A reflexão crítica é parte integral da realização cinematográfica. Não consigo conceber o cinema sem ela, é a ponta de um ciclo criativo que faz a engrenagem da invenção continuar girando. Desde adolescente passei a acreditar profundamente na força da crítica através da leitura de livros da editora Perspectiva (coleção Debates). Foi nessa época que conheci e li os livros teóricos e críticos de poetas como Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ezra Pound, Octavio Paz, Michel Butor, Marcel Duchamp, entre outros.
Desde então venho tentando encontrar esse tipo de conhecimento e prazer nos livros e revistas de cinema. Encontrei coisas bem interessantes, mas rapidamente o poço secou e o que sobrou foram alguns blogs cujas fontes pareciam infinitas, mas que, ao mesmo tempo, proporcionavam apenas uma relação fugaz e instantânea. Conseguiram saciar a minha ansiedade por esse contato com a crítica, mas não cheguei a reencontrar aquilo que os livros teóricos dos poetas haviam me dado: o prazer prolongado e aprofundado da fruição artística.
Hoje, quando penso nesse assunto, sinto a iminência do fracasso. Me pergunto: a plena realização da crítica de cinema está fadada ao fracasso? Espero muito que não, pois pra mim isso é o mesmo que dizer que a plena realização dos filmes está fadada ao fracasso. Ou mais ainda: a fruição cinematográfica está fadada à mediocridade. Essa possibilidade me deixa puto, preciso então entender o que seria a plena realização da crítica e reencontro nesses poetas algumas reflexões (nas quais eu acredito, mas que de forma alguma são totalizantes):
1- Ver um filme três vezes ou mais. Nunca escrever sobre um filme que você viu apenas uma ou duas vezes.
2- Make it new: a crítica é renovação, não regeneração. Considero improdutivo uma crítica preocupada em apontar falhas, como se isso fosse adequar o filme ao que ele "deveria ser". Mais interessante é uma crítica de espírito livre, que anarquize a sua relação com a obra.
3- Transcriação: mergulho pleno na obra a ponto de borrar a fronteira entre autor e espectador/crítico. Adoraria ler uma crítica que me fizesse sentir que a minha relação com a obra vem tanto do realizador quanto do crítico.
4- Exercer uma relação com a História de forma não-linear. É uma maneira de tornar o exercício crítico mais criativo e menos categórico. Pra perceber algo em Lumière talvez seja necessário perceber antes algo em Straub, e vice-versa dependendo de onde se quer chegar (a origem e o fim habita todos os tempos).
5- Se a crítica literária cabe perfeitamente num livro (com direito a trechos de poemas, comparações de tradução etc.), então a crítica cinematográfica cabe perfeitamente na internet (com direito a trechos de filmes no youtube, fotos, etc.). Use os meios a favor da criatividade, não transponha simplesmente o jornal pra internet. A nossa mediocridade se revela nessas transposições: procedimento pobre de imitação.
6- Generosidade. Os críticos muitas vezes confundem generosidade com condescendência. É necessário ser generoso, principalmente com filmes novos, pois ainda são recém-nascidos. Acho importante observar com atenção os seus primeiros passos. Lembrando que sempre existe a possibilidade de simplesmente deixá-lo pra lá. É mais digno deixar pra lá a observar com um coração mesquinho.
7- Acreditar no que você diz. Não existe um bom crítico com pudor de colocar pra fora aquilo que acredita e sente. Nunca ter medo de se expor e de errar. O erro apaixonado é infinitamente mais rico que o acerto frígido.
8- Não esquecer de viver a vida, pois é na vida que encontramos todas as nuances.
9- Destruir o absolutismo. O papel da crítica é não deixar a arte se cristalizar, virar puro objeto de museu. Crítica oficialesca não existe.
10- Desaprender, se colocar em risco.
Ricardo Pretti
Abril
de 2013
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