñuel pretende é
justamente mostrar a arbitrariedade voluntariosa que preenche a vida cotidiana;
a maneira como, clamando não possuirmos nenhum mestre a nos mandar,
nos tornamos escravos de nossos desejos, escravos cegos de nós
mesmos.
A liberdade só
pode ser experimentada por nós pois, como aparição,
visão ou sonho. E é sobre isso o Fantasma.... Assim
como o espectro do comunismo assombrava a Europa lá pelos idos
de 1850, o intento de Buñuel aqui foi o de soltar o fantasma da
liberdade, levá-lo para as ruas, para o meio da sociedade do desejo
burguesa que sempre foi seu alvo preferido.
O Fantasma da Liberdade
é composto por esquetes que não tem muita ligação
uns com os outros a não ser o fato de que todos denunciam as prisões
a que estamos atados, prisões estas que se manifestam como convenções
sociais. Um dos episódios mostra uma família sentada à
mesa conversando; muito normal, se não fossem assentos sanitários
ao invés de cadeiras o que se percebe ao redor dela. Quando sentem
fome, vão até um quarto fechado, o que seria um banheiro,
e lá fazem suas refeições. Antes do surrealismo,
em O Fantasma da Liberdade, há uma "doce subversão",
palavras do próprio Buñuel. Basta lembrarmos que na Idade
Média, por exemplo, existia realmente uma cadeira com um orifício
no meio do assento, embaixo da qual se posicionava estrategicamente um
penico, de modo que aqueles que participassem de um banquete pudessem,
digamos, se aliviar sem que precisassem deixar a mesa.
Em seu Meu Último
Suspiro Buñuel conta que com o surrealismo "...eu entrei
em contato com um sistema moral coerente que, até onde eu posso
ver, não possui falhas. Era uma moralidade agressiva baseada na
rejeição completa de todos os valores existentes."
Tal qual um filósofo cínico, um Diógenes, vemos Luís
Buñuel transitar pelo espaço social pondo em xeque tudo
o que se toma comumente por dado. Se, segundo conta a tradição,
aquele teria falsificado moedas – talvez o primeiro caso de falsificação
de dinheiro da história – para mostrar que seu valor, longe de
ser absoluto, é mera convenção, este com seu O
Fantasma da Liberdade falsifica a realidade para mostrar que a maior
parte dos valores sociais, se não todos, também são
mera convenção - convenção esta que acaba
por nos manter cada vez mais presos.
Para conclusão
deixamos aqui o mesmo olhar confuso da avestruz no fim do filme, ao fitar
– fito estrangeiro, que percebe a sociedade humana como outro de si –
o espetáculo um tanto bizarro que se passa.
Juliana Fausto
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