The Canyons
Paul Schrader, EUA, 2013

The Canyons é um filme sobre o fim do cinema. Sobre a tomada deste pela pornografia e sobre a substituição das salas de cinema pelos smartphones sempre à mão. São incontáveis as situações no filme de Paul Schrader envolvendo telefones celulares, enquanto as salas de cinema aparecem reduzidas ao pó nas imagens que abrem e fecham o filme. Essas serão, paradoxalmente, as únicas aparições desses espaços “de outrora” num filme infiltrado no coração da indústria do cinema. “Qual a última vez que você viu um filme no cinema que tivesse realmente mexido com você?”, é a frase de Lindsay Lohan que sintetiza as ambições do roteiro. Mas o que torna o filme de Schrader intrépido, audacioso, é que esse “fim dos tempos” não é tratado apenas como um tema – não há, tampouco, espaço para nostalgia ou lamúria. O gesto do filme é radical: aderir a esse fim anunciado e levá-lo até as últimas consequências. Assim, diante de um filme que abraça tão fortemente o mau-gosto e um mundo árido onde o cinema não tem mais lugar, nós, espectadores nostálgicos, ovelhinhas de festivais que se recusam a enxergar uma arte em vias de sua desaparição, não temos outra resposta senão detestá-lo.

Como diretor, Schrader nunca conseguiu ir muito além do mediano. Mesmo seus melhores filmes, como Vivendo na corda bamba ou Hardcore, se sustentam mais pelas ideias fortes do por um artesanato propriamente cinematográfico. Saímos de The Canyons desconcertados com os rumos tomados pelo final do filme: a cena do psiquiatra e o último plano, com Ryan ao celular, soam por demais ineptas, pontos fora do arco dramático construído pelo filme. Digamos logo, então, que o essencial do filme não está na trama, mas nos ambientes e numa apreensão “epidérmica” dos personagens. E que o roteiro de Bret Easton Ellis parece ter a mesma estrutura de um filme pornô: cinco personagens, todos se conhecem e acumulam envolvimentos amorosos entre si – Ryan namora Gina, porém já teve um caso com Tara e Cynthia, atuais esposa e amante de Christian etc. Coincidências que só seriam toleráveis num soft porn onde a teia de relações entre os personagens serve de justificativa para encontros sexuais. O casting do ator pornô James Deen será, claro, o signo mais visível dessa estrutura. Mas o que é The Canyons em seu todo senão um psicodrama erótico onde todos os corpos estão sempre submetidos ao sexo, a um teatro vagabundo da crueldade e do controle? Que não cheguemos aqui às vias sexuais de fato, é apenas porque Schrader mantém um passo atrás em sua reflexão metalinguística.

Enquanto isso, há um filme-dentro-do-filme sendo feito. Que filme? Pouco importa! Os personagens de The Canyons se dividem entre riquinhos entediados que usam o cinema para matar o tempo e aspirantes que se prostituem sonhando com um lugar na indústria (ver a cena em que Ryan é chantageado por um produtor a mando de Christian: dupla exploração daqueles que se encontram submetidos ao poder do capital). O que Paul Schrader parece querer nos dizer é o seguinte: o cinema, hoje, enquanto fato cultural, é irrelevante. Mesmo – e talvez sobretudo – em Hollywood, Los Angeles. Se há um futuro para o cinema, ele é apontado nos vídeos caseiros que Christian realiza com o celular – caminhamos para um mundo onde a estética do vídeo caseiro e da pornografia se tornarão os tons dominantes na produção imagética.

Uma pequena palavra sobre as atuações: James Deen e Nolan Funk, vilão e mocinho respectivamente, funcionam como dois pólos opostos e idênticos. Suas interpretações possuem a canastrice e a rigidez dos atores pornôs (fiquem à vontade para completar o trocadilho aqui). São dois corpos masculinos sem muita identidade, de uma beleza esculpida e indiferente. Nenhuma nuance de interpretação, nenhuma cena que denote um acúmulo interior do ator-personagem. É nítida a diferença para Lindsay Lohan, a quem é reservado o grande papel dramático do filme.

Sobre os acertos da direção, não é preciso ir longe. Basta notarmos, por exemplo, como Schrader imprime perfeitamente uma “cara” à cidade de Los Angeles, com seus ambientes ensolarados e insípidos e suas estradas entupidas de carros. Que essa sensação autêntica de uma “cidade” seja alcançada com um orçamento modesto, sem locações mirabolantes (90% das cenas se passam em ambientes domésticos ou dentro de carros), é uma boa prova da habilidade do diretor. A luz branca e fria do digital serve aqui perfeitamente à fotografia, que também se permite alguns voos, como na cena do ofurô, cujo visual parece abertamente inspirado numa estética soft porn.

Paul Schrader não fez apenas um “filme vagabundo”, como alguns insistirão em rotular. Ele fez um filme para além de qualquer bom gosto, mirando um futuro para além do próprio cinema. Dizer que a narrativa é “tosca”, que o último plano é “estapafúrdio” e as atuações são “ruins”, tudo isso não passa de ataques de bom-gostismo de espectadores nostálgicos que insistem em acreditar no conto de fadas dos festivais de que o cinema “vai muito bem, obrigado”. Mas, como alguém que prefere olhar fundo nas coisas, Paul Schrader sabe que a estrutura está podre há tempos.

Calac Nogueira


 Dezembro de 2013