Cinema
futurista, futuro do cinema?

Balla -
Velocitá astrata - la auto é passata, de 1913
Podemos dizer que a História da Sétima
Arte, até o advento do cinema falado, foi inequivocamente escrita
por quatro grandes centros de produção: URSS, Alemanha,
França e EUA. Com a devida exceção de nomes como
Dreyer, Sjöstrom ou Stiller, os principais cineastas soviéticos,
alemães, franceses e norte-americanos criaram e consolidaram, de
facto, a morfologia, a sintaxe e a semântica da arte cinematográfica.
No entanto, não poderíamos, de modo algum, contar uma História
do Cinema que não mencionasse a influência decisiva que o
Futurismo italiano exerceu, no quadro de suas formulações
teóricas, sobre a formação da gramática cinematográfica.
As contribuições do Futurismo para o cinema ainda não
foram, contudo, devidamente reconhecidas, fenômeno que se repete,
com o mesmo grau de injustiça, na história oficial da
poesia, da música e das artes plásticas no século
XX. Desse modo, na literatura, as inovações formais de Fillipo
Tommaso Marinetti são atribuídas a autores como Andrè
Breton ou e.e.cummings; nas artes plásticas, os ousados experimentos
de artistas como Umberto Boccioni, Giacomo Balla, Gino Severini e Antonio
Sant’Elia são misteriosamente atribuídos ao cubismo de Picasso
e Braque; na música, os procedimentos desenvolvidos, em 1913, por
Luigi Russolo e seus Intonarumori, são creditados a compositores
que começaram a trabalhar 20 anos mais tarde, como John Cage, Schaeffer
ou Pierre Henry; finalmente, toda uma série de propostas revolucionárias
para o cinema, lançadas pelos futuristas italianos em seus fulgurantes
manifestos, desapareceram sob um manto misterioso de silêncio e
ignorância...
Para que possamos entender a importância
do Futurismo para os caminhos da Sétima Arte, precisamos compreender
os elementos centrais que caracterizam a concepção estética
desse genial grupo de artistas. O Futurismo italiano é um volátil
Giroscópio oscilando intensamente em torno do conceito básico
de movimento, que aglutina um conjunto de idéias-força
determinantes: velocidade, multiplicidade, simultaneidade, irradiação,
energia, analogia, simbiose, metamorfose. A arte futurista deseja
produzir, de minuto a minuto, uma síntese dinâmica do Mundo;
síntese essa que, concluída, no entanto, já está
necessariamente superada no momento seguinte, num processo contínuo
e sucessivo de produção de novas sínteses. Vibrante,
febril e multiforme, a estética futurista se articula, a partir
de seus próprios pressupostos constitutivos, como uma visão
de mundo cinematográfica.
Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Luigi
Russolo, Giacomo Balla e Gino Severini, em A Pintura Futurista - Manifesto
Técnico (11 de abril de 1910), proclamam que "o gesto,
para nós, não será mais um momento detido
do dinamismo universal: será, decididamente, a sensação
dinâmica eternizada como tal. Tudo se move, tudo corre, tudo
se desenrola rápido. (...) Pela persistência da imagem na
retina, as coisas em movimento se multiplicam, se deformam, sucedendo-se
como vibrações no espaço que percorrem. Assim, um
cavalo correndo não tem quatro patas: tem vinte e os seus movimentos
são triangulares". A imagem já não é
mais, como sublinham os signatários do manifesto, a representação
estática de um objeto imóvel, mas a multiplicação
cinemática de todas as coordenadas de um objeto, e de suas infinitas
projeções no espaço: "As 16 pessoas que estão
à nossa volta num bonde que corre são uma, dez, quatro,
três; estão paradas e se movem; vão e vêm, saltam
sobre a rua, devoradas por uma zona de sol, em seguida tornam-se a sentar,
símbolos persistentes da vibração universal. (...)
os nossos corpos entram nos divãs em que nos sentamos, e os divãs
entram em nós, assim como o bonde que passa entra nas casas, as
quais por sua vez se arremessam sobre o bonde e com ele se fundem".
A pintura futurista, desse modo, não se limita à rigidez
hierática de planos fixos, mas, ao contrário, explode em
intensas policromias geradas a partir da contínua interpenetração
de planos tridimensionais.
"Nós devemos partir do núcleo
central do objeto que se quer criar, para descobrir as novas leis, isto
é, as novas formas que o ligam invisível, mas matematicamente,
ao INFINITO PLÁSTICO APARENTE e ao INFINITO PLÁSTICO INTERIOR.
A nova plástica será a tradução no gesso,
no bronze, no vidro, na madeira (...) dos planos atmosféricos que
intersectam as coisas", escreve Umberto Boccioni em seu manifesto
A Escultura Futurista (11 de abril de 1912), destacando o princípio
da interpenetração dinâmica e incessante dos vetores
plásticos de um objeto como um dos elementos fundamentais da estética
futurista. A importância do Movimento como a viga mestra
para a construção de uma nova sensibilidade é, na
passagem seguinte, mais uma vez salientada: "Em escultura,
assim como em pintura, não se pode renovar senão procurando
o ESTILO DO MOVIMENTO, isto é, tornando sistemático e definitivo
como síntese aquilo que o Impressionismo deu como fragmentário,
acidental, portanto analítico". Em As Analogias Plásticas
do Dinamismo - Manifesto Futurista (setembro - outubro de 1913), Gino
Severini argumenta que "em nossa época de dinamismo e simultaneidade
não se pode mais separar uma realidade qualquer das recordações,
afinidades ou aversões plásticas que sua ação
expansiva evoca simultaneamente em nós, e que são
outras tantas realidades abstratas, points de repére, para
atingir a ação total da realidade em questão".
É interessante constatar como Severini desloca o eixo da atividade
artística, tradicionalmente centralizado na representação
estática do objeto, para a totalidade dinâmica das múltiplas
realidades que o envolvem; isto é, a sensibilidade futurista
se expande na medida em que consegue dar conta do moto contínuo
do mundo, numa perspectiva totalmente diversa da que encontramos em um
Movimento como o Expressionismo alemão, onde pretende-se atingir
o absoluto de um objeto através do êxtase da abstração
contemplativa. Aliás, como ressalta Severini, a própria
noção de objeto desaparece do horizonte de realização
do Futurismo, cedendo lugar à hipercinesia vertiginosa de realidades
em constante transformação : "(...) as formas em
espiral e os belos contrastes de amarelo e azul descobertos pela nossa
intuição, uma noite, vivendo a ação de
uma dançarina, podem ser reencontrados mais tarde, por
afinidade ou por aversão plásticas, ou por umas e outras
juntas, nos vôos concêntricos de um aeroplano ou na corrida
de um expresso. (...) A velocidade nos deu uma nova noção
do espaço e do tempo e, por conseqüência de nossa própria
vida, nada de mais lógico que as nossas obras futuristas caracterizem
toda a arte de nossa época com a estilização do
movimento, que é uma das manifestações mais imediatas
da vida".
Convulsionado, desde seus primeiros anos,
por um processo de intensas revoluções tecnológicas,
o século XX também irá testemunhar o advento de uma
nova beleza, a da velocidade, que logo se converte na frenética
religião das massas contemporâneas: "a formidável
antítese entre o mundo moderno e o antigo é determinada
por tudo aquilo que não havia antes. Em nossa vida entraram elementos
cujas possibilidades nem sequer eram suspeitadas pelos antigos; (...)
perdemos o sentido do monumental, do pesado, do estático, enriquecemos
nossa sensibilidade com o gosto pelo leve, pelo prático, pelo efêmero
e pelo veloz. Sentimos que não somos mais os homens das catedrais,
dos palácios e dos púlpitos; mas dos grandes hotéis,
das estações ferroviárias, das imensas estradas,
das portas colossais, dos mercados cobertos, das galerias luminosas, das
auto-estradas, das demolições saudáveis", sintetiza
Antonio Sant’Elia, em sobretons épicos, no manifesto A Arquitetura
Futurista (11 de julho de 1914). O escritor Filippo Tommaso Marinetti,
inspirador inicial e figura mais notória do Futurismo italiano,
é talvez o mais ardente sacerdote dos vorazes deuses da
velocidade e da ação. Em seu manifesto O Esplendor Geométrico
e Mecânico e a Sensibilidade Numérica (15 de março
de 1915), o poeta italiano afirma, arrebatado: "Meus sentidos futuristas
perceberam pela primeira vez este esplendor geométrico sobre a
ponte de um encouraçado. A velocidade da nave, suas trajetórias
de fogo fixadas do alto do tombadilho na ventilação fresca
das possibilidades guerreiras, a estranha vitalidade das ordens transmitidas
pelo almirante, tornadas, de súbito, autônomas, já
não humanas, através dos caprichos, das impaciências
e das doenças do aço e do cobre, tudo isto irradiava esplendor
geométrico e mecânico. Senti a iniciativa lírica da
eletricidade correr através da blindagem das torres quádruplas,
descer por tubos blindados até o compartimento dos projéteis,
trazendo os obuses até as culatras, até os canos emergentes.
(...) Este novo drama, cheio de imprevisto futurista e de esplendor geométrico,
é para nós cem mil vezes mais interessante do que a psicologia
do homem, com as suas combinações limitadíssimas".
Como podemos observar, por intermédio
dos textos mencionados nos parágrafos anteriores, as duas grandes
áreas de atuação do Futurismo Italiano foram, sem
sombra de dúvida, as artes plásticas e a literatura. Todavia,
é irresistível a tentação de afirmar que Marinetti,
Balla, Boccioni, Severini e Sant’Elia parecem estar, de certo modo, conscientes
de que a energia vertiginosa de seus ideais estéticos, para alcançar
sua potencialidade máxima de realização, não
pode mais circunscrever-se aos horizontes das artes tradicionais. Ao discorrerem
sobre pintura, escultura, arquitetura ou poesia, os futuristas italianos
já estão falando sobre uma nova arte, uma arte que é
intrinsecamente movimento, velocidade, simbiose, multiplicidade e
simultaneidade: o Cinema. Longe, no entanto, de estar presente apenas
em suas proclamações teóricas, a Sétima Arte
se inscreve de forma nítida nas obras mais significativas da arte
futurista. Dessa maneira, no exuberante caleidoscópio geométrico
de cores, volumes e planos se interseccionando infinitamente no espaço,
no labirinto hipercinético de formas complexas, multifacetadas
e polimórficas de telas como Funerále dell’anarchista
Galli (Carrà - 1911), Velocità astrata - l’auto é
passato (Balla - 1912), Ballerina al Bal Tabarin (Severini
- 1913) ou Dinamismo di un Foot-baller (Boccioni - 1913), entrevemos,
claramente, os acentos e acordes da linguagem cinematográfica;
passando das artes plásticas para a literatura, pode-se dizer que
as revolucionárias parole in libertà de Marinetti
são uma expressão gráfica da percussão rítmica
dos fotogramas em movimento, o que pode ser constatado com maior clareza,
por exemplo, em um poema como o célebre Zang Tumb Tumb (1914),
sobre o cerco de Adrianapoli na guerra Turco-Búlgara, do qual apresentamos
aqui, a título de ilustração, alguns extratos: "(...)que
alegria ver ouvir farejar tudo tudo taratatatata das metralhadoras
berrar teimosamente sob dentadas bofetadas traak-traak frustradas
pic-pac-pum-tumb bizarrias saltos altura 200m. da fuzilaria em
baixo em baixo no fundo da orquestra charcos
------------------agita-se----------------bois
búfalos-------------------aguilhões
carros pluff plaff------------------------------empinar
de cavalos
flic flac------zing zing------------chaaack------------hílares
relinchos iiiiii
pateadas tinidos------3 batalhões
búlgaros------------em marcha
croooc-chaaaac------------[LENTO DOIS
TEMPOS]------------Sciumi
Maritza ou Karkavena----------croooc craaac-----------gritos
de oficiais
batttter como pratttos de latttão pan daqui paaack
dali tching
buuum tching tchang [PRESTO] tchia tchia tchia tchia tchiaak
em cima em baixo ali ali à volta ao alto atenção
sobre a cabeça
tchiaak belo Chamas
---------------------------chamas------------------------chamas
--------------------------------chamas------------------------chamas
-------------------------------------chamas------------------------chamas
------------------------------------------------ribalta
dos fortes a –
-------------------------------------chamas
--------------------------------chamas
trás daquele fumo (...)".
Mesmo num poema de sua produção literária anterior
ao Futurismo, como All’Automobile da corsa (1908), onde ainda encontramos
uma sintaxe estilística convencional, o olhar cinematográfico
já está presente em Marinetti:
"Deus veemente duma raça
de aço,
automóvel ébrio de espaço,
que pateias e gemes de angústia,
e vais roendo com dentes [estridentes!
Ó formidável monstro
japonês com olhos de oficina,
nutrido de chamas e de óleos
minerais,
sedento de horizontes e presas siderais,
desmancho-te o coração
que bate diabólico
e os pneumáticos gigantes para
a dança
em que rompes pelas estradas brancas
do mundo (...)".
Ainda que, como anteriormente enfatizamos,
o Futurismo italiano não tenha deixado um legado expressivo de
filmes realizados, seu pensamento estético, cinemático
por excelência mesmo quando trata de poesia, pintura ou escultura,
não poderia deixar de produzir uma importante reflexão sobre
o próprio cinema. Num dos primeiros manifestos do Movimento sobre
o tema, Cinema Abstrato: Música Cromática (1912),
Bruno Corra trata das primeiras experiências cinematográficas
do Futurismo, que se desenvolvem a partir do que o autor irá denominar
como sinfonia cromática. Definindo o conceito tradicional
de quadro como um conjunto de cores, dispostas em relações
recíprocas, com o objetivo de representar uma imagem, Corra argumenta
ser possível criar "uma nova forma de arte pictórica
mais rudimentar, pondo-se sobre uma superfície massas de cor dispostas
harmoniosamente umas em relação às outras de modo
a agradar à vista sem que representem nenhuma imagem. Corresponderia
aquilo que em música se chama acorde e podemos, portanto, chama-lo
de acorde cromático". As sinfonias cromáticas
são criadas mediante um trabalho de pesquisa que procura determinar
a música das cores; um dos experimentos, por exemplo, consistia
numa série de 28 lâmpadas coloridas, cada uma acoplada, por
meio de um dispositivo elétrico, a uma das 28 teclas de um piano.
Em seguida, Corra nos fala de dois filmes, que infelizmente desapareceram
durante a II Guerra Mundial. O primeiro deles, intitulado O Arco-Íris,
inicia-se com uma tela inteiramente cinzenta; e, em seguida, as cores
do arco-íris começam a aparecer como "um abalo levíssimo
de palpitações irisadas, as quais parecem surgir das profundezas
do cinza, como bolhas de uma fonte e, chegando à superfície,
estouram e desvanecem, a luta acentua-se, o íris afogando-se por
baixo dos turbilhões cada vez mais negros que rolam do fundo para
frente, debate-se, consegue desvencilhar-se, espraia-se, para desaparecer
de novo e retornar mais violentamente atacando na periferia, até
que num repentino desmoronamento, o cinza todo esfarela-se e o íris
triunfa num turbilhonar de girândolas, que por sua vez, finalmente,
desaparecem, sepultadas sob uma avalanche de cores". Na segunda fita
mencionada por Corra, de nome A Dança, "as cores predominantes
são o carmesim, o roxo e o amarelo, que são continuamente
reunidas entre si, separadas e arremessadas umas contra as outras em ágeis
piruetas de pião". Em 11 de setembro de 1916, o periódico
Italia Futurista publica um manifesto coletivo, A Cinematografia
Futurista, assinado por Marinetti, Balla, Corra, Emilio Settimelli,
Arnaldo Ginna e Remo Chiti. Este texto, fundamental no contexto do Futurismo
italiano como um todo, apresenta as mais relevantes idéias do Movimento
sobre a arte cinematográfica. Logo de início, o grupo declara
suas intenções: "O cinema futurista que nós
preparamos, alegre deformação do Universo, síntese
alógica e fugaz da vida mundial, tornar-se-á a melhor escola
para os jovens: escola de alegria, de velocidade, de força, de
temeridade e de heroísmo. O cinema futurista tornará mais
aguda a sensibilidade, imprimirá velocidade à imaginação
criadora, dará à inteligência um prodigioso sentido
de simultaneidade e de onipresença". Os futuristas sustentam
que o cinema, sendo uma arte nova, deveria estar livre do peso do passado
e dos preceitos de qualquer tradição artística, e
não atrelado aos procedimentos convencionais da literatura e da
dramaturgia, situação que é inaceitável para
uma sensibilidade artística nova e revolucionária: "É
PRECISO LIBERTAR O CINEMA COMO MEIO DE EXPRESSÃO para fazer dele
o instrumento ideal DE UMA NOVA ARTE muito mais vasta e ágil que
todas aquelas existentes. Estamos convencidos de que só por meio
disto é que se poderá alcançar aquela poliexpressividade
para a qual tendem todas as mais modernas pesquisas artísticas.
(...) No filme futurista entrarão como meio de expressão
os elementos mais variados: desde o trecho de vida real até a mancha
de cor; da linha às palavras em liberdade; da música cromática
e plástica à música dos objetos. Ele será,
em síntese, pintura, arquitetura, escultura, palavras em liberdade,
música cromática, linhas e formas, amontoado de objetos
e realidades tornadas caóticas". O cinema futurista deve ser,
portanto, a síntese dinâmica e multiforme de todas as artes,
síntese essa que, diga-se de passagem, é enunciada de maneira
modelar numa equação que encerra o manifesto: "Pintura
+ escultura + dinamismo plástico + palavras em liberdade + intonarumori
+ arquitetura + teatro sintético = cinematografia futurista".
Essa equação sucinta, límpida síntese de inequívoco
sabor marinettiano em seu emprego de símbolos matemáticos
no lugar de pontos e vírgulas, é talvez a mais clara e abrangente
exposição da filosofia estética futurista, vórtice
impetuoso e iridescente onde todas as artes convergem para a realidade
a 24 quadros por segundo.
As idéias e noções expostas
nos manifestos futuristas, ainda que não tenham tido uma aplicação
prática imediata, exerceram influência marcante na história
do Cinema, queiram ou não queiram os vetustos corifeus da historiografia
cinematográfica oficial. Uma perspectiva imparcial descobriria,
com facilidade, a presença do Futurismo em diversos momentos cruciais
da trajetória do cinema. Por exemplo, as sinfonias cromáticas
descritas por Corra prenunciam o abstracionismo geométrico
de um Hans Richter, de um Walter Ruttmann, de um Viking Eggelling, assim
como boa parte do cinema de avant garde francês dos anos
20 (Man Ray, Henri Chomette, Germaine Dullac, Dmitri Kirsanov, René
Clair); de modo menos notável, mas ainda assim significativo, as
concepções cinematográficas do futurismo italiano
estão presentes na fase áurea do cinema soviético,
sobretudo na obra magistral de Dziga Vertov; Tex Avery, o hilariante xamã
do terrorismo visual em velocidade warp, poderia pilotar os bólidos
delirantes de Balla e Severini, assim como as parole in libertá
de Marinetti poderiam livremente navegar através do caótico
oceano das desconstruções narrativas de Godard.
Infelizmente, não foram muitos os
que souberam incorporar as idéias mais valiosas dos futuristas
italianos, homens não raro desvairados e ingênuos, por vezes
até mesmo tolos, mas sempre fervilhantes de criatividade e invenção.
Hoje, quando mais de 8 décadas nos separam dos manifestos futuristas,
o cinema se converte mais e mais numa arte passadista, nem tanto
por ainda ser caudatário de estruturas narrativas herdadas da tradição
literária, mas por ter se transformado, cruel ironia da História,
em escravo de sombrias estruturas industriais, que se símbolos
foram, no início do século, das vertigens de liberdade celebradas
pelos arautos do Futurismo, hoje, na mesma centúria, que ora finda,
se transfiguram em hediondas insígnias do letargia, da monotonia
e da mediocridade planejadas.
Alfredo Rubinato
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